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IMITAÇÃO E O MODELO DE AÇÃO

S R S CHMITT COMO MARIONETE

Em outra cena, composta por um grupo de sete pessoas, um ator que representava o Sr. Schmitt estava preso a ios, tal qual uma marionete, sendo manipulado por uma dupla de atores.

Outra dupla de atores, por sua vez, era quem emitia as falas da personagem, evidenciando a noção de que o boneco não era portador de identidade própria.

Enquanto isso, seu desmembramento ia acontecendo a partir de sua relação com iguras que faziam promessas a ele e que demonstravam, por suas atitudes, o desejo de tomar o seu lugar. A cada membro que lhe era extirpado, eram retirados dos bolsos do Sr. Schmitt seus documentos (certidão de nascimento e RG) e folhas de papel na qual estavam escritas palavras como “liberdade” e “dignidade”.

Quando ele solicitava a devolução de suas partes, o tom de crítica política ficava evidenciado: era-lhe devolvido um cartão do bolsa-família. Ao mesmo tempo, iam sendo cortados os fios que o ligavam aos manipuladores. A ideia que o grupo buscava transmitir era de que política não passava de um jogo de interesses: o Sr. Schmitt, demonstrado como um cidadão ingênuo, ia perdendo sua personalidade na medida em que era falsamente ajudado pelos “espertos”.

Quando todos os ios eram soltos, o ator que interpretava o personagem do Sr. Schmitt não sabia o que fazer, nem para onde ir. A lógica embutida era de que na verdade, uma política assistencialista não liberta ninguém, apenas colabora para a alienação.

No protocolo da jogadora Ana Lúcia Kroef destacam-se as diiculdades enfrentadas pelo grupo numeroso:

No grupo do qual iz parte, passamos por algumas diiculdades ao longo do processo devido a diferentes problemas pessoais que surgiram impedindo a presença constante de todos no decorrer dos encontros. Acredito que este fato tenha interferido no desenvolvimento do trabalho coletivo. Alguns integrantes demonstraram inlexibilidade quanto a novas propostas para a cena a ser criada, impedindo o desenvolvimento de novos questionamentos e sugestões que pudessem trazer uma contribuição principalmente estética na proposta do grupo a ser apresentada em cena. Acredito que tivemos diiculdade em entrar num consenso quanto à forma de materializar nossa posição crítica referente ao tema em questão. Embora

tenham ocorrido estes incidentes, procuramos nos focar no material que já tínhamos desde o início e a partir dele buscamos acrescentar mais sentidos para a proposta da cena. Notei que o nosso grupo foi o que menos caracterizou as pessoas em ação, o foco maior estava no personagem central, o representante do povo, que era manipulado o tempo todo por várias forças, como um fantoche. A partir do uso de alguns objetos sugerimos que tal manipulação fosse exercida pelo Estado.

Considero importante termos tido plena liberdade para construirmos nosso conhecimento sobre tais questões a partir das relexões que surgiam a cada encontro, a partir das diiculdades e dúvidas que emergiam nesse constante diálogo entre o texto e a nossa crítica pessoal, nossa percepção quanto ao contexto em que vivemos socialmente e nossa proposta de ação nesse experimento, e ainda a recepção disso tudo por parte do grupo também.

O parágrafo inal de seu protocolo, no entanto, demonstra sua consciência da complexidade da empreitada em que estavam inseridos. As diiculdades de entrar em consenso, provocados pela composição diversa de um grupo tão grande, realmente resultaram em uma cena com momentos cujo sentido era obscuro, o que traduzia essa diiculdade enfrentada pelo grupo, a de encontrar uma tradução que desse conta de todas as possibilidades sugeridas.

Outro jogador, Márcio Cardoso analisa o processo de outra forma:

A ideia do estilo de apresentação do Sr. Schmitt (cidadão fantoche) partiu do próprio grupo, uma vez que queríamos utilizá-la na forma direta e declarada. Sem a utilização de mensagens ocultas ou indecifráveis por alguns.

Quando de primeira um colega ressaltou que a nossa mensagem era muita clara desde o início. E foi talvez este comentário que nos impulsionou para a continuação da cena sem alteração, pois se temos uma mensagem para transmitir e que é de interesse de todos, por que deveríamos repassá- la de forma enigmática?

Tínhamos a ideia, mas faltavam-nos os acertos que dariam andamento durante todo o desenrolar da cena: o que seria retirado e logo em seguida reposto no Sr. Schmitt? Qual seria a maneira de trazer a ideia de Brecht para os dias atuais? E o mais complicado ainda: quem seria o Sr. Schmitt?

Ao colocar o Sr. Schmitt como cidadão fantoche, colocamos os dois palhaços como sendo o poder político e religioso, pois estes, para alguns são os manipuladores do homem atual, nossa intenção não foi a de fazer uma forma de protesto radical e sim uma maneira de colocar

em evidência a questão do respeito e limites que ambos devem ter com relação à individualidade de cada ser. As partes retiradas do Sr. Schmitt, para nós, deveriam ser muito mais que simplesmente retirar membros e depois recolocá-los no colo do mesmo. Tínhamos que colocar no lugar dos membros algo que tivesse um signiicado mais forte para a plateia, realizar dentro de seu raciocínio lógico uma “nova relexão” no que diz respeito a coisas que são retiradas todos os dias do homem na sociedade atual.

As questões apontadas por Márcio comprovam a abrangência da empreitada enfrentada pelos grupos. A construção de um discurso da cena, que se coadune e faça sentido junto ao texto original, a partir de um confronto de ideias propostas por um grupo reunido praticamente de forma aleatória, não é tarefa simples. E justamente por isso, a tarefa cria um território de relexão poética e política, não só no que diz respeito à temática da cena, mas ao próprio aprendizado do processo criador em grupo.

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ENA

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