• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO IV: O MOVIMENTO E A PARTITURA CÊNICA

4.10. Tonicidade, nível, eixo e ponto fixo

Esses elementos se relacionam diretamente com a movimentação do objeto realizada pelo ator-animador. O termo tonicidade em geral relaciona-se às noções de vigor ou energia. Essa noção se estende ao conceito com o qual trabalhamos no teatro de animação referindo-se à idéia de que para transmitir ao público a impressão de presença de energia, de vida no objeto, é preciso que o animador esteja em constante vigilância para não ‘amolecer’ o objeto animado. O corpo de um boneco animado, por exemplo, precisa estar munido de certas tensões originadas no corpo do ator-animador que o mantenha na postura de base característica de sua personagem.

Anne Cara orienta, sobre a animação da forma, a manutenção do tônus como uma exigência da técnica do teatro de animação, pois “para parecer vivo, indivíduo autônomo, o boneco deve estar tonificado, com aparência erguida e dinâmica.”90 (2006, p. 47, tradução nossa). A perda da tonicidade pode provocar a perda do olhar, da visualização do olho do boneco, retirando do espectador esse importante contato, sobretudo a possibilidade de utilização do boneco no processo mencionado como tela de projeção. Em decorrência disso, a personagem perde verossimilhança e pode voltar a ser objeto manipulado.

É comum o ator-animador iniciante ir abandonando a tonicidade com o avançar do espetáculo. O cansaço do corpo ainda não habituado leva o animador a sair da posição necessária à manutenção do tônus do objeto apresentado. Nos diferentes gêneros de animação, se esta ocorre por cima, por trás ou por baixo, o ator-animador encontra diferentes exigências físicas à manutenção da tonicidade. Se a animação ocorre por cima ou por trás, o abandono da tonicidade pode significar um amolecimento da personagem, um esvaziamento. Se pensarmos na animação de um boneco de luva, o boneco pode paulatinamente desaparecer da empanada ou murchar, encolhendo-se ante o espectador.

Nesse sentido, elencamos dois aspectos com os quais se relaciona a tonicidade: nível e eixo. O nível é uma referência de chão com a qual o ator- animador trabalha na animação da personagem. No gênero da animação a fio e na mesa, por exemplo, o ator-animador deve afastar ou manter conscientemente essa referência de chão para que a personagem apenas flutue quando esse for seu objetivo. Na animação de um boneco de luva, perder o nível faz com que o boneco afunde na empanada, desaparecendo da visão do público. Beltrame (2008) aponta outro aspecto relativo ao nível: na animação de boneco de luva o nível determina também o tamanho ou altura do boneco.

O segundo elemento relacionado à tonicidade é o eixo, tomado na pesquisa de Beltrame na seguinte perspectiva:

O eixo do boneco e sua manutenção – Consiste em respeitar a estrutura corporal e sua coerência com a coluna vertebral do ser humano, ou obedecer à postura animal quando a personagem é dessa origem. É importante aproximar o boneco da forma “natural” da personagem que representa. Exige observar a posição das pernas, coluna vertebral,

90Pour paraître vivante, individu autonome, la marionnette doit être tonique, d’apparence érigée et

verticalidade do corpo do boneco quando se trata de boneco do tipo antropomorfo. (2008, p.32).

Para a manutenção do eixo o pesquisador chama atenção para a necessidade de observar toda a articulação corporal do boneco, de tal modo que o ator-animador deve atentar para o posicionamento não apenas da coluna, mas também das partes a ela vinculada.

O eixo pode ser tomado pela noção de um desenho da coluna vertebral da personagem com a qual se trabalha como referência na execução dos movimentos da personagem. Significa respeitar esse parâmetro adotado para a personagem para que o animador não “perca a personagem”, no sentido de não perder a postura, o andar e a gestualidade própria de seu corpo e de suas características subjetivas.

Philippe Genty trabalha com o eixo como um dos parâmetros da animação. Todavia, o artista atribui outro caráter ao conceito. Para ele o eixo são pontos fixos nas articulações do boneco que devem ser respeitados na movimentação das partes ligadas a essas articulações. Assim cada articulação pode oferecer alguns pontos fixos em torno dos quais giram as articulações. O eixo na perspectiva de Genty é uma noção que se apresenta não apenas na coluna vertebral, mas em vários pontos do corpo.

A idéia do ponto fixo também está no sentido de fixação do eixo nesses variados pontos. O ponto fixo é um parâmetro de trabalho muito importante para o ator-animador, pois evita deslocamentos e movimentos indesejados ou pouco críveis no contexto da animação de uma forma. Para Beltrame o ponto fixo significa manter o eixo central e o nível do boneco enquanto executa outra tarefa simultânea na cena, como por exemplo, o deslocamento do ator-animador a fim de alcançar outro objeto (outro boneco, controle de luz ou de som, por exemplo). Desse modo, o ponto fixo consiste em realizar outra tarefa no mesmo instante em que mantém a presença de cena da personagem que se apresenta ao público.

Em nossa compreensão, o eixo está presente em todas as articulações do corpo do boneco e outros objetos, bem como se relaciona à orientação da postura da coluna vertebral da personagem dada pela organização das partes do corpo do objeto. O ponto fixo, por conseguinte, atua com a manutenção do eixo central e o eixo das articulações.

Esses elementos apresentados são de grande relevância ao trabalho do ator na animação da forma: manter a tonicidade é mantê-lo vivo, mantendo seu nível e

eixo (tanto central como os demais); manter o nível para que não se desarticule ou desapareça ante o público. O ator-animador deve descobrir e aproveitar os eixos imaginários do objeto, empregando-os a favor da animação, considerando os pontos fixos das articulações e mantendo a postura adotada para a personagem pelo parâmetro do eixo central.