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CAPÍTULO IV: O MOVIMENTO E A PARTITURA CÊNICA

4.11. Partitura de movimentos

4.11.1. Três esferas da partitura

A partitura no teatro de animação pode tangenciar três esferas: a partitura da encenação, do ator e do objeto.

A partitura da encenação se dispõe a dar conta do conjunto dos elementos presentes na encenação, buscando criar e visualizar o todo como os diversos instrumentos de uma orquestra.

Podemos observar uma amostra de partitura de espetáculo no teatro de animação no trabalho dos artistas Amorós e Paricio.

Imagem 25 – Roteiro visual de Amorós e Paricio – Espetáculo Retablo de Natividad. Fonte: (AMORÓS e PARICIO, 2005, p.60).

Os artistas denominam de roteiro visual (guión visual) a impressão em uma folha de papel do esboço da composição gráfica das várias cenas do espetáculo. Esse roteiro é apontado pelos artistas como uma importante ferramenta que permite o acompanhamento do desenvolvimento plástico do espetáculo. Esse roteiro lhes serve para visualizar as trocas e evolução dos elementos plásticos, sejam eles objetos animáveis, objetos outros ou cenografia.

A partitura do ator-animador está estreitamente articulada à partitura da personagem. Esta, por sua vez, é uma criação do ator-animador conjuntamente com o diretor, detalhando a seqüência de movimentos, gestos e ações de cada personagem no espaço e no tempo, em cada cena do espetáculo. Esta partitura é pautada em aspectos como o gênero de animação utilizado; as limitações e possibilidades do objeto enquanto matéria; a coerência entre a composição da personagem e a concepção total da encenação; a subpartitura.

As partituras do objeto e do ator-animador podem ser organizadas tomando duas perspectivas de um mesmo fenômeno cinético: a perspectiva eucinética e a coreológica. Os conceitos aqui utilizados afinam-se ao entendimento apresentado na pesquisa de Andrade e Petry:

A eucinética se ocupa da composição das ações dinâmicas segundo princípios psicofísicos dentro de uma unidade espaço-tempo-energia determinada nos limites do corpo do ator-dançarino. A eucinética, segundo Rudolf Laban (1879-1958), é a pesquisa da composição do movimento num domínio no qual são identificados os aspectos dinâmicos da ação. (2007, p. 180).

O fenômeno do movimento tomado sob o recorte da eucinética realiza a composição da partitura entendendo-o em suas diferentes qualidades de energia, em suas variações de ritmo e na relação estabelecida entre as distintas partes do corpo do ator-animador e do objeto, visualizando os múltiplos segmentos de movimento que compõem um todo mais complexo.

A coreologia por sua vez, visualiza o movimento sob a perspectiva do desenho e projeções que os corpos realizam no espaço. Nesse sentido, ao desenvolver uma composição cinética, o olhar está apontado às possibilidades de configuração formal constituída sobre elementos direcionais e segundo leis de estruturação e de configuração espacial do movimento.

Assim, o ator-animador pode realizar a composição de gestos e ações sob esses dois recortes, sendo possível buscar a criação de uma metodologia na qual

essas perspectivas do fenômeno cinético possam servir de subsídio à composição da partitura.

A subpartitura constitui-se numa outra ferramenta para criação da partitura do ator-animador e do objeto. Esse termo é encontrado nas reflexões de Eugênio Barba para indicar a idéia por trás da ação. São os pontos de apoio, a mobilização interna do ator na instauração de uma personagem que, no teatro de animação, pode tornar-se suporte para a composição e execução da partitura do ator-animador e do objeto-personagem. Segundo Barba, essa subpartitura é constituída de “imagens detalhadas ou de regras técnicas, de relatos e perguntas a si mesmo ou de ritmos, de modelos dinâmicos ou de situações vividas ou hipotéticas.” (1994, p.167).

Os autores Parício e Amorós, ao tecerem considerações sobre a animação, sublinham a importância de um repertório gestual, definido em seu estudo como o “conjunto de gestos, posturas e movimentos que realiza [o boneco], que lhes são peculiares e que estão em função de suas possibilidades técnicas. Serve para identificá-lo e, se está adequadamente criado, dará a idéia de seu caráter e forma de pensar.”92 (2005, p.68, tradução nossa).

O repertório gestual é constituído de movimentos que caracterizam a personagem. Trata-se de encontrar os gestos e outros movimentos que pertencem à personagem em conformidade com suas características “físicas” e “subjetivas”. Esse repertório, então, constituirá uma biblioteca, um conjunto de caracteres simples, que serão empregados pelo ator-animador na partitura de gestos e ações.

Entre atores-animadores e diretores brasileiros a idéia de partitura quando é utilizada, na maioria das vezes não é denominada dessa forma. Mas há depoimentos de trabalhos que registrem uma grande mudança qualitativa com a utilização desse princípio. O ator-animador João da Silva, por exemplo, no espetáculo Princípio do Espanto, revela o salto qualitativo que representou a adoção desse instrumento em seu trabalho. Miguel Velhinho, diretor da Cia. PeQuod, ao discorrer sobre seu processo de construção de personagem, explicita o uso da partitura de movimento para o ator-animador e para o objeto, embora não utilize esse termo. Ele conta que o primeiro passo na animação dos bonecos da Cia. é

92 [...] conjunto de gestos, posturas y movimientos que realiza, que le son peculiares y que están en

función de sus posibilidades técnicas. Sirve para identificarlo y, si está adecuadamente creado, dará idea de su carácter y forma de pensar.

levantar detalhadamente quem é aquele personagem, suas características emocionais e sua história. Em seguida o grupo confecciona o boneco e vai caracterizar no movimento as particularidades dessa personagem, buscando seu repertório gestual. “Tudo parte do humano”, ele conta, apontando a referência no movimento humano para a criação das partituras das personagens. Antes de trabalhar os movimentos nos bonecos ele realiza uma pesquisa cinética nos e com os atores-animadores. Em seguida vai “decupando” o movimento e experimentando no boneco. Em outras palavras, o diretor vai selecionando ações, gestos e falas, compondo uma partitura para o boneco a partir do material cinético oferecido pelos atores-animadores.93 Essa partitura tem conseqüência direta na partitura do

intérprete na animação dos bonecos.