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CAPÍTULO II: O ATOR E O OBJETO: A ESCUTA, O DESDOBRAMENTO

2.4. Economia dos meios, síntese e precisão

O teatro de animação é uma linguagem que trabalha com a síntese. Por mais que um artista escolha em seu trabalho aproximar-se da realidade, o teatro de animação é sempre uma composição na qual um elemento pode representar mais que a si mesmo, mais que aquilo que apresenta enquanto fonte de significação. Deste modo, um objeto do cotidiano, sem braços ou pernas, pode representar um ser humano. Ou um boneco que não possui mecanismos faciais pode dar ao público a impressão de riso ou choro.

A professora Anne Cara orienta o aprendizado do “princípio da economia” como um princípio fundamental do movimento do objeto. A esse respeito ela esclarece:

A marionete mais sofisticada permanece muito distante da complexidade expressiva do ser humano. O registro gestual, e, portanto expressivo, é sempre limitado pela marionete, e o manipulador poderia ser tentado a remediar essa carência com um suplemento de movimentos, um excesso gestual. Mas tratar-se-ia de um erro, de uma contradição fundamental. A

marionete é antes de tudo, e deve continuar sendo, um objeto

sóbrio. A expressividade da marionete é ainda maior na medida em que ela é comedida e precisa.38 (2006, p. 31, grifos da autora, tradução nossa).

A autora aponta como caminho para a eficácia expressiva uma seleção de gestos que privilegie aqueles com maior poder de evocação. Aponta, ademais, que o excesso de gestos é o que confere um caráter de agitação à personagem-objeto, consistindo em um dos principais defeitos na animação de um objeto. Essa agitação

38La marionnette la plus sophistiquée demeure très éloignée de la complexité expressive de l’être

humain. Le registre gestuel, et par là même expressif, est toujours limité pour la marionnette, et le manipulateur pourrait être tenté de pallier cette pauvreté par un surcroît de mouvements, une pléthore gestuelle. Mais il s’agirait d’une méprise, d’un contresens fondamental. La marionnette

est avant tout, et doit rester, un objet sobre. L’expressivité de la marionnette est d’autant plus

é comum na animação dos atores-animadores iniciantes, por vezes devido a certa ansiedade em desenvolver no objeto a impressão de vida quando, pelo contrário, um boneco agitado perturba o processo de impressão de vida e sua recepção pelo espectador. Após o surgimento dos movimentos de uma personagem, o trabalho do ator-animador pode consistir numa limpeza, numa eleição daqueles que potencializam a expressividade do objeto.

Outro artista que sistematizou questões sobre o teatro de animação, Carlos Converso, levanta ainda outro aspecto relacionado ao caráter sintético nessa linguagem:

Esta limitação espacial, unida à limitação de movimentos que possui o boneco em si mesmo, obriga que os movimentos dos bonecos devam ser precisos, muito claros e também mais exagerados que os do ator vivo. Enquanto o ator se desloca por um espaço mais ou menos amplo e de forma natural, o bonequeiro o faz em um espaço reduzido, cuidando para que seu boneco pareça mover-se livremente.39 (2000, p.31-32, tradução nossa).

Esse estudo de Converso é orientado para a animação do boneco de luva. Por isso, ao citar o “espaço limitado”, refere-se à empanada. Ainda que haja uma variação do espaço utilizado pelo ator segundo o gênero de animação, consideramos relevante essa observação do autor como uma questão que interfere na necessidade de precisão nos movimentos realizados no objeto. Ademais, ele apresenta também a “limitação” da própria construção do objeto, tal como encontramos nas reflexões de Cara.

O caráter sintético do objeto, ao contrário do que poderia parecer - um aspecto limitante - lança desafios ao artista nessa linguagem e oferece outras possibilidades expressivas relativas à própria materialidade do objeto com a qual trabalha. Possibilidades estas que estão vinculadas à sua forma, ao material de composição, às cores, enfim, suas características plásticas juntamente com os outros signos agregados na animação, sobretudo o movimento. A síntese é uma particularidade dessa linguagem que traz consigo a exigência da economia dos meios e a precisão. Com relação à economia dos meios, isto significa uma seleção dos elementos mais expressivos, seja da iluminação, do movimento ou do texto.

39 Esta limitación espacial, unida a la limitación de movimientos que posee el títere en si mismo, obliga

a que los movimientos de los muñecos deban ser precisos, muy claros y también más exgerados que los del actor vivo. Mientras el actor se desplaza por un espacio más o menos amplio y de forma natural, el titiritero lo hace en un espacio reducido, cuidando que su muñeco parezca moverse libremente.

Quanto à precisão, trata-se de realizar os movimentos com limpeza e definição, sem excessos. O excesso de gestos pode provocar o dispêndio desnecessário de uma energia que pode concentrar-se no refinamento da animação.

Beltrame apresenta a seguinte definição de economia dos meios:

[...] princípio que trabalha com o mínimo de recursos para realizar determinada ação. Implica em selecionar os gestos mais expressivos, o movimento preciso, limpo, sem titubeios e claramente definido. É como compreender que “menos vale mais”, ou seja, não é a quantidade de gestos que garante a qualidade da ação. (2008, p.28).

Vale ressaltar que essa noção de precisão não significa necessariamente para um movimento atravessado por grande quantidade de pausas, mas um movimento realizado com consciência e clareza dessa escolha pelo ator-animador.

Assim, o trabalho desse intérprete passa pela composição, pela organização dos signos de que dispõe sob a referência do caráter sintético que possui a matéria. Tito Lorefice afirma:

O títere, dada sua capacidade simbólica, interpreta além de seu papel o universo que o contém. O titiriteiro se expressa através de um objeto concreto, mas deve saber que sua arte sintetiza a realidade concreta e a modifica em uma instância superadora.40 (2006, p.15-16, tradução nossa).

Nossa concepção delega ao ator-animador o trabalho e potencial de compor a animação do modo mais consciente possível, tomando como referência a característica particular de síntese dessa linguagem, elegendo os meios mais relevantes e realizando uma execução precisa.

40 El títere, dada su capacidad simbólica, interpreta además de su papel al universo que lo contiene.

El titiritero se expresa a través de un objeto concreto, pero debe saber que su arte sintetiza a la realidad concreta y la modifica en una instancia superadora.

CAPÍTULO III: