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Educação a Distância: uma modalidade em construção

No documento DOUTORADO EM EDUCAÇÃO SÃO PAULO (páginas 68-76)

CAPÍTULO 1: EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA NO ENSINO SUPERIOR

1.3 Educação a Distância e ensino superior

1.3.2 Educação a Distância: uma modalidade em construção

A educação a distância surgiu e consolidou-se a partir de cursos preparados com material instrucional impresso, distribuído aos estudantes pelo correio. Os estudantes, usando o mesmo procedimento, encaminhavam suas dúvidas, atividades realizadas e exercícios resolvidos. Tais experiências eram essencialmente voltadas a populações distantes geograficamente dos centros universitários.

Historicamente, a educação a distância está relacionada com a centralização técnica, ao supervalorizar a possibilidade de transmissão da informação. No entanto, as inovações, nesta modalidade, podem ser realizadas para sustentar as pedagogias e têm suscitado um número considerável de pesquisas científicas nos programas de pós-graduação. As experiências de formação na modalidade a distância exigem dos educadores uma forte associação entre a pesquisa e a ação.

Já existe um número considerável de trabalhos e estudos que abordam o histórico da educação a distância no mundo, a exemplo de Carmo (1997), Alves (1994) e Landim (1997). No que se refere à pesquisa sobre a educação a distância em nosso país, curiosa ou previsivelmente elas encontram-se em maior número originárias de programas de pós-graduação que não são da área de educação. Este dado foi detectado em pesquisa realizada pelo grupo de pesquisa “Novas Tecnologias na Educação” da PUC-SP, durante o semestre de 2006-1, em levantamento de dados no banco de teses e dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) sobre os trabalhos defendidos nos últimos dez anos (período de 1997 a 2006)34.

O artigo de Almeida (2005), que apresenta um relatório das teses e dissertações defendidas no Programa de Pós-Graduação em Educação Currículo,

34 A pesquisa não foi publicada pelo grupo, mas foi útil para a visualização do cenário das

na linha de pesquisa “Novas Tecnologias na Educação”, no período de 1995 a 2004, evidencia a existência de poucas pesquisas nesta área até o ano de 1999, com uma média de duas defesas por ano. Almeida também demonstra que, a partir de 2001, a média anual passa a ser de oito trabalhos. Este aumento na produção deve-se à atuação da instituição em projetos de educação a distância e à contratação de professores desta área para o programa de pós-graduação.

Em sua tese, Pinto (2004, p. 11) afirma ter realizado uma pesquisa semelhante no banco de teses e dissertações da Capes e encontrado 60 registros com a palavra-chave “educação a distância”. No entanto, apenas 14 tinham “uma relação mais direta com essa modalidade, mas nenhuma das teses retratava a formação de professores para EaD”.

Ao percorrer o mesmo caminho desta pesquisa no primeiro semestre de 2008, encontrei 579 registros para a palavra-chave “educação a distância”, o que indica o crescimento acelerado de pesquisas nesta área. Destas pesquisas, 196 foram realizadas em programas da Educação, ou seja, 34% do total. Chama a atenção nestes números o fato de que 157 pesquisas são de mestrado e apenas 39 são de doutorado, sugerindo que os Programas de Educação abriram-se recentemente para as pesquisas nesta área.

Referindo-se à realidade francesa, Alava (2002) nota que a pesquisa realizada nos últimos 20 anos sobre as novas tecnologias constata a ausência de investimento sério nas Ciências da Educação, com poucas teses e dissertações dedicadas ao tema. Alava acredita que a pesquisa nesta área passou por uma centralização na técnica, existindo um grande número de pesquisadores que se dedicam a esse tema, porém pertencentes a outras áreas do conhecimento:

É principalmente um olhar técnico que sustenta as reflexões no campo das técnicas modernas de educação ou das tecnologias educativas. As novas tecnologias originárias da era da informática oferecem novas possibilidades em termos de transferência de informações e de ampliação de possibilidades de comunicação. Conduzida por tecnólogos ou informáticos, essa reflexão superestima aspectos positivos ou negativos da técnica. Assim, ela deixa o estatuto de auxiliar para tornar-se o centro de uma outra forma de aprender (ALAVA, 2002, p. 54).

Alava lembra que, com o avanço da informática e da internet, a informação foi supervalorizada nos aspectos referentes aos dados quantificáveis e transmissíveis. Nesse movimento, as ciências da informação investiram muito na pesquisa nesta área, porém com um olhar linear à aprendizagem, entendida muito mais como a mera busca e recepção de informações.

No entanto, é importante ressaltar que o uso desta ou daquela tecnologia para o processo de ensinar projeta-se de acordo com o contexto cultural dos usuários, pois antes de escolher uma mídia é preciso escolher uma concepção pedagógica. Escolher uma concepção pedagógica é situar-se na sociedade e na cultura dos sujeitos e envolver-se com os problemas pedagógicos, que são, em um determinado nível de análise, problemas políticos (JACQUINOT- DELAUNAY, 2006).

Ao analisar as tendências nos estudos da educação a distância, Lobo Neto (1999) conclui que:

a) por muito tempo a EaD foi utilizada como reposição da escolaridade perdida (negada) – geralmente para atender a políticas governamentais. Nas últimas duas décadas do século passado, porém, está associada fortemente a educação continuada;

b) as pesquisas na EaD já têm realizado estudos de viabilidade, com foco nos objetivos educacionais e menos no falso avanço metodológico proporcionado pelo uso de produtos tecnológicos de última geração;

c) a formação de redes e consórcios de cooperação interinstitucional e internacional tem favorecido o intercâmbio de informações como o de ações, resultando em avanços para a modalidade.

No Brasil, as experiências de cursos de graduação a distância no ensino superior em universidades públicas são poucas até 2005. As experiências reconhecidas nacionalmente são a da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), responsável pelo primeiro curso de graduação a distância no Brasil, Pedagogia, em 1992 (PRETTI, 1996, 2000; ALONSO, 1996; NEDER, 1996), a do Consórcio CEDERJ, que reúne seis universidades do Rio de Janeiro e vem desenvolvendo cursos nesta modalidade, e da Universidade Estadual de Santa

Catarina, ambas iniciadas em 1999. A maioria das experiências de cursos de graduação a distância reconhecidos dedicam-se à formação de professores em exercício, refletindo a política governamental neste período.

Há muito tempo a EaD tornou-se tema frequente em programas educacionais, tanto no âmbito das instituições de ensino, quanto nas empresas, para a formação profissional. Esta modalidade tem seu reconhecimento em vários países do mundo, como o Reino Unido – pioneiro na criação de uma Universidade Aberta (Open University), em funcionamento desde 1962 –,Portugal, Espanha, Canadá e Austrália, entre outros, onde encontram-se megauniversidades com experiências consolidadas na promoção de cursos a distância.

A forma de organização e gestão das instituições que atuam na modalidade a distância, em nível mundial, varia de país para país, mas mantém dois modelos característicos: o primeiro emerge da construção de Universidades Abertas e a Distância, com instituições universitárias atuando exclusivamente com a modalidade a distância. O segundo caracteriza-se pela atuação de universidades com experiências consolidadas na modalidade presencial que passaram a ofertar cursos a distância. Belloni (2002) nomina estas instituições de “especializadas” (single-mode) e “integradas” (dual-mode). As instituições especializadas dedicam-se exclusivamente ao ensino a distância e seus exemplos mais típicos são as grandes universidades abertas europeias. As instituições integradassão instituições convencionais públicas ou privadas – o modelo vigente no Brasil.

Embora a experiência brasileira com esta modalidade de ensino esteja avançando, a educação a distância ainda é vista com preconceito e insegurança pelos educadores e associada à educação de massa sem qualidade. Conforme afirma Reis (1996, p. 38), a educação a distância “ainda é olhada de forma simplista e, dessa maneira, vista como um ensino de terceira categoria ou ‘facilitário’”. No entendimento de Pretti (1996), esta falta de credibilidade está associada ao entendimento de que nos países do terceiro mundo não existe uma “cultura de autodidatismo”. Contribui e cria resistências a falta de compreensão do

que seja educação a distância, dificuldade encontrada na comunidade das próprias universidades.

Este modo de pensar está ligado ao forte processo de mercantilização do ensino superior no Brasil, com as instituições de ensino sendo consideradas empresas e os alunos clientes. Na opinião de Pretto e Picanço (2005, p. 32),

Sem deixar de lado a euforia, é fundamental pensar criticamente sobre a EaD e, assim, considerar que o movimento já desencadeado de expansão do ensino superior, presencial e a distância, envolve conflitos de interesses. O debate atual sobre o tema tem apontado, entre tantos outros pontos, para a orientação mercantilista do ensino, que enquadra a educação como um serviço a ser comercializado.

Concordando com este argumento, Belloni (2002, p. 120) destaca que a globalização tem favorecido a entrada de empresas multinacionais no ramo educacional. Empresas tradicionalmente voltadas à prestação de outros serviços voltam-se agora para um mercado promissor – o da educação. Os países periféricos, como o Brasil, tornam-se alvo fácil de ser cooptado, pois a dependência econômica dos grandes centros mundiais obriga, muitas vezes, a adoção de políticas advindas dos organismos internacionais para todas as áreas, e a da educação é estratégica. Segundo Belloni, a alternativa para países como o Brasil “situa-se no nível das escolhas políticas da sociedade, ou seja, da capacidade de a escola e os cidadãos acreditarem – e agirem, consequentemente – em uma concepção dos processos de educação e comunicação como meios de emancipação e não apenas de dominação e exclusão” (Ibid., p. 121). No Brasil, a partir do ano de 2005, por meio de uma série de políticas de governo, há uma “explosão” da educação a distância no país, com relevante aposta no uso das TIC. A educação a distância pode ser uma possibilidade de ressignificação da prática educativa, e as TIC constituem o potencial reestruturante desta prática. A opção pelo ensino superior a distância é acima de tudo uma decisão política da instituição. É recomendável investir em políticas para EaD que contemplem as

características locais e uma visão sistêmica de gestão.

Ora, se a educação a distância é uma decisão política da instituição, não é possível discutir esta modalidade separadamente da discussão do ensino

presencial. As tecnologias devem ser vistas como potencializadoras do ensino e da aprendizagem, pois “não há possibilidade de discutir uma ou outra modalidade sem termos definido muito claramente as concepções de sociedade, educação e universidade que estamos considerando” (PRETTO; PICANÇO, 2005, p. 33). A educação a distância não pode ser vista como sendo apenas uma complementação ou uma substituição pobre da educação presencial. A esse respeito, Almeida e Prado comentam que

não se pode conceber que a educação a distância e presencial estejam competindo entre si. São modalidades distintas, com características próprias e muito ricas que podem ser vistas e tratadas de maneira complementar em diversos contextos de ensino e aprendizagem em que essas modalidades se entrelaçam e realimentam, permitindo expandir o espaço físico da sala de aula ao tempo que integram novas possibilidades de interação e registro que propiciam compartilhar concepções, valores e sentidos (ALMEIDA; PRADO, 2006, p. 2).

Almeida afirma, ainda, que “é inadequado comparar uma educação presencial de qualidade com uma EaD ineficaz ou vice-versa”. O importante é “compreender as características, potencialidades e limitações de cada tecnologia que possa contribuir para os processos educacionais, presenciais ou a distância” (ALMEIDA, 2005, p. 1). A esse respeito, Neder (2004, p. 144), considera que “pensar educação a distância implica pensar a educação em toda a sua amplitude, situando-a num contexto sócio-econômico-político-cultural”. Neder enfatiza a necessidade de “compreender os processos constitutivos do conhecimento”, levando em consideração o entendimento da sociedade de forma mais ampla (Ibid, p. 144).

Outra ideia normalmente associada à educação a distância é o baixo custo por estudante (PERRATON, 1999; PETERS, 2001), apontado como uma das grandes vantagens desta modalidade. Fazer educação a distância com qualidade, porém, não tem baixo custo; pelo contrário. Disponibilizar uma infra- estrutura adequada aos alunos, garantido o acesso à tecnologia e acompanhamento pedagógico demanda uma quantia significativa de recursos. Concordo com Coiçaud (2001, p. 59) quando ele enfatiza que “os espaços físicos para o suporte das aprendizagens dos alunos não é um aspecto que se deva

subestimar”. É preciso cautela, evitando o sofisma em relação à educação a distância: a sua adoção não é mais barata porque o seu custo deve ser calculado igual ao custo da educação de qualidade; a EaD não é mais ágil nem mais lenta, apenas demanda o tempo pedagógico, o tempo da aprendizagem; não é mais nem menos eficaz por ser ou não ser a distância. Cada formação deve ser avaliada a partir do seu projeto pedagógico (LOBO NETO, 2001).

Outro erro que não se pode cometer quando se adota a educação a distância como modalidade de ensino-aprendizagem é esquecer de considerar o contexto no qual os alunos estão inseridos. Afinal, quando o conhecimento é dissociado da realidade dos alunos, estes passam a fracassar na resolução de problemas, simplesmente porque as ideias foram aprendidas em contextos que não fazem parte da sua realidade, e deste modo têm dificuldades de atribuir sentido às informações e de aplicá-las a diferentes situações. A construção do conhecimento é estimulada quando o aluno tem oportunidade de interagir e cooperar, coordenar pontos de vista com outros colegas e relacionar os dados ao seu contexto. Ao defender a comunicação, Bakthin (2003) afirma que esta só adquire significado real quando inserida num contexto social concreto e preciso, do qual participam os sujeitos envolvidos no processo educativo.

Almeida considera fundamental a atenção ao contexto quando se trabalha com EaD, lembrando que as tecnologias também fazem parte do contexto do estudante e que, portanto, a definição destas deve levar em conta a sua realidade. A teórica conceitua contexto como

um conjunto de circunstâncias relevantes que propiciam ao aluno (re)construir o conhecimento dos quais são elementos inerentes o conteúdo, o professor, sua ação e os objetos histórico-culturais que o constituem. O contexto é considerado em toda sua complexidade e multidimensionalidade, englobando as dimensões histórico-social, cultural, cognitiva e afetiva dos sujeitos que o habitam, bem como as tecnologias que dele fazem parte, cujas características devem ser compreendidas, para que se possa incorporá-las numa perspectiva crítica. As tecnologias são elementos relevantes do contexto, que reconfiguram a situação e criam possibilidades diferentes para o ensino e a aprendizagem, uma vez que, além da expressão material de instrumentos, as tecnologias englobam as dimensões técnica, social e cultural envolvidas em sua produção, expandem o potencial humano e propiciam que, através da Internet, alunos, professores e membros

da comunidade, situados em diferentes territórios, possam compartilhar experiências educativas centradas nas relações que se estabelecem em contexto virtual (ALMEIDA, 2008, p. 6).

O texto de Almeida sugere buscar formas mais participativas e interativas de aprendizagem, oferecendo recursos e atividades que permitam e incentivem a interação, a colaboração e a autonomia dos alunos. O planejamento dos cursos a distância deve ter como um de seus pontos centrais a valorização do contexto social no qual as aprendizagens acontecem.

De acordo com Linard (2002), a experiência acumulada na área da educação a distância permite afirmar três pontos fundamentais para o funcionamento do sistema, que são: 1) uma relação de gestão institucional estreita e constante com os alunos, 2) a organização dos conteúdos concebida em função das necessidades de aprendizagem e de autonomia dos estudantes e não apenas do ensino e 3) um acompanhamento pedagógico permanente dos estudantes.

Cientes de que as tecnologias por si só não provocam megamudanças no sistema educacional, mas com o desejo de colocar em prática novas perspectivas de organização, a EaD pode contribuir na reorganização das práticas pedagógicas, ao compartilhar as decisões em todas as instâncias e com todos os sujeitos participantes do processo educativo. Minha opção é por uma organização que evite que os centros e departamentos que aderem à EaD na universidade se sintam usuários finais, meros executores das ideias de terceiros. O modo de organizar o sistema de gestão na educação a distância não deve ser o resultado de uma imposição administrativa arbitrária e solitária, mas um sistema que responda às necessidades de todos os participantes, segundo um enfoque colaborativo de gestão. Aprofundarei estes princípios no próximo capítulo, discutindo o tema desta tese na sua especificidade: a gestão do sistema de educação a distância.

No documento DOUTORADO EM EDUCAÇÃO SÃO PAULO (páginas 68-76)