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4 ASPECTOS CONTRATUAIS

4.3 ALOCAÇÃO/PARTILHA DO RISCO GEOTÉCNICO

4.3.1 Relevância

A partilha do risco geotécnico entre o Dono de Obra e o Empreiteiro é primordial nos contratos de obras subterrâneas. Na maioria dos tipos de contrato internacionais para obras subterrâneas, os parâmetros geológicos e geotécnicos são essenciais apenas para a descrição do terreno. Ao invés disso, devia-se salientar a influência do terreno na produtividade, i.e., a resistência do solo, o desgaste do equipamento de perfuração, as ocorrências a serem tratadas, tais como o afluxo excessivo de água ou as zonas de falha não previstas, bem como a quantidade de elementos de sustimento, tais como pregagens, malha sol, aduelas metálicas ou betão projectado, necessárias à garantia de condições de segurança, em especial nos locais próximos da frente do túnel. Existem várias aproximações alternativas de partilha de risco para as condições do terreno. A aproximação seleccionada terá um impacte real nos vários aspectos do desenvolvimento da obra, incluindo (Caldeira, 2005):

No número de propostas recebidas;

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Na capacidade de gerir, de antecipar e de resolver eficazmente conflitos, disputas e reclamações que surjam em consequência das condições efectivas do subsolo;

Na garantia de financiamento, para além do custo inicial de adjudicação, de outros adicionais devidos às condições do terreno, que decorram do processo de construção.

Este último ponto, já está contemplado no Decreto-Lei n.º 278/2009 de 2 de Outubro, Código dos Contratos Públicos (CCP), nomeadamente no Artigo 370.º - Trabalhos a mais. O mesmo define-os como aqueles cuja espécie ou quantidade não esteja prevista no contrato e que se tenham tornado necessários à execução da obra, na sequência de uma circunstância imprevista, e não possam ser técnica ou economicamente separáveis do objecto do contrato sem inconvenientes graves para o Dono de Obra ou, embora separáveis, sejam estritamente necessários à conclusão da mesma.

A execução de trabalhos a mais só pode ocorrer quando: o preço atribuído aos trabalhos a mais, somado ao preço de anteriores trabalhos a mais e deduzido do preço de quaisquer trabalhos a menos, não exceder 5 % do preço contratual; e o somatório do preço atribuído aos trabalhos a mais com o preço de anteriores trabalhos a mais e de outros anteriores de suprimento de erros e omissões não exceder 50 % do preço contratual.

Aquele limite previsto de 5% é elevado para 25 %, sempre que estejam em causa obras cuja execução seja afectada por condicionalismos naturais com especiais características de imprevisibilidade, nomeadamente as obras complexas do ponto de vista geotécnico, como é a construção de túneis.

O CCP constitui uma revolução no sector da construção em Portugal, ao clarificar a responsabilidade dos vários intervenientes na obra; por outro lado, permite uma maior liberdade contratual entre as partes (Flor & Roxo, 2010). Noutros casos, os riscos são atribuídos e assumidos de uma forma consciente, quando o Dono de Obra (Caldeira, 2005):

Não autoriza a realização de uma prospecção geotécnica prévia à construção;

Não disponibiliza ao Empreiteiro informação pertinente acerca das condições do local (avaliadas e antecipadas);

Escolhe não ter em conta qualquer contingência para diferentes condições no local, encontradas durante a construção;

Elabora uma proposta sem conduzir qualquer inspecção ao local;

Age ignorando a informação fornecida ou disponível para as condições do local; ou Assina um contrato sem qualquer cláusula DSC e não tem em conta qualquer contingência para o risco das condições serem distintas das esperadas.

Quaisquer que sejam as circunstâncias, a atribuição e a assunção numa obra geotécnica de riscos muito elevados ou intoleráveis pelo Dono de Obra ou pelo Empreiteiro, têm uma relação directa com o aumento da probabilidade de ocorrências adversas, de exceder os custos e os prazos previstos, de disputas, de reclamações ou de uma eventual litigação. Como regra geral, quanto maior for o risco que o Dono de Obra estiver disposto a correr, menor será o custo inicial de construção. Inversamente, quanto menor for o risco assumido pelo Dono de Obra, maior será o custo inicial da construção, em resultado da adopção de atitudes, por parte dos Concorrentes, de propostas defensivas e dos custos de contingência associados. A posição óptima varia significativamente de um projecto para outro, dependendo do risco envolvido, da sua tolerabilidade e da atitude do Dono de Obra (Caldeira, op. cit.).

Nos contratos consignados com base num projecto de execução, em planos de trabalhos e com revisão de preços, é o Dono de Obra que suporta a maior parte do risco geotécnico, o qual é tipicamente expresso como “condições do terreno não previstas” (op. cit.). Quando tal não é aceitável são usadas, de modo crescente, formas de contrato que colocam este risco nas companhias de seguros e nas empresas de construção. Qualquer que seja a forma do contrato, os riscos geotécnicos serão melhor geridos quando os especialistas em Geotecnia, em representação de todas as partes envolvidas, se reúnam tão cedo quando possível, durante o período de lançamento de concursos e de negociação dos contratos. As melhores cláusulas contratuais são aquelas em que os recursos técnicos do Dono de Obra, do Projectista e do Empreiteiro são combinados, de modo a ultrapassar as dificuldades relacionadas com o terreno, logo que estas se tornem aparentes. Ao Empreiteiro cabe claramente assumir o risco nas áreas em que pode exercer um controlo razoável. A selecção de meios e métodos de construção, os equipamentos e os processos de trabalho devem estar incluídos no risco assumido pelo Empreiteiro. O impacto dos riscos sobre a segurança dos funcionários é também da responsabilidade do Empreiteiro, embora, do ponto de vista financeiro, possam ser transferidos para uma Seguradora.

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No que diz respeito à alocação de risco, Stareven (2006) distingue quatro tipos principais: Risco exclusivamente assumido pelo Dono de Obra que tem de lidar com as consequências (custos), se o mesmo ocorrer;

Risco exclusivamente assumido pelo Empreiteiro que tem de lidar com as consequências (custos), se o risco se materializar;

Risco totalmente partilhado entre Dono de Obra e o Empreiteiro: o risco é inteiramente atribuído a ambas as partes e, em conjunto, têm de definir as medidas correctivas, bem como a parte que vai assumir os custos, se o risco se materializar; Risco parcialmente partilhado, em que uma parte do risco é da responsabilidade do Dono de Obra e a parte restante é da responsabilidade do Empreiteiro: neste caso o risco é parcialmente atribuído a um e a outro interveniente, por mútuo acordo, com estabelecimento prévio de regras base.

A ferramenta mais utilizada para a alocação de riscos é uma simples tabela ou matriz de alocação de risco (Quadro 4.1). As matrizes de alocação são uma ferramenta fundamental no desenvolvimento de contratos do tipo Concepção - Construção. Fornecem um quadro detalhado para a tomada de decisões sobre a alocação do risco em cada projecto. São também aplicáveis a projectos com contratos tradicionais do tipo Concepção – Concurso – Construção ou a projectos que utilizem outro tipo de contrato inovador. Todos os riscos relacionados com as condições do local devem ser assumidos pelo Dono de Obra. A maneira mais adequada de geri-los será através de prospecção, caracterização geotécnica e com a incorporação de cláusulas no contrato.

Quadro 4.1. Exemplo de uma matriz de alocação do risco (Ashley et al., 2006, adaptado). Risco Entidade recomendada para assumir

o risco

Forma como o risco é atribuído ou gerido

Acesso ao local Dono de obra Planeamento avançado ou aquisição

Meios e métodos de

construção Empreiteiro Cláusula específica no contrato

Condições geotécnicas do

local Dono de obra

Prospecção geotécnica e cláusula no contrato

Condições meteorológicas, actos de Deus

Partilha (Dono de Obra suporta os atrasos sofridos; o Empreiteiro suporta

os custos do risco)

Cláusula no contrato

Existem basicamente três importantes razões pelas quais o Dono de Obra deve partilhar os riscos associados com as condições geológicas associadas ao projecto (Zhou & Cai, 2007):

É a entidade que desenvolve o conceito do projecto o que, entre outras coisas, inclui parâmetros como a localização, o alinhamento, o traçado, o recobrimento, a dimensão das escavações, bem como os requisitos funcionais;

Ele é o proprietário do terreno e, na maioria dos casos, fornece os dados da prospecção e caracterização do local. A adequação e exactidão desses trabalhos irão influenciar fortemente a forma como as diferentes partes prevêem as condições do terreno;

Ele impõe um cronograma; este pode ser um ponto discutível, pois muitas vezes o Empreiteiro encontra dificuldades no cumprimento do cronograma imposto. Como resultado algumas medidas de gestão de risco durante a construção podem ser comprometidas.

A alocação do risco deve ser oportuna e justa. Embora todos os riscos não possam ser alocados, é imperativo que Empreiteiros e Donos de Obra, face ao risco geotécnico inerente aos projectos subterrâneos, tentem alocá-lo correctamente. De seguida será apresentado a partilha do risco em túneis segundo a prática norueguesa.