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C ENA 2: A Q UEDA

E NALTECIMENTO E D ESAPROPRIAÇÃO

Nesse momento, o coro pede que o abandono, aceito pelos aviadores na cena anterior, seja efetivado. Eles devem entregar então o motor, as asas do avião e o trem de aterrissagem. Em BadenBaden, esses elementos eram evocados através da entrega dos óculos dos aviadores para os membros do coro. Quando estes se dirigiam ao aviador que renunciava ao acordo, e que portanto não queria entregar os óculos, estes lhe eram tomados.

Na sequência, os antigos aviadores discursam, no centro da roda, contra a atitude do dissidente. Airmam não mais reconhecê-lo, questionando sua própria humanidade. O aviador então airma, categoricamente: “eu não posso morrer!”.

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ENA

10:

A E

XPULSÃO

No texto original de Brecht, o coro profere ao aviador dissidente as palavras que constituem o momento de sua expulsão.

Em nossa versão, como estratégia de ampliar a expressão do individualismo e arrogância daquele que se nega a fazer parte do consenso estabelecido entre o coro e os aviadores, decidimos explorar a narração, pelo aviador, de sua própria expulsão. As palavras que ele profere são:

Um de nós,

Com rosto, igura e pensamento, Perfeitamente igual a nós, Deve nos deixar. Porque antes Foi marcado e,

Agora, seu hálito está podre. Seu corpo se decompõe. Seu rosto,

Que nos era familiar, já se torna desconhecido. Homem, fale conosco. Esperamos

Sua voz no lugar de sempre. Fale! Ele não fala. Sua voz não sai.

Não tenha medo agora, homem. Porém, Agora você deve partir. Vá logo!

Não olhe para trás, vá para longe de nós.

Esta proposta fez com que a cena se conigurasse como um desaio instigante para Vanessa Civiero, que assumiu o citado papel. Ao narrar sua própria expulsão, a atriz despertava na plateia um interesse diferente pela cena, dada a desconexão visível entre aquilo que o texto narrava, pois era mantido na sua forma original, e suas atitudes, que expressavam um ataque ao coro e expandiam o momento em que ela mesma abandonava o espetáculo. Durante algumas apresentações, após abrir a porta da sala e antes de abandoná-la deinitivamente, ela perguntava para a plateia: “quem vem comigo?”. Essa ideia surgiu logo que o espetáculo estreou, e pareceu-nos, em um primeiro momento, uma forma interessante de construir diálogo com o público.

Essa proposta começou a deixar dúvidas se as pessoas da audiência que acompanhavam o aviador realmente tinham tempo para decidir e reletir sobre o signiicado deste posicionamento, ou se elas simplesmente respondiam a um impulso irracional de seguir acompanhando o movimento de um espetáculo que, até pouco tempo, não cessou de testar estratégias de interação e deslocamento do público.

Por essa razão, decidimos não mais fazer essa pergunta, mantendo todo o público na sala até a cena seguinte, que conclui o espetáculo; ainal, era justamente a cena que representa a chegada a um acordo. Então, após a saída do aviador dissidente, trancávamos todas as portas.

C

ENA

11:

O A

CORDO

A conclusão do espetáculo acontece quando o coro então conclama os antigos aviadores a se integrarem deinitivamente ao grupo. Em BadenBaden, o convite manifesto na solicitação feita para os aviadores de “reconstruir nosso avião”, era materializado quando uma das atrizes levava para elas uma grande peça, que simboliza a turbina de um avião.

O mundo, que precisa ser sempre reconstruído, era metaforizado na imagem do avião em frangalhos, que precisa da ajuda dos aviadores para voltar a alçar novos voos. Por isso, a solicitação do coro:

CORO – E lhes pedimos: transformem nosso motor, Façam aumentar a segurança e a velocidade, Mas não esqueçam o objetivo na pressa da partida.

OS TRÊS MECÂNICOS ACIDENTADOS – Aperfeiçoaremos o motor, a segurança e a velocidade.

Após o consentimento, os aviadores recebiam de volta seus óculos. Todas as integrantes então colocavam seus óculos, ao mesmo tempo. Era uma pequena pausa na qual as atrizes precisavam exercitar sua escuta extraordinária uma última vez.

Uma vez colocados os óculos, elas começam a caminhar lentamente atrás do círculo formado pelo público com suas cadeiras. A caminhada então adquire dinâmica. É como se as atrizes evocassem o movimento de uma turbina que inicia o funcionamento e atinge sua potência máxima. Começa então o jogo com o seguinte texto:

Atriz – Abandonem tudo! CORO – Avante!

Atriz 1 – Quando, tiverem melhorado o mundo, Melhorem, então, o mundo melhorado. Abandonem! CORO – Avante!

Atriz 2 – Quando, ao melhorar o mundo, tiverem completado a verdade, Completem, então, a verdade completada. Abandonem!

CORO – Avante!

Atriz 3– Quando, ao completar a verdade, tiverem transformado a humanidade, Transformem, então, a humanidade transformada. Abandonem!

CORO – Avante!

Atriz 4– Transformando o mundo, transformem-se. Abandonem a si mesmos! Avante!

Enquanto o coro repetia o refrão “avante”, cada atriz adentrava ao círculo e ao dizer seu texto, convidava (sem gesticular ou enfatizar esse convite através de outra manifestação que não o próprio sentido expresso ao dizer aquelas palavras) as pessoas sentadas em suas cadeiras a segui-las.

No espaço em que BadenBaden foi criado, a única saída possível era subindo as escadas e atravessando a sala onde os equipamentos de luz e som icavam guardados. Essa escada sugeria que o desejado voo estava acontecendo.

O encerramento acontecia quando a última atriz dizia seu texto sozinha, diante do público. Ela acendia a luz de serviço e ia embora, deixando a porta aberta. A plateia ouvia, de dentro da sala, sonoros “Avante!” proferidos pelo grupo do lado de fora da sala, que iam icando mais fracos conforme o grupo de atrizes se distanciava, até cessarem.

Como resultado de uma disciplina do currículo do curso de Teatro da UDESC, o processo que resultou na montagem de BadenBaden possui repercussões nas suas múltiplas abordagens, tanto artísticas quanto pedagógicas. As experiências geradas para cada uma das pessoas envolvidas na criação do espetáculo como artistas ou como público podem ser múltiplas e, a partir dos protocolos a que tivemos acesso, procuraremos tecer algumas considerações finais.

O processo, que encarou o texto de Brecht como modelo de ação, enfatizou o jogo das atrizes sobre o texto ao desaiá-las em constituir cenas que explorassem a relação entre coralidade e arquitetura espacial, intercalando-as com cenas mais tradicionais (solilóquios e esquetes de palhaços, por exemplo), ao mesmo tempo em que as desaiava a encarar diretamente a plateia ao longo de cada apresentação.

Em seu protocolo inal, a acadêmica Nina Bamberg faz um resumo do processo à luz do nervosismo provocado pela estreia do espetáculo: