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Eduardo Prado: a dicotomia – Brasil republicano e Brasil monárquico

3. Caracterização das ideias dos principais colaboradores da Revista de Portugal

3.5. Eduardo Prado: a dicotomia – Brasil republicano e Brasil monárquico

Como escritor, Eduardo Prado foi, em suma, um jornalista, porém com mais talento, mais espírito, mais cultura e mais experiência do mundo que o comum deles. (Veríssimo, 1963, p. 269)

Entre os brasileiros que escreveram para a Revista de Portugal, há um nome que se destaca: o do paulista Eduardo Paulo da Silva Prado, formado em Direito119 e oriundo de uma família aristocrática, com muita influência na política, na economia e também no campo cultural. Os Prados possuíam uma vasta extensão de terra em São Paulo e eram produtores de café. A mãe

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Os ecos da produção de Antero de Quental atravessam, sem dúvida, as fronteiras. O poeta brasileiro Manuel Bandeira, no prefácio do livro Poesia e prosa, classifica Antero como o modernizador da prosa. Em Portugal, outro grande poeta, Fernando Pessoa, chegou a classificar o açoriano como um dos seus mestres, que o “ensinou a pensar em ritmo”. Nos seus três artigos de 1912, publicados na revista Águia, com o título A nova poesia

portuguesa, Fernando Pessoa afirma que Antero é um dos precursores da moderna poesia portuguesa, descrevendo a

poesia de Quental como transcendentalista. 119

de Eduardo, Veridiana Prado, apesar de monárquica e católica, não hesitou em se separar do marido, Martinho Prado, e em assumir a direção dos negócios da família.

Herdeiro, por via materna, destes traços de independência, Eduardo Prado também era um monarquico convicto. Cosmopolita, morou na França durante muito tempo, sempre cercado das últimas invenções do século, e foi em Paris que conviveu com Eça de Queirós, de quem se tornou amigo, entre outros intelectuais.

Alguns críticos, entre os quais o pernambucano Heitor Lira, questionam se Eduardo Prado não serviu de modelo para alguns dos seus tipos literários, como o Jacinto de A Cidade e as

Serras (com o seu sumptuoso apartamento no 202 dos Champs Elysées) ou Fradique Mendes.

Contudo, o que se destaca é a estima que Eça sentiu pelo seu amigo e até que ponto a convivência com Eduardo Prado influenciou Eça de Queirós.

Para Sérgio Rounet (2001), “Eduardo Prado foi produto e agente da modernidade, em sua vertente aristocrático-conservadora.” Prado e Eça partilhavam a mesma aversão pela importação de modelos estrangeiros.

Prado publicou na Revista de Portugal seis artigos contra o governo, sob o pseudónimo de Frederico de S.120. O primeiro artigo, Destinos políticos do Brasil, único onde consta a assinatura de Eduardo Prado, enumera uma série de apontamentos acerca da identidade da nação brasileira. Escrito em setembro de 1889, antes da proclamação da República, Eduardo Prado abordou temas fulcrais como a questão da escravidão (recentemente abolida), do analfabetismo e do movimento republicano: “a maioria da população não participou da independência e muito menos toma parte da agitação republicana promovida em nome dele” (Prado, 1889, p. 471). Interessante, neste artigo, é perceber a crítica que Prado fomentou acerca dos bacharéis (ideia sustentada por Eça de Queirós em relação a Portugal121). Prado olhava para o bacharel como sinónimo do político sem representação: “entidade falante e escrevente no meio brasileiro (…) pode (…) sempre ser republicano, isto é, falar ao povo em nome dele povo, sem que este o ouça ou o tenha nomeado o seu representante” (id., pp. 474-475).

Ora, o publicista estava em Paris quando recebeu a notícia da proclamação da República. Indignado, redigiu um pequeno artigo, de sete páginas, que também foi publicado no primeiro

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As crónicas que Eduardo Prado escreveu para a Revista de Portugal foram coligidas no volume intitulado Fastos da ditadura militar no Brasil.

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Cf. No livro de Eça de Queirós, Uma Campanha Alegre, encontramos: “O aluno, ao entrar, faz uma cortesia profunda ao lente; lê lá dentro um romance que traz na algibeira; e sai fazendo ao lente outra cortesia profunda. Se não fizer isto é reprovado. – E tudo isso para quê? – Para ser bacharel – uma qualidade que se exige para tudo, e que se não respeita para coisa nenhuma.” (2003, p. 251)

volume da Revista com o título Os acontecimentos do Brasil, onde expressou o seu receio sobre o enfraquecimento da unidade do Brasil e a sua divisão em vários estados independentes.

Ao longo dos artigos seguintes, as críticas de Prado ao regime republicano continuam: o autor dizia que não era possível aceitar a separação entre a Igreja e o Estado, e questionava a manifestação positivista, como uma nova doutrina.

Interessante é notar como essas críticas causaram eco no Brasil. Em primeiro lugar, assinalamos a carta dirigida à mulher, a 16 de abril de 1890, onde Eça afirma que “A Revista tem feito grande ruído no Brasil” (Queirós, 2008b, p. 46). De facto, segundo as nossas investigações, no dia 9 de março de 1890, com o título “A calúnia”, a Gazeta de Notícias (1890, número 68) afirma: “causa verdadeiro espanto ler-se o que se escreve em Portugal contra o Brasil” e acrescenta: “Mas quem será esse Frederico S.?”. Uma outra breve, publicada em maio, especula sobre a autoria dos textos de Eduardo Prado: “Disseram ontem os nossos colegas do Correio do

Povo que sabem, de fonte segura, que os artigos assinados por Frederico de S. na Revista de Portugal são da lavra de Ramalho Ortigão” (1890, número 138).

Em 1893, já em São Paulo, na sua fazenda do Brejão, Prado escreve A ilusão americana, livro que foi proibido no Brasil. Incompreendido por muitos dos seus contemporâneos, recentemente o historiador José Murilo de Carvalho procurou explicar a profundidade do pensamento da sua obra:

O que importa é que Eduardo Prado sugere uma visão não essencialista de identidade brasileira, isto é, uma visão de identidade em permanente construção. Sua reação à República se devia mais à rutura brusca que o novo governo pretendera fazer com um património que se construía lentamente do que uma rejeição da mudança. (Carvalho, 2007, p. 87)

Aversão à mudança, ou não, o certo é que, após muitas afrontas ao novo regime republicano, Prado voltou-se para o estudo da História até que morreu, prematuramente, aos 41 anos, de febre-amarela. Prado foi um ser dinâmico, exuberante, escritor e jornalista cheio de ideias próprias e um bon vivant.

Afinal, Prado acreditava que a República iria fragmentar o Brasil e que os Estados Unidos não poderiam servir de modelo ao desenvolvimento brasileiro. Segundo Eduardo Prado, para modernizar e transformar o país seria necessário civilizar o Brasil e regressar à monarquia.