• Nenhum resultado encontrado

1. INTRODUÇÃO

2.2 Paradigmas emergentes: outras formas de olhar o mundo

2.2.1 Ecologia de Saberes

Reconhecer que o mundo é epistemologicamente diverso, que essa diversidade lhe confere maior riqueza social, cognitiva e cultural, entre outros, é

reconhecer a existência de uma alternativa à epistemologia dominante e contrariar os princípios de dominação, homogeneidade, totalização e linearidade e apostar pela heterogeneidade, diversidade e complexidade epistemológica que possibilite um mundo mais justo e inclusivo de todas as formas de pensamento e cultura que caracterizam aos povos do mundo.

Essa diversidade epistemológica do mundo, de um pensamento pós-abissal pode estar sistematizado numa "epistemologia do Sul", definida como “o conjunto de intervenções epistemológicas que denunciam essa supressão, valorizam os saberes que resistiram com êxito e investigam as condições de um diálogo horizontal entre conhecimentos” (SANTOS; MENESES, 2010, p.19), e, que confronta a monocultura da ciência moderna com uma ecologia de saberes (SANTOS, 2007, p. 22). De tal forma que, ao se pensar numa pluralidade de formas de conhecimento, abandonamos a ideia da epistemologia geral, suprindo esta por um abanico de possibilidades e opções integradoras.

Esse diálogo entre saberes refere-se à ecologia de saberes, que aponta para o reconhecimento da diversidade cognitiva, significando o fato de ser uma ecologia que se baseia:

[...] no reconhecimento da pluralidade de conhecimentos

heterogéneos (um deles é a ciência moderna) e as interconexões contínuas e dinâmicas entre eles sem comprometer a sua autonomia. A ecologia de saberes baseia-se na ideia de que o conhecimento é interconhecimento (SANTOS, 2010a, p.49, tradução nossa21).

Sendo assim, a ecologia de saberes promove o diálogo entre saberes científicos e aqueles saberes considerados não científicos, aqueles saberes leigos, camponeses, populares, indígenas, entre outros. Uma ecologia de saberes que considera as interações entre conhecimentos distintos, valoriza a sua diversidade, reconhece o outro como sujeito cognitivo e possibilita aprender outros conhecimentos sim que isso signifique o abandono e/ou substituição de um conhecimento por outro. A ecologia de saberes abraça todas as práticas de relações entre os seres humanos, assim como das relações entre os seres humanos e a natureza.

21[...] en el reconocimiento de la pluralidad de conocimientos heterogéneos (uno de ellos es la ciencia

moderna) y en las interconexiones continuas y dinámicas entre ellos sin comprometer su autonomía. La ecología de saberes se fundamenta en la idea de que el conocimiento es interconocimiento

Os conhecimentos não acadêmicos, aqueles que a modernidade colocou do "outro lado da linha" têm dentro da ecologia de saberes o reconhecimento de sua importância, como conhecimentos que tem prevalecido de geração em geração, que tem sido produzidos dentro de contextos histórico - sociais e cultuais diversos que os fazem ao mesmo tempo plurais, heterogêneos, nos mostrando a biodiversidade da vida, a diversidade cognitiva, a diversidade de formas de compreender o mundo. Cada civilização, conforme Santos (2010, p.27) "possui um pensamento racional, empírico, técnico e, também, um saber simbólico, mitológico e mágico. [...]. A nossa civilização é assim, ainda que muitos pensem que não, que a razão, a ciência, a técnica, não são mitológicas" o que o faz plural e multidimensional e a afasta de qualquer pretensão de confiná-la a uma só dimensão e saber científico.

Neste sentido, a ecologia de saberes reconhece e valoriza esses conhecimentos outros, propondo o diálogo entre as diversas formas de conhecimento. Certamente, tem um aporte enorme a ciência e sua tecnologia, mas também precisamos reconhecer, valorizar e tornar visível, a existência de formas tradicionais (camponeses, povos indígenas, urbanas, outras) que a través de outras práticas cognitivas tem contribuído com a preservação de reservas biológicas, culturas, linguagens, sementes, segurança alimentar, etc.; sendo assim, a ecologia de saberes "expande o caráter testemunhal dos conhecimentos de forma a abarcar igualmente as relações entre o conhecimento cientifico e não‑cientifico, alargando deste modo o alcance da inter-subjectividade como interconhecimento e vice-versa" (SANTOS, 2007, p. 27).

A ecologia de saberes “[...] permite, não só superar a monocultura do saber científico, como a ideia de que os saberes não científicos são alternativos ao saber científico” (SANTOS, 2002, p. 250). Neste sentido, com o intercâmbio de conhecimento científico e popular, não se pretende estabelecer níveis de prevalência de um sob o outro, senão trata-se de “identificar os contextos e as práticas em que cada uma opera” (SANTOS, 2002, p. 250) e de que maneira concebem e transformam uma determinada realidade, mediante a aplicação de um conhecimento integrado e aplicado a essa realidade.

De acordo com Santos (2007), o pensamento abismal não permitiu uma distribuição social equitativa do conhecimento científico, dado que seu desígnio original foi a conversão em sujeitos de conhecimentos a aqueles que se encontravam "deste lado da linha" (visíveis) e em objetos aos sujeitos do

conhecimento localizados "do outro lado da linha" (invisíveis), privilegiando aqueles grupos sociais que tem maior acesso a este conhecimento (visíveis), de modo que a existência destas linhas divisoras, permanência e reconhecimento dos setores do poder, continuaram mantendo essa distribuição desigual do conhecimento, fazendo mais difícil alcançar uma justiça cognitiva.

Explicita Santos (2007) que, na ecologia de saberes, o conhecimento científico forma parte importante, assim como os conhecimentos não científicos, uma não exclui a outra, do que se trata é de integrar ambos conhecimentos na compreensão do mundo, considerando, por um lado, a pluralidade interna da ciência, isto é, as práticas alternativas que vêm tornando visível as epistemologias feministas, de gênero, africana, outras e, pelo outro lado, promover a interação e interdependência entre saberes científicos e não científicos.

Como uma via para avançar nessa construção epistemológica de uma ecologia de saberes, Santos (2010a) propôs um programa de investigação no qual estariam identificadas três linhas de investigação: uma primeira linha chamada de identificação de saberes, condicionada pelas questões: desde quais perspectivas podem ser identificadas os diferentes saberes? Como pode ser diferenciado o conhecimento científico do conhecimento não científico? Como podemos distinguir entre os diferentes conhecimentos não científicos?

Uma segunda linha chamada de procedimentos, condicionada pelas questões: que tipo de relações são possíveis entre os distintos saberes?

Como distinguir incomensurabilidade, incompatibilidade, contradição e complementaridade?.

Como terceira linha, está a natureza e avaliação das intervenções do mundo real possibilitado por eles, condicionada pelas questões: Como podemos identificar a perspectiva dos oprimidos (dos invisibilizados) nas intervenções do mundo real o em qualquer resistência a elas? Como podemos traduzir esta perspectiva em práticas de conhecimento?

Conjunto de linhas e questões que coloca aquele autor e deixam uma questão para nós, os educadores: qual seria o impacto de uma concepção pós-abissal do saber (como uma ecologia de saberes) sobre nossas instituições educativas e centros de pesquisa?.

Questões que encontramos como ramificações que surgem para o entendimento de como estão se dando as interações entre uma instituição educativa

como é a Universidade Bolivariana de Venezuela e comunidades do entorno ou comunidades locais, como elas estão integrando conhecimentos.

O intercâmbio de conhecimentos, nesse sentido, acreditamos que puderam oferecer significativos aportes na direção da construção epistemológica da ecologia de saberes, procurando a integração de esses saberes cotidianos, construídos pela experiência do dia a dia, pelo contato permanente, localizadas e construídas dentro de um contexto histórico, social e cultural próprio e único dessas comunidades, significando este contexto um patrimônio cognitivo imenso carregado de aprendizagens novos, inéditos, contextualizados e dinâmicos que se encontram e vão alimentar e enriquecer o processo teórico, se convertendo esta troca numa experiência teórica-prática transformadora.

Situamos, então, esta pesquisa no eixo das interações dialógicas entre universidade e comunidade local, olhando elas como dois entes orgânicos, dinâmicos, em constante interação, juntas e misturadas, interagindo uma com a outra, se complementando, abertas às mudanças em tempo e espaço, marcadas pelos momentos históricos, sociais, políticos e culturais, se auto-organizando, gerando diálogos e intercâmbio de conhecimentos, experiências e vivências, caminhando juntas na construção de conhecimentos integrados/integradores capazes de transformar a realidade.

Diálogo e intercâmbio de conhecimentos que envolvem múltiplos fatores (culturais, sociais, ambientais e políticos) que marcam a sua dinâmica, que necessariamente tem que ser estudado desde uma visão complexa, ecológica e multirreferencial, que supere a visão reducionista, estática, das verdades absolutas, do pensamento único e disciplinar que nos afasta da própria concepção de seres humanos complexos constituídos por "um todo físico-químico-biológico-psicológico- social-cultural” (MIGUÉLEZ, 1997, p.21), além do “ético-moral e espiritual” (MIGUÉLEZ, 2009, p.119), em constante interação com seu ambiente.

Sendo assim, engaja-se esta pesquisa dentro da ecologia de saberes, porquanto procura entender sobre as interações dialógicas, integração e difusão do conhecimento entre a universidade e a comunidade.