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O PROCESSO CIVIL NO CONTEXTO DA CRISE DO PODER JUDICIÁRIO NO BRASIL

S EÇÃO 2: S ÚMULA VINCULANTE

Foi por emenda ao regimento interno do Supremo Tribunal Federal, em 30.8.1963, e por iniciativa de Victor Nunes Leal, que as súmulas entraram no cenário judicial brasileiro. Como membro da Comissão de Jurisprudência do STF juntamente com os Ministros Gonçalves de Oliveira e Pedro Chaves, Victor Nunes Leal apresentou a ideia e foi o relator da emenda regimental que criou a súmula. Na terminologia original e também na regimental, a expressão “súmula”, como analisa Fernando Dias Menezes, se referia ao “conjunto dos ‘enunciados’, publicada e atualizada periodicamente; a prática posterior consagrou também o uso da ‘súmula’ significando cada enunciado”. 109

Victor Nunes Leal destaca que foram 370 emendas aprovadas na sessão plenária de 13 de dezembro de 1963, com início no ano judiciário de 1964.110

A súmula – não vinculante – nasceu, segundo Victor Nunes, da dificuldade dos Ministros do Supremo em identificarem as matérias que “já não

§ 1o Caberá ao Tribunal de origem selecionar um ou mais recursos representativos da

controvérsia e encaminhá-los ao Supremo Tribunal Federal, sobrestando os demais até o pronunciamento definitivo da Corte.

§ 2o Negada a existência de repercussão geral, os recursos sobrestados considerar-se-ão

automaticamente não admitidos.

§ 3o Julgado o mérito do recurso extraordinário, os recursos sobrestados serão apreciados

pelos Tribunais, Turmas de Uniformização ou Turmas Recursais, que poderão declará-los prejudicados ou retratar-se.

§ 4o Mantida a decisão e admitido o recurso, poderá o Supremo Tribunal Federal, nos

termos do Regimento Interno, cassar ou reformar, liminarmente, o acórdão contrário à orientação firmada.

109

ALMEIDA, Fernando Dias Menezes. Memória jurisprudencial: Ministro Victor Nunes. Brasília: Supremo Tribunal Federal, 2006 (Série memória jurisprudencial), pág. 32.

Também sobre o tema: ROSAS, Roberto. Direito Sumular. São Paulo: Malheiros, 14a.

edição, 2012 e MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência jurisprudencial e súmula vinculante. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

110

LEAL, Victor Nunes. Passado e Futuro da “súmula do STF”. Revista dos Tribunais, Ano 70, novembro de 1981, vol. 553, págs. 287-299.

convinham discutir de novo, salvo se sobreviesse algum motivo relevante”.111 Revela que, na verdade, a súmula é um subproduto da sua “falta de memória”, o que fez com que se sistematizassem as numerosas notas e anotações para consulta nas sessões de julgamento do Supremo Tribunal Federal.

“O hábito, então, era reportar-se cada qual a sua memória, testemunhando para os colegas mais modernos, que era tal ou qual a jurisprudência assente na Corte. Juiz calouro, como o agravante da falta de memória, tive que tomar, nos primeiros anos, numerosas notas e bem assim sistematiza-las, para pronta consulta durante as sessões de julgamento.

Daí surgiu a ideia da Súmula, que os colegas mais experientes – em especial os companheiros da Comissão de Jurisprudência, Ministros Gonçalves de Oliveira e Pedro Chaves – tanto estimularam. E se logrou, rápido, o assentamento da Presidência e dos demais Ministros. Por isso, mais de uma vez, tenho mencionado que a Súmula é subproduto de minha falta de memória, pois fui eu afinal o Relator não só da respectiva emenda regimental como dos seus primeiros 370 enunciados. Esse trabalho estendeu-se até as minúcias da apresentação gráfica da edição oficial, sempre com o apoio dos colegas da Comissão, já que nos reuníamos, facilmente, pelo telefone”.112

Para Celso Lafer, com apoio nas reflexões do Ministro Evandro Lins e Silva, as súmulas descongestionaram o Supremo e permitiram aos Ministros que ganhassem tempo para analisarem com afinco as questões importantes sem haver a necessidade de repetição de relatórios para decidir milhares de casos.113

Consigna Jorge Amaury Maia Nunes que a “ideia que anima a súmula vinculante é justamente a de aumentar o controle sobre a dicção do Judiciário a respeito de demandas de igual natureza, em que deva incidir a mesma regra jurídica: para problemas iguais, soluções iguais”.114

A edição da súmula

111

Cf. sobre essa parte histórica, o prefácio de Celso Lafer à obra de NUNES, Segurança jurídica e súmula vinculante.

112

BRASIL. Diário da Justiça, 26.08.1985, pág. 13.905 e seguintes. Homenagem do Ministro Sepúlveda Pertence, do Supremo Tribunal Federal, a Victor Nunes Leal na sessão de julgamento do dia 14 de agosto de 1985.

113

Cf. prefácio à obra de NUNES, Segurança jurídica e súmula vinculante, pág. X.

114

NUNES, Segurança jurídica e súmula vinculante, pág. 160. Cf. também Victor Nunes Leal,

ao afirmar que “Se tivermos de interpretar a Súmula com todos os recursos de

hermenêutica, como interpretamos as leis, parece-me que a Súmula perderá sua principal vantagem. Muitas vezes, será apenas uma nova complicação sobre as complicações já

vinculante, “pondo uma pá de cal sobe o tema, é capaz de refrear esse impulso, estabilizando as posições ativa e passiva de determinadas relações jurídicas”. Essa estabilização apresenta como pano de fundo frear a propositura de um número cada vez maior de ações com o mesmo objeto.115

A emenda constitucional n.º 45/2004 é o marco legal da criação da súmula vinculante, assim como do instituto da repercussão geral. A EC n.º 45/2004 incorporou o art. 103-A na Constituição Federal de 1988 estabelecendo que o Supremo Tribunal Federal, poderá de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão116 ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.

O objetivo da súmula vinculante, segundo expressamente referido no texto constitucional, é a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas nas quais haja atual controvérsia entre os órgãos do Poder Judiciário ou entre os órgãos e administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica. A lei n.º 11.417, de 19 de dezembro de 2006, regulamentando o art. 103-A, disciplinou a edição, a revisão e o cancelamento de enunciado de súmula vinculante pelo Supremo Tribunal Federal.

existentes. A Súmula deve ser entendida pelo que exprime claramente, e não a contrario sensu, com entrelinhas, ampliações ou restrições. Ela pretende pôr termo a dúvidas de

interpretação e não gerar outras dúvidas” Recurso Extraordinário n.º 54.190, referido por

Fernando Dias Menezes de Almeida, em Memória jurisprudencial: Ministro Victor Nunes. Brasília: Supremo Tribunal Federal, 2006 (Série memória jurisprudencial), págs. 35-36.

115

NUNES, Segurança jurídica e súmula vinculante, pág. 160.

116

Sobre a revisão dos precedentes vinculantes, Neil MacCormick traz abordagem instigante: “..não revisabilidade parece ser uma ideia pouco sábia. Mesmo precedentes vinculantes podem provocar novas reflexões em novas circunstâncias”. MacCORMICK,.Retórica e o Estado de Direito, pág. 211.

Dispõe o texto constitucional serem legitimados para a formulação de proposta de súmula vinculante os mesmos legitimados da ação direta de inconstitucionalidade, que, segundo o art. 103, são o (i) Presidente da República; (ii) a Mesa do Senado Federal; (iii) a Mesa da Câmara dos Deputados; (iv) a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; o (v) Governador de Estado ou do Distrito Federal; (vi) o Procurador-Geral da República; (vii) o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; (viii) partido político com representação no Congresso Nacional e (ix) confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

A lei n.º 11.417/2006 também trouxe os mesmos legitimados previstos na Carta, acrescentando, em seu art. 3º, a Defensoria Pública e os Tribunais, nos seguintes termos: o (i) Presidente da República; a (ii) Mesa do Senado Federal; (iii) a Mesa da Câmara dos Deputados; (iv) o Procurador-Geral da República; (v) o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; (vi) o Defensor Público- Geral da União; (vii) partido político com representação no Congresso Nacional; (viii) confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional; (ix) a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; (x) o Governador de Estado ou do Distrito Federal; (xi) os Tribunais Superiores, os Tribunais de Justiça de Estados ou do Distrito Federal e Territórios, os Tribunais

Regionais Federais, os Tribunais Regionais do Trabalho, os Tribunais Regionais Eleitorais e os Tribunais Militares.117

A participação do Ministério Público nesse processo se dá no papel do Procurador-Geral da República, que deverá, obrigatoriamente, se manifestar em todas as propostas que não houver formulado, antes mesmo da edição, revisão ou cancelamento da súmula. Afirma o §1º da lei n.º 11.417/2006 que, nos casos em que for parte, poderá o Município, no curso do processo, propor a edição, a revisão ou o cancelamento de súmula vinculante. Ou seja, o dispositivo legal, indiretamente, elenca o Município como legitimado para a formulação de súmula, exigindo apenas essa hipótese para os casos em que for parte.

Alinham-se a esse preceito duas modalidades de procedimento para edição, revisão ou cancelamento de súmula. A classificação é balizada por Jorge Amaury Nunes. A modalidade autônoma, sem que esteja vinculada a nenhum processo específico em curso; e a segunda modalidade, a incidental, que, “aviada exclusivamente por Município, tem como pressuposto inafastável a circunstância de nascer no seio de determinado processo em curso”.118

117

Registre-se, ponderando não ser este o escopo da tese, a duvidosa constitucionalidade da lei 11.417/2006 ao dar legitimidade à Defensoria Púbica e aos Tribunais, especificamente, ao Defensor Púbico-Geral da União e aos Tribunais Superiores, os Tribunais de Justiça de Estados ou do Distrito Federal e Territórios, os Tribunais Regionais Federais, os Tribunais Regionais do Trabalho, os Tribunais Regionais Eleitorais e os Tribunais Militares. Como a competência do Supremo Tribunal Federal é constitucional, somente pela Constituição poderá ser regulado e não por lei ordinária. A advertência e reflexão de Jorge Amaury Maia Nunes é pontual: “Por certo que a ideia do relator do projeto de lei, ao aumentar o número de partes funcionais autorizadas a deflagrar o procedimento, foi atribuir maior grau de legitimidade ao instituto da súmula vinculante. Não é infensa a críticas à medida. É que a competência da Corte Suprema é constitucional e só pela Constituição pode ser regida, sendo inextensível por lei ordinária. Da mesma maneira, há de ocorrer com os legitimados para os processos que tramitem perante aquele órgão. Pense-se no descalabro que seria se o legislador ordinário houvesse por bem (e isso fosse considerado constitucional) atribuir legitimidade a qualquer cidadão para propor uma ação direta de inconstitucionalidade , ou qualquer outra ação do rol das ações de controle abstrato de constitucionalidade”. NUNES, Segurança jurídica e súmula vinculante, pág. 158.

118

A participação dos colaboradores da Corte também é permitida no debate da consolidação das súmulas vinculantes. Enfatiza o §2º do art. 3º da lei que o relator poderá admitir a manifestação de terceiros interessados na questão objeto das súmulas. Essa inovação enfatiza a importância da democratização do debate na consolidação das súmulas. Isso se vê também, na mesma linha, na repercussão geral e nos recursos repetitivos, tratados adiante nesta tese.

Em que pese não ser objeto desta tese tratar das súmulas vinculantes, esse instrumento dialoga com o instituto dos recursos repetitivos quanto à relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica, a participação de terceiros interessados, bem como na consolidação das teses de modo a garantir celeridade, segurança jurídica, isonomia e efetividade. Com efeito, Victor Nunes Leal trouxe a premissa para as provocações relativas ao engessamento da jurisprudência quando da edição de súmula, assegurando que “firmar a jurisprudência de modo rígido não seria um bem, nem mesmo viável. A vida não para nem cessa a criação legislativa e doutrinária do direito”.

Victor Nunes defendia a adoção da súmula, de modo que eliminassem ou diminuíssem os dissídios da jurisprudência, e reconhecia que a rigidez na jurisprudência não seria um bem, enfatizando a

“enorme diferença entre a mudança, que é frequentemente necessária, e a anarquia jurisprudencial, que é descalabro e tormento. Razoável e possível é o meio termo, para que o Supremo Tribunal Federal possa cumprir o seu mister de definir o direito federal, eliminando ou diminuindo os dissídios da jurisprudência”.119

Não é diferente o escopo das alterações do Código de Processo Civil por meio das leis n.os 11.276 e 11.277, de 7 de fevereiro de 2006. A maior parte dos processos repetidos que tramitam e “assoberbam o Judiciário” tem em um dos polos da relação processual o Poder Público”. Nesse sentido, como consigna Jorge Amaury Maia Nunes, “a edição de súmulas deverá concentrar-se em ações

119

LEAL, Victor Nunes. Atualidade do Supremo Tribunal Federal. Revista dos Tribunais, v. 349, págs. 623-629.

dessa natureza, isto é, ações sobre matéria constitucional em que se discuta validade, interpretação e eficácia de normas a respeito das quais exista dissenso entre órgãos do Poder Judiciário capaz de provocar abalo na segurança jurídica (...).”120

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