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Economia dos Custos de Transação como instrumento teórico para a promoção da cooperação interadministrativa

Mecanismos de governança da interação entre as agências reguladoras e outros

2.2. Economia dos Custos de Transação como instrumento teórico para a promoção da cooperação interadministrativa

no processo regulatório

Durante trinta anos após a segunda guerra mundial, o foco das pesquisas econômicas foi dirigido à economia neoclássica, com o desenvolvimento e aplicação de técnicas econométricas para medir parâmetros empiricamente, testar hipóteses relativas a modelos microeconômicos de demanda de consumo, produção de firmas, e funções de custo, por exemplo13.

Todavia, esta linha de compreensão da economia possui falhas, podendo ser citada, entre elas, o fato de adotar um viés não institucional para a compreensão do fenômeno econômico14.

Tais limitações da economia neoclássica são amplamente reconhecidas atualmente, havendo um crescente número de pesquisas abordando estas falhas em diferentes caminhos, sendo um deles o da Nova Economia Institucional (NEI)15. Uma das opiniões compartilhadas pelos fundadores da

International Society for New Institutional Economics é a de que

a pesquisa interdisciplinar pode contribuir para a compreensão do papel das instituições e como elas afetam a performance e o comportamento econômicos16.

Quando se menciona “instituições”, Williamson utiliza um quadro analítico que é útil para delimitar o campo de interesse das pesquisas da NEI. O quadro de análise de Williamson, conforme relata Joskow17, é dividido em quatro níveis:

i) o primeiro, mais amplo, refere-se a instituições informais (social or cultural foundations), que são mais enraizadas, e abrangem costumes, tradições, normas

13 JOSKOW, Paul L. Introduction to a new institutional economics: a report card. In New institutional economics: a guidebook, edited by Eric Brousseau and Jean-Michel Glachant. Cambridge University Press: 2008, p. 1. 14 Ibid, p. 2, tradução livre.

15 Ibid, p. 3, tradução livre. 16 Ibid, p. 5.

sociais e éticas, religião e aspectos da linguagem e cognitivos;

ii) o segundo nível é o ambiente institucional básico (basic institutional enviroment), corresponde às instituições formais, e abrange constituição, sistema político, direitos humanos, direitos de propriedade e sua alocação, leis, tribunais, poder de tributar, etc.;

iii) o terceiro nível corresponde ao nível de governança (institutions of governance), e nele se incluem estruturas contratuais, formas de organização econômica, etc. As escolhas realizadas no terceiro nível são limitadas pelas condições do nível das instituições básicas, e são mais dinâmicas que estas;

iv) por fim, o quarto nível refere-se à alocação de recursos em curto prazo (short-term resource allocation), aproximando-se do modelo de economia neoclássica, e corresponde às operações econômicas e decisões cotidianas definidas nos três níveis anteriores.

O interesse de pesquisa da NEI dirige-se aos níveis 2 e 3, ou seja, ao ambiente institucional básico e à governança18,

os quais, como visto, influenciam as decisões de alocação de recursos a curto prazo, tomadas no quarto nível. No nível de governança, destaca-se uma das linhas de pesquisa da NEI, a Economia dos Custos de Transação (ECT).

A Economia dos Custos de Transação surgiu inicialmente a partir do interesse pela organização da atividade econômica em firmas, mas sua aplicabilidade ampliou-se aos mais diversos assuntos como finanças, marketing, estratégia de negócios, etc. Uma das aplicações da Economia dos Custos de Transação relaciona-se à organização de agências reguladoras19.

No trabalho publicado em 1999, Williamson20 abordou a

aplicação da Economia dos Custos de Transação à organização da burocracia pública. Williamson defende que, apesar das diferenças existentes entre a política e o setor privado, “sempre

18 Ibid, p. 8.

19 WILLIAMSON, Oliver. The mechanisms of governance. Oxford University Press, 1996, p. 51.

20 WILLIAMSON, Oliver. Public and private bureaucracies: a transaction-cost economics perspective, JLEO, V15 N1, 1999.

e em qualquer lugar, a Economia dos Custos de Transação compara modos de organização possíveis com referência a um critério de economia”21.

Em termos de governança, a Economia dos Custos de Transação elege a transação como a unidade básica de análise, sendo as relações internamente mantidas em hierarquias formas alternativas às relações ocorridas em ambientes descentralizados. Neste sentido, as burocracias verticalizadas e altamente intervencionistas, como na Administração do tipo piramidal, seriam alternativas à Administração em rede, setorizada e descentralizada, como a do Estado regulador contemporâneo22.

Este ambiente setorizado e em rede, todavia, há que ser pautado, segundo os critérios da Economia dos Custos de Transação, por modos de governança alternativos à imposição hierárquica existente num Estado centralizado. Isto decorre do fato de que, se no Estado centralizado a Administração piramidal permite a eliminação de “custos de transação” na burocracia pública mediante a ordem do superior hierárquico (fiat), num Estado regulador, com suas agências independentes, já não se torna possível a solução por meio de tal recurso, sob pena de ferir-se o pressuposto teórico fundamental do modelo em tela que é o da descentralização como forma de se atingir uma atuação mais efetiva e eficiente do Estado em matéria de intervenção no domínio econômico.

Deste modo, o diálogo entre as agências e outros entes e órgãos integrantes da administração pública são pautados previamente no ambiente institucional básico (nível 2 – leis, regras do jogo, poder judiciário), mediante a definição clara de competências administrativas. Por outro lado, a alocação de recursos em curto prazo, ou seja, as decisões cotidianas de tais entes e órgãos administrativos (nível 4), há que ser mediada por mecanismos de governança da burocracia pública (nível 3 – formas contratuais, formas de organização), que permitam a cooperação interadministrativa entre os diversos entes e órgãos públicos, inclusive as agências, isto é, que permitam à

21 Ibid, p. 311.

22 MATTOS (MATTOS, Paulo Todescan Lessa. O novo estado regulador no Brasil: eficiência e legitimidade. São Paulo: Singular, 2006.) descreve o Estado regulador contemporâneo brasileiro, apontando o desenho institucional e os processos decisórios como os pontos nos quais se verificam as diferenças entre este modelo de Estado e o anterior, instituído na década de 1930.

Administração Pública organizada em rede o diálogo intersetorial de modo mais eficiente, com menores custos de transação.

Conforme será objeto de análise na próxima seção deste artigo, os convênios, acordos de cooperação e ajustes administrativos congêneres são mecanismos de governança úteis à economia dos custos de transação na burocracia estatal no contexto de uma administração descentralizada, como é o caso do Estado regulador.

Ao promover a coordenação interadministrativa, os convênios, acordos de cooperação e ajustes administrativos congêneres tornam a atuação da administração pública mais eficiente do ponto de vista interno, e, via de consequência, menos incerta a percepção que os agentes econômicos têm do ambiente institucional básico e da atuação da administração pública no exercício da função reguladora, impactando positivamente na redução dos custos de transação existentes do ponto de vista externo, conforme observou Sampaio23 ao

analisar a interação entre regulação e defesa da concorrência:

Por outro lado, deve-se buscar a inclusão de mecanismos facilitadores da interação dessas entidades [concorrenciais] com as agências reguladoras, bem como a tutela dos interesses dos administrados que atuam em setores regulados, pois esses têm seus custos acrescidos em decorrência da necessidade de se relacionarem com duas autoridades distintas, que podem, por vezes, quando as políticas regulatória e concorrencial não estão alinhadas, emitir sinais contraditórios ao mercado. Nesse sentido, maior e mais rápida interação entre autoridades reguladoras e concorrenciais, e a efetiva instrução dos processos nesses casos, com a designação de servidores para implementar e desburocratizar esse processo, podem ser de grande valia.

3. Mecanismos de governança da interação entre as agências