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O método: a auto-observação

No documento DOUTORADO EM EDUCAÇÃO SÃO PAULO (páginas 117-121)

CAPITULO 3: A PERSPECTIVA METODOLÓGICA

3.2 O método: a auto-observação

Fundamentada na teoria Bakhtiniana, trago à discussão os teóricos Gutiérrez e Delgado (1998) e sua proposta metodológica: a auto-observação. A auto-observação constitui-se num procedimento de aprendizagem e conhecimento inverso ao realizado na observação participante. Na observação participante, o pesquisador aprende a ser um “nativo” de uma cultura estranha, é um observador externo que pretende inserir-se como participante de uma determinada experiência. Na auto-observação, o pesquisador aprende a ser um observador da sua própria cultura, pois ele é um nativo desta cultura. O termo “nativo” utilizado

pelos autores significa aquele que faz parte do sistema a ser analisado na pesquisa.

O auto-observador, no papel de nativo de um sistema, deve ocupar o maior número possível de posições como ator-observador, possibilitando a análise mais aprofundada do objeto em análise. A auto-observação acontece como uma “arqueologia vivencial”, ou seja, uma reconstrução do conhecimento por meio da experiência do sujeito, lembrando que construímos conhecimento a partir da relação com os outros.

Nesse sentido, pode-se dizer que a auto-observação utiliza-se do diálogo intercultural37, proposto pela corrente da antropologia dialógica, diferenciando-se deste por entender o diálogo como produzido entre os “nativos” próximos, ao contrário do nativo remoto proposto na antropologia dialógica. Na auto-observação, o autor é consciente da sua interculturalidade, assim como da sua capacidade de concordar com os significados subjetivos do discurso construtivista. Na visão de Gutiérrez e Delgado, o apelo ao caráter construtivista do discurso elimina o possível subjetivismo deste tipo de investigação. A razão é óbvia: “para o construtivismo qualquer descrição do mundo é uma invenção” (GUTIÉRREZ; DELGADO, 1998, p. 163). Em conseqüência, o debate ocorrerá em torno das estratégias e não do método em si.

A auto-observação constitui um método de investigação social que se baseia na constituição de sistemas observadores de si mesmo. Este método possui algumas características específicas que lhe conferem a condições de observação científica. O primeiro requisitp, considerado imprescindível, será a necessidade de o ator-observador manter uma atitude natural no seu ambiente, isto é, fazer parte do sistema observador e, num segundo momento, reconstituir a situação vivenciada. O auto-observador não parte de hipóteses pré-definidas, de atitudes intencionais de captar apenas recortes da realidade, mas procura captar a indeterminação do objeto ocasionada em diferentes tempos de leitura e escrita. O

37 No diálogo intercultural, a troca não é apenas entre diferentes saberes, mas também

entre diferentes culturas, ou seja, entre universos de sentido diferentes e, em grande medida, incomensuráveis. Fonte: SANTOS, Boaventura de. As tensões da modernidade.

Revista do Programa Avançado de Cultura da UERJ. Rio de Janeiro, 2004. Disponível

“texto nativo” conta com a responsabilidade do sujeito-ator e sua participação na realidade estudada.

Gutiérrez e Delgado apontam dois conceitos principais para a fundamentação epistemológica da auto-observação: a certeza e o sentido, uma vez que a certeza e a compreensão dos sentidos são os fundamentos que conferem validade à auto-observação, sendo que a pesquisa se realiza a partir deles.

Do conceito de certeza procuro compreender as ações dos sujeitos envolvidos na pesquisa, atribuindo sentido a suas falas. O conceito de certeza refere-se à probabilidade de outra consciência similar à minha aceitar o sentido e alcance que minha consciência objetiva atribui ao objeto estudado, cooperando com ela na sua construção. Isto quer dizer que a consciência do outro contribui para os sentidos que atribuo aos fatos, sendo os pesquisados sujeitos com os quais dialogo na pesquisa. A consciência similar a minha é, ou pode ser, o objeto buscado por minha própria consciência. A certeza não é outra coisa senão a visão

que os outros nativos do sistema atribuem ao objeto estudado. Nesse sentido, o

tratamento dos dados constitui-se na descrição do observador nativo principal. A certeza, portanto, aumenta em função do conhecimento que se tem das pessoas que se está observando e com as quais se está dialogando.

O conceito de sentido traz a referência à atividade seletiva heterogênea do pesquisador, caracterizada por sua interpretação criativa dada aos contextos complexos e históricos do objeto estudado. O conceito de sentido é “impuro”, pois o sentido dado ao objeto é provisório. A atribuição de sentido dada ao objeto assim como as relações que os objetos mantêm entre si são resultado do processo de objetivação que o pesquisador faz, ele atribui um significado a partir do diálogo com o outro.

A justificativa da pertinência e potencialidades da auto-observação fica condicionada:

a) a assumir o princípio universal das observações – o princípio da incerteza, já que, ao se investigar, há atuação e transformação;

b) à inclusão do observador nas descrições e a existência de uma pluralidade de pessoas que utilizam uma linguagem comum;

c) à relatividade das observações, estando os sujeitos diretamente atrelados ao ponto de vista do observador. A objetivação consiste na multiplicidade de interações entre um conjunto de nativos que integram o sistema pesquisado e o nativo principal, possibilitando a triangulação dos dados, por meio do emprego de fontes múltiplas de dados, diferentes investigadores e métodos variados;

d) à superação do paradoxo que separa o sujeito do objeto. Falar de sujeito pressupõe a existência de um objeto e vice-versa. O sujeito nomeia e modifica o objeto. Se for defendida a integração de sujeito e objeto, somente os sistemas de auto-observação serão capazes de assumir esta premissa;

e) ao fato de que todo conhecimento é gerado por um sujeito a partir de sua experiência.

No plano metodológico, a auto-observação proporciona possibilidades de introduzir a complexidade no desenvolvimento de metodologias participativas, como, por exemplo, a participação endógena e a participação conversacional.

Denomina-se “observador principal” de um processo auto-observador o autor que trabalha com estes pressupostos epistemológicos, isto é, o observador deve desempenhar o papeç de pesquisador a partir de uma situação originária de participação. Não é o indivíduo isolado quem pensa e quem interpreta; mas sempre um indivíduo produtor e reprodutor das instituições e discursos quem pensa e quem interpreta.

Ancorando-me no método da auto-observação para análise e organização dos dados provenientes da pesquisa, descreverei o sistema de educação a distância implementado na UFSC procurando as certezas e os sentidos no diálogo com os outros “nativos” deste sistema. Chamarei de certeza a fala dos pesquisados e de sentidos a interpretação da pesquisadora.

No documento DOUTORADO EM EDUCAÇÃO SÃO PAULO (páginas 117-121)