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3. Caracterização das ideias dos principais colaboradores da Revista de Portugal

3.3. História e ficção em Oliveira Martins

Em sentido próprio só com Oliveira Martins e a partir de Oliveira Martins, Portugal é história e tem a sua História. À perceção do destino português como “epopeia”(transcendente ou positiva), Oliveira Martins opôs a ideia do nosso destino como “drama” permanente e ambíguo. A integração do “mito” no discurso histórico separa o grande Herculano, homem ainda do século XVIII, de Oliveira Martins, o autêntico romântico. (Lourenço, 1983, p. 16)

Joaquim Pedro de Oliveira Martins foi o colaborador que mais escreveu para a Revista de

Portugal: produziu cerca de 11% do conteúdo total da publicação. Amigo pessoal de Eça, foi

convidado a 15 de agosto de 1888 a participar no periódico, como podemos constatar na carta escrita por Eça de Queirós: “Eu sou o diretor dessa grosse machine, e tu terias nela um lugar que não se limitaria ao de um colaborador.” (2008a, p. 571). Cabe, então, a questão: quem foi Oliveira Martins? Ora a bibliografia disponível é tão ampla e rica que, aqui, apenas vamos traçar uma breve cronologia de alguns dos acontecimentos mais marcantes da sua vida. Era filho de Francisco Cândido Gonçalves Martins, oficial da Junta dos Juros dos Reais Impostos e pequeno proprietário, e de Maria Henriqueta de Morais Gomes de Oliveira. Deram-lhe o nome do avô materno, um liberal moderado. Nasceu em Lisboa, a 30 de abril de 1845 e iniciou os seus estudos na Academia de Belas Artes (1856) e no Liceu Central de Lisboa (1857).

Devido à morte do pai, em 1857, não chegou a concluir o curso liceal, que o levaria à Escola Politécnica, para o curso de Engenheiro Militar. Foi forçado a empregar-se, aos 15 anos, como praticante de escritório. Casou, aos 19 anos, com Vitória de Mascarenhas Barbosa. Como autodidata concentrou-se nos estudos culturais, sociais e políticos da altura. Foi assim que surgiu a sua primeira obra: Febo Moniz (1867). Paralelamente, iniciou também a sua colaboração em jornais, escreveu peças teatrais, e tentou a poesia. Em 1870 começou a frequentar o Cenáculo e lançou o seu próprio jornal, A República, que não sobreviveu devido à falta de leitores. A seguir, aceitou o emprego de administrador nas Minas de Santa Eufémia, em Córdova. Em 1873 trocou o seu emprego espanhol pela empreitada do caminho-de-ferro do Porto à Póvoa e continuou a colaborar em vários jornais portugueses.

Em 1878 foi eleito sócio da Academia Real das Ciências de Lisboa. Neste mesmo ano foi candidato a deputado pelo Centro Eleitoral Operário (Porto), mas obteve apenas 51 votos. No ano seguinte concebeu e pretendeu realizar sozinho um projeto ambicioso: uma Biblioteca das Ciências Sociais, que o levou a produzir uma vasta bibliografia abrangendo vários domínios.

Nesse âmbito, em maio de 1879 saiu a História da Civilização Ibérica e em outubro a História de

Portugal. Até outubro de 1884 iriam seguir-se mais sete volumes.

Ainda em 1879, foi candidato a deputado, desta vez pelo Partido Socialista, e obtém 32 votos. Mas, a partir de 1880, sua vida pública progrediu: foi eleito presidente da Sociedade de Geografia Comercial do Porto e tornou-se sócio do Instituto de Coimbra. Em 1881 foi nomeado membro da Comissão Reguladora dos Trabalhos dos Operários, e da subcomissão de Inquérito às industriais no distrito do Porto.

Em 1885, Oliveira Martins foi eleito deputado pelo partido Progressista, então na oposição, e fundou um jornal, A província, que dirigia no sentido de o tornar um órgão de rejuvenescimento do partido Monárquico. Logo no ano seguinte, em1886, foi eleito deputado por Viana do Castelo. Renunciou ao cargo de Ministro da Agricultura.

Fixou-se em Lisboa, tornando-se vizinho de Ramalho Ortigão, no ano de 1888, e assumiu a direção do jornal O Repórter e da Companhia de Moçambique. Participou nas reuniões do grupo “Vencidos da Vida” (designação da sua autoria que decorreu da renúncia dos seus membros às aspirações da juventude), e reforçou a sua amizade com Eça. Com a subida ao trono de D. Carlos e na sequência do Ultimato inglês de 1890, num momento de quase bancarrota das finanças públicas, aceitou a pasta da Fazenda no ministério, demitindo-se meses depois.

Em seguida, partiu para Inglaterra, numa viagem de que resultarão as crónicas publicadas em A Inglaterra de Hoje (1893). De regresso a Portugal, assume o lugar de vice-presidente da Junta do Crédito Público. Depois de uma viagem pela Espanha para reunir documentação para a biografia O Príncipe Perfeito, que deixará incompleta, morre com tuberculose, aos 49 anos, em agosto de 1894. Logo em seguida, em novembro, Ramalho Ortigão elaborou um artigo “Na morte de Oliveira Martins” onde destacou a disciplina e organização como características fundamentais desse homem de letras:

O seu quarto era a imagem da sua cabeça. As suas notas e os seus documentos de composição literária achavam-se perfeitamente coligidos e coordenados em uma série de pastas repartidas por uma série de gavetas. Não havia no seu arquivo papel – apontamento, conta, nota ou carta – que ele não encontrasse em dois minutos de busca. (….) Tão disciplinado era o seu espírito de ordem e previdência, que durante mais de trinta anos, em que o conheci e tratei de perto, nem uma única vez o encontrei em dificuldades de tempo ou de dinheiro. (Ortigão, 1945, pp. 51-53)

De facto, Martins foi um autor eclético, atitude filosófica que nele traduzia um espírito de abertura mental, avesso à cristalização em sistemas rigidamente constituídos, oscilando, por isso, entre o racionalismo iluminista, o positivismo e o movimento de ideias dos românticos alemães.

A obra de Proudhon marca os escritos deste autor. As várias obras escritas por Oliveira Martins113, enquanto historiador, têm um ponto comum: são sobretudo uma forma encontrada pelo autor para exprimir o seu pensamento, onde a intuição desempenha um papel central. No caso da Revista de Portugal, a sua colaboração inclui: “Os filhos de D. João I” (1º e 2º volumes); a “Crónica política” (escrita sob o pseudónimo de P. de Oliveira,1º volume); “O tratado com a Inglaterra e a situação de Portugal” (3º volume, com o pseudónimo Spectator); e no 4º volume saem as primeiras páginas de “A vida de Nuno Álvares”.

Num estudo crítico, publicado na introdução do livro Portugal Contemporâneo, Moniz Barreto destaca, precisamente a imaginação e a sensibilidade como caracteres principais de Oliveira Martins:

A peça mestre da inteligência do Sr. Oliveira Martins é a imaginação psicológica, isto é, o dom de ver e descrever interiores de alma. (…) É ela quem faz a sua força de historiador e o seu encanto de escritor. (…) Em que consiste esta faculdade? (…) na intuição precisa e completa dos fenómenos da própria inteligência e sensibilidade. (Barreto, p. 11)

Ora, essas características estão bem marcadas nos textos históricos que Oliveira Martins publicou na Revista de Portugal; e até o próprio Eça de Queirós, numa carta escrita no dia 26 de abril de 1894, chama a atenção para esse excesso de imaginação e falta de rigor científico:

Também não me agradam muito certas minudências do detalhe plástico, como a notação dos gestos, etc. Como os sabe tu? Que documento tens para dizer que a Rainha num certo momento cobriu de beijos o Andeiro, ou que o mestre passou pensativamente a mão pela face?... Estavas lá? Viste? Esses traços, penso eu, não dão mais intensidade de vida, e criam uma vaga desconfiança. (Queirós, 2008b, p. 261)

Na Revista de Portugal, além de divulgar os seus trabalhos como historiador, Oliveira Martins também atuou como cronista político, utilizando o pseudónimo de P. de Oliveira. Teórico do socialismo, Martins era sobretudo um homem que sentia a necessidade de intervir na

113

Obras: Febo Moniz, 1867; Teófilo Braga e o Cancioneiro e o Romanceiro Português, 1869; Os Lusíadas

- Ensaio sobre Camões e a Sua Obra, em relação a Sociedade Portuguesa e ao Movimento da Renascença, 1872; A Teoria do Socialismo - Evolução Política e Económica da Europa, 1872; Portugal e o Socialismo - Exame Constitucional da Sociedade Portuguesa e a Sua Reorganização pelo Socialismo, 1873; História da Civilização Ibérica, 1879; História de Portugal, 1879; O Brasil e as Colónias Portuguesas, 1880; Elementos de Antropologia,

1880; Portugal Contemporâneo, 1881; As Raças Humanas e a Civilização Primitiva, 1881; Sistema dos Mitos

Religiosos, 1882; Quadro das Instituições Primitivas, 1883; Regime das Riquezas, 1883; Taboas de Cronologia,

1884; História da República Romana, 1885; Projecto de lei sobre o fomento rural, 1887; Portugal nos Mares, 1889;

Os filhos de D. João I, 1891; Portugal em África, 1891; Camões e os Lusíadas, 1891; A Inglaterra de Hoje, 1892; Vida de Nun'Álvares, 1893; Cartas Peninsulares (vol. póstumo), 1895; O Príncipe Perfeito (vol. póstumo), 1896, O Helenismo e a Civilização Cristã, 1877. Para além dessas obras de fundo, há ainda uma vasta colaboração em

sociedade do seu tempo, questionando comportamentos e mentalidades, como é o caso da crónica publicada na Revista de Portugal, onde procura harmonizar o progresso material e o moral:

Este século é a idade da máquina. Anda-se, come-se, veste-se a gente e calça-se à máquina: mecanicamente se vive (…) Talvez o homem tenha vencido em demasia (…) Talvez porém o homem comece a pensar que não há equação entre o progresso material e o moral; e que a vida tenha mais encanto quando era mais difícil, os desejos mais insaciados e as ambições mais modestas. (Martins, 1889, p. 123)

No artigo “O tratado com a Inglaterra e a situação de Portugal” (1890, pp. 1-15), assinado com o pseudónimo Spectador, Oliveira questiona a viabilidade da política colonial portuguesa. De forma a clarificar o papel de Portugal, Martins analisa o passado de descobertas e conquistas, estabelecendo a distinção entre colónias de feitoria, de plantação e de povoamento. Assim, mais uma vez, o Brasil é tema de estudo. No entanto, nesse artigo, o historiador está preocupado com outra questão: o Ultimatum, que na sua opinião, é humilhante:

(…) o tratado impõe-nos essa cooperação pela fórmula humilhante de um quase protetorado. É também porque o tratado nos impossibilita de explorarmos com proveito o que nos deixa da nossa África, ao mesmo tempo que nos impõe encargos esmagadores. Vergando ao peso deles, e na impossibilidade de os satisfazer, teremos de nos entregar nos braços de Inglaterra, que assim adquira de graça esta nossa derradeira herança. (1890, p.8)

Envolto no seu ceticismo quanto ao futuro das colónias africanas, Martins apontou o dedo a política portuguesa: “o erro capital da nossa política em África foi querer abraçar esse mundo com ambas as mãos, sem dispormos de meios, nem para ocuparmos, nem para explorarmos um continente” (id, p. 15).

Mas qual é o papel que Oliveira Martins desempenha no pensamento brasileiro? No texto “Oliveira Martins e o Brasil”, o professor Paulo Franchetti assinala que as ideias do historiador oitocentista ainda fazem parte da cultura brasileira “de uma forma muito mais intrínseca do que poderia parecer a uma primeira vista de olhos” (Franchetti, 2007, p. 115). Ao longo do ensaio, Franchetti indica que a influência de Oliveira Martins pode ser encontrada em vários pensadores brasileiros, sendo de destacar, ainda no século XIX, o paulista Eduardo Prado.

Segundo Franchetti, foi Oliveira Martins quem, ironicamente, ofereceu vários argumentos ao discurso anti lusitano que circulou no Brasil até os anos trinta do século XX e que surge, por exemplo, em Os sertões, de Euclides da Cunha (1866-1909), e igualmente em A América Latina -

males de origem, de Manoel Bonfim (1868-1932). Na década de 20, Franchetti distingue a

Franchetti descobre também na génese da obra de Gilberto Freire (1900-1987) a influência do pensamento de Oliveira Martins. Antes de mais, ambos compõem uma história “íntima”, carregada de detalhes que sufocam o rigor científico. E, segundo Franchetti, basta observar com atenção o índice onomástico das obras do pernambucano para constatar a influência do historiador.

Cabe, ainda, assinalar que Oliveira Martins nunca visitou o Brasil, mas foi um atento observador da política brasileira e chegou a colaborar na Gazeta de Notícias, no Jornal do

Comércio, no Cruzeiro e no Jornal do Brasil, todos publicados no Rio de Janeiro. O Brasil e a

sua história constituíram no pensamento de Oliveira Martins um meio de entendimento e perceção dos problemas portugueses, como constatou Sérgio de Campos Matos:

O Brasil e a sua história constituíram no pensamento de Oliveira Martins um meio de compreensão dos problemas portugueses e uma expressão do génio nacional. Mas, para além disso, interessava-lhe em si mesmo, na sua especificidade, como modelo de colónia- fazenda e, posteriormente, como grande nação que, de algum modo, pertencendo ainda à “família portuguesa”, tinha o seu próprio destino. (Matos, 2005, p. 31)

Atente-se também no facto de Eça de Queirós reconhecer o importante papel desempenhado por Oliveira Martins na Revista de Portugal: “ Abraço-te querido Joaquim Pedro, pelo que tens feito pela Revista. O Gaio diz-me que tem encontrado em ti apoio e bom conselho. Continua-lhos, por amor a mim” (Queirós, 2008a, p. 646). Grandiosas afinidades que uniam dois homens que partilhavam o desencanto do fim do século.

3.4. A reflexão filosófica de Antero de Quental nas “Tendências Gerais da