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O PROCESSO CIVIL NO CONTEXTO DA CRISE DO PODER JUDICIÁRIO NO BRASIL

S EÇÃO 3: S ÚMULA IMPEDITIVA DE RECURSOS

Na esteira das diretrizes balizadas para a reforma do Poder Judiciário com a emenda constitucional 45/2004, foi editada a lei n.º 11.276, de 7 de fevereiro de 2006, a qual foi chamada súmula impeditiva de recursos. Por meio da exposição de motivos n.º 182-MJ, o então Ministro de Estado e da Justiça Márcio Thomaz Bastos encaminhou ao Presidente da República o projeto de lei destacando a necessidade de alteração no sistema processual brasileiro com o escopo de conferir racionalidade e celeridade ao serviço de prestação jurisdicional, sem, contudo, ferir o direito ao contraditório e à ampla defesa.121

Na linha do relatório do Deputado Inaldo Leitão (PL-PB), então relator do projeto de lei n.º 4.724/2004, antes da Reforma do Judiciário, já se sustentava

“que o direito à inafastabilidade da tutela jurisdicional (art. 5º, XXXV, CF/88) englobava o direito a uma decisão tempestiva, efetiva e justa, predicados sem os quais não é politicamente legítimo o sistema processual de um país. O verdadeiro acesso à ordem jurídica justa desqualifica a justiça tardia, que nega o próprio acesso à justiça”.

Essa lei alterou, entre outros, o art. 518 do Código de Processo Civil, lei n.º 5.869, de 11 de janeiro de 1973, no tocante ao recebimento do recurso de apelação, acrescentando o §1º, que determina ao juiz de primeiro grau o não

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recebimento do recurso de apelação quando a sentença atacada estiver em conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal.

O dispositivo não faculta ao magistrado o não recebimento. Trata-se de norma imperativa, de cunho obrigatório. Tanto o é, que o §2º, acrescido pela lei n.º 11.276/2006, estabelece que, após a apresentação das contrarrazões ao recurso de apelação, é facultado ao magistrado, em cinco dias, o reexame dos pressupostos de admissibilidade do recurso. Ou seja, poderá o juiz não só entender que o caso concreto não se encontra na moldura da súmula do Supremo ou do Superior Tribunal de Justiça como também determinar o processamento da apelação para julgamento do Tribunal de segundo grau.

O recebimento do recurso pelo juiz de primeiro grau está adstrito a que a integralidade da sentença esteja em conformidade com a súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal. Caso parte da sentença não tenha amparo em súmula, o recurso deve seguir regularmente. Para o Superior Tribunal de Justiça, o objetivo dessa lei é “uniformizar e racionalizar os julgamentos, dando maior efetividade ao processo, visto que permite impedir que a apelação prossiga caso a matéria integrante do juízo de mérito objeto da sentença esteja em conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal”.122

121

Na Câmara dos Deputados, PL 4.724/2004, aprovado em 18 de agosto de 2005. Enviado ao Senado Federal em 24 de agosto de 2005 (PLC 90/2005) e aprovado em plenário no dia 25 de janeiro de 2006, com sanção presidencial em 8 de fevereiro de 2006.

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Cf. REsp 970.391, rel. Min. João Otávio Noronha, DJ 29.3.2010. Nesse julgado, entendeu o STJ que “constatado que existem outras matérias suficientes e capazes de influir no julgamento do mérito que não foram apreciadas e que não estão incluídas no teor da súmula utilizada para julgar a causa e obstar o processamento da apelação, faz-se necessário, então, que se proporcione o seguimento dessa, para apreciação e julgamento, não sendo o caso de se aplicar a norma do art. 518, § 1º, do Código de Processo Civil”. Ainda nessa decisão, trouxe o relator o entendimento de Humberto Theodoro Júnior sobre esse dispositivo legal: “É bom lembrar que o trancamento da apelação, in casu, pressupõe inteira fidelidade da sentença à súmula do STJ ou do STF. É preciso que a decisão seja toda ela assentada na súmula, e não apenas em parte, de modo que se esta serviu tão-só de argumento utilizado pelo sentenciante, para solucionar parte das questões deduzidas no processo, havendo outros dados influentes na motivação do julgado, não

Em outro caso, decidiu o STJ que, ao se analisar o art. 518, §1º, do CPC e “interpretá-lo gramaticalmente, observa-se que se trata de norma cogente, vez que não faculta ao magistrado o recebimento do recurso de apelação, caso este tenha motivado sua sentença em súmula do STJ ou do STF, pelo contrário, obriga o juiz a não recebê-lo: ‘o juiz não receberá’.” A finalidade desse dispositivo legal é justamente “evitar a tramitação de recursos sem chance de êxito”.123

O então relator do projeto de lei n.º 4.724/2004 na Câmara dos Deputados, aliás, enfatizou que o não recebimento da apelação contra sentença em consonância com súmula dos Tribunais Superiores representa uma medida “condizente com a adoção da súmula vinculante. Ou seja, se optamos pela súmula vinculante, não há sentido em permitir o processamento de recurso contrário ao entendimento fixado por aquela.” Essa conduta do juiz apenas anteciparia o provimento do recurso que “fatalmente” seria proferido pelo relator do recurso com fundamento no já consolidado art. 557 do Código de Processo Civil, o qual permite ao relator negar seguimento a recurso em confronto com súmula ou jurisprudência dominante.

Esse mecanismo permite, conforme estabelecido na nova redação do Código de Processo Civil e, ainda, em decisões já consolidadas do Superior Tribunal de Justiça, ao magistrado de primeiro grau não receber o recurso de apelação quando a sentença atacada estiver em conformidade com súmula do STJ ou do STF. Não se trata de conformidade com jurisprudência dominante, como dispõe a redação do art. 285-A do CPC, mas quando a matéria objeto da controvérsia for unicamente de direito e já houver no juízo sentenças anteriores de total improcedência em outros casos idênticos.

será o caso de considerar a sentença como irrecorrível. Fora do tema da súmula, restariam questões passíveis de discussão recursal, sem risco de contradizer a matéria sumulada” (In: Curso de Direito Processual Civil, 50ª Edição, Editora Forense, 2009, pág. 594).

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Cf. REsp 1.144.147, rel. Min. Mauro Campbell, DJ 13.4.2011. Nesse mesmo sentido: REsp 1.078.394/PE, rel. Ministra Eliana Calmon, 2ª Turma, DJe 11/11/2008.

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