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CAPÍTULO 2 – A formação inicial de professores de Ciências e o estágio para

2.3 A educação como atividade humana

Na vida do homem a educação sempre ocupou papel essencial, pois é pela educação que nos apropriamos das construções da humanidade adquiridas no seu percurso histórico (LEONTIEV, 1978). Essa educação se dá desde nossos primeiros contatos pessoais, com as trocas que estabelecemos com o outro e com o mundo que nos cercam. Desta forma, vamos nos tornando sujeitos sociais e históricos, assim, precisamos nos apropriar do sistema de referências do contexto no qual vivemos para que possamos participar deste e atuar de modo a promover transformações, com o que também nos transformamos. Rigon, Asbahr e Moretti (2010a), discutem a relação do homem com a educação e explicitam que:

[...] a educação é o processo de transmissão e assimilação da cultura produzida historicamente, sendo por meio dela que os indivíduos humanizam-se, herdam a cultura da humanidade. As aquisições do desenvolvimento histórico do homem estão apenas postas no mundo e, para que cada nova criança possa apropriar-se das conquistas humanas, não basta estar no mundo, é necessário entrar em contato com os fenômenos do mundo circundante pela mediação dos outros homens, num processo de comunicação (LEONTIEV, 1978). O processo educativo é central à formação do homem em sua especificidade histórica, pois permite que não seja necessário reinventar o mundo a cada nova geração, permite que se conheça o estágio de desenvolvimento humano atual para que se possa superá-lo (Ibid., p.27).

Ao compreendermos a construção do conhecimento como um processo sócio- histórico, entendemos que ele é produto da atividade humana. Essa atividade configurada como humana tem uma intencionalidade, relacionada à necessidade que a gerou, buscando assim, satisfazê-la, que pode ser, por exemplo, a construção de um instrumento de trabalho, de um material intelectual, ou de um produto artístico, como propõe Leontiev (1978). A atividade é estimulada pelo produto da divisão do trabalho, que corresponde à necessidade dos indivíduos, portanto, se dá nas relações sociais (LEONTIEV, 1983).

Toda atividade é produto do desenvolvimento social e assim passa a se converter em patrimônio do homem social, em forma ideal, como apontaram Martineli e Lopes (2009), “o material se converte em ideal e o ideal na realidade é atividade produtiva”. A atividade humana é impulsionada por uma necessidade, mas é objeto da vontade do homem e da consciência. Eles comentam ainda a concepção de Davidov para a transmissão da herança cultural da humanidade:

No entendimento de Davidov (1988), as condições e as formas ideais da atividade humana e seu surgimento, estão internamente ligadas com o processo histórico-social durante o qual, as gerações em crescimento herdaram as habilidades (as capacidades mais amplas), para produzir instrumentos, coisas diversas, a comunicação real, material e espiritual. Para que uma geração possa transmitir as outras suas próprias habilidades reais deve previamente criar e formular, de maneira correspondente, os padrões socialmente significativos, universais destas habilidades (capacidades). Mas, sempre no sentido de preparar o sujeito para o novo, em constante transformação; se preparar para as novas necessidades sociais e históricas (MARTINELI e LOPES, 2009, p. 213).

A intencionalidade do homem se dá no movimento da consciência, na qual o trabalho provoca modificações que influenciam e controlam o comportamento humano, que também é voluntário. Oliveira (1993), explicita esta relação exemplificando-a:

O ser humano tem a possibilidade de pensar em objetos ausentes, imaginar eventos nunca vividos, planejar ações a serem realizadas em momentos posteriores. Esse tipo de atividade psicológica é considerada “superior” na medida em que se diferencia de mecanismos mais elementares tais como as ações reflexas (a sucção do seio materno pelo bebê, por exemplo) [...]. Um exemplo ilustra a diferença entre processos elementares e processos superiores: é possível ensinar um animal a acender a luz num quarto escuro. Mas o animal não seria capaz de, voluntariamente, deixar de realizar o gesto aprendido porque vê uma pessoa dormindo no quarto. Esse comportamento de tomada de decisão a partir de uma informação nova é um comportamento superior, tipicamente humano. O mais importante desse tipo de comportamento é o seu caráter voluntário e intencional (p.26).

Isso nos leva a pensar a educação como atividade, que vem da necessidade da apropriação da cultura humana. Nessa concepção de atividade ligada ao trabalho, sendo uma relação estabelecida com as necessidades humanas, associada à consciência e de caráter voluntário e intencional, a educação se insere nesse processo, considerada como atividade. Rigon, Asbahr e Moretti (2010a), apontam que:

[...] O objeto da atividade pedagógica é a transformação dos indivíduos no processo de apropriação dos conhecimentos e saberes; por meio dessa atividade – teórica e prática, é que se materializa a necessidade humana de se apropriar dos bens culturais como forma de constituição humana (p.24). Desse modo, a escola como instituição responsável pela educação sistematizada tem papel fundamental na apropriação pelo sujeito do legado cultural da humanidade. Na escola a intenção é tornar acessível aos indivíduos o conhecimento de forma organizada. Rego (1995) discute que a escola é:

[...] o elemento imprescindível para a realização plena do desenvolvimento dos indivíduos (que vivem em sociedades escolarizadas) já que promove um modo mais sofisticado de analisar e generalizar os elementos da realidade: o pensamento conceitual.

[...] as atividades desenvolvidas e os conceitos aprendidos na escola (que Vigotski chama de científicos) introduzem novos modos de operação intelectual: abstrações e generalizações mais amplas acerca da realidade (que por sua vez transformam o modo de utilização da linguagem). Como consequência, na medida em que a criança expande seus conhecimentos, modifica sua relação cognitiva com o mundo (p.104).

No processo de ensino na escola, estão envolvidos muitos atores, cujo objetivo está direcionado à atividade de aprendizagem dos alunos, entendendo esta, vinculada aos conhecimentos da cultura humana adquiridas no decorrer da história, mas como aquisição do saber sistematizado que visa o conhecimento da ciência, filosofia e arte. Nesse panorama é de suma importância o papel desempenhado pelo professor, tendo o ensino como atividade, ao qual cabe planejá-lo e organizá-lo (RIGON, ASBAHR, MORETTI, 2010b, MOURA et al., 2010), com atividades de ensino que permitam que os alunos se apropriem dos saberes transmitidos na escola, que pertencem ao patrimônio cultural humano. Mas, podendo desenvolvê-los e transformá-los, com a mediação do professor, que cria as necessidades para que se garanta sua existência cultural, porém tendo o ensino como atividade principal (FURLANETTO, 2013).

A atividade de ensino é uma maneira pela qual se faz a realização da educação escolar. Moura et al. (2010) evidencia a semelhança que se estabelece entre essa atividade e os processos de formação das funções psíquicas superiores que ocorre na relação entre sujeito e objeto, com mediação de instrumentos, nesse aspecto caracterizam a atividade de ensino como:

[...] a máxima sofisticação humana inventada para possibilitar a inclusão dos novos membros de um agrupamento social em seu coletivo, dará a dimensão da responsabilidade dos que fazem a escola como espaço de aprendizagem e apropriação da cultura humana elaborada, bem como do modo de prover os indivíduos, metodologicamente, de formas de apropriação e criação de ferramentas simbólicas para o desenvolvimento pleno de suas potencialidades (op. cit., p.82).

A atividade de ensino que o professor planeja deve buscar promover nos alunos um motivo que seja especial para que sua atividade se desenvolva, que deve estar ligado ao objeto da aprendizagem. Ao professor cabe também organizar a atividade de ensino, conduzir as ações em sala de aula fazendo a orientação dos alunos e a avaliação do processo, desta forma,

buscando promover a atividade de aprendizagem dos alunos. Cedro, Moraes e Rosa (2010) elucidam essas discussões ao colocarem que:

A atividade de ensino é uma particularidade da atividade pedagógica e esta, uma particular atividade no contexto geral das ações humanas no processo de apropriação dos bens culturais produzidos pelos homens ao longo da história. É importante destacar que, sempre que pensamos sobre a atividade de ensino, precisamos nos reportar a um sistema de atividade, já que uma está correlacionada à outra. A situação desencadeadora de aprendizagem se forma por meio da objetivação da atividade de ensino, a qual contempla a elaboração da solução coletiva e a gênese do conceito. Para que a aprendizagem se torne significativa, a atividade de ensino deve desencadear a aprendizagem. Pressupõe-se que o professor crie a necessidade, no estudante, de se apropriar dos conhecimentos teóricos (p.438).

Com isso, o professor atua também para a sua atividade de aprendizagem, tomando consciência de seu trabalho, das contradições nele inseridas, nos problemas a enfrentar, na importância do trabalho coletivo, do papel da escola e dos docentes no cenário político e social (MOURA et al., p.90).

De acordo com Moura et al (2010), a aprendizagem “pode ser entendida como um estado ou processo do que se aprende” (p.87), sendo que Rubtsov (1996) destaca que pesquisas mostraram que desenvolver uma “motivação” para aprender se constitui como resultado do processo de interiorização, que a aprendizagem é coletiva e situa-se entre a atividade interpsíquica e intrapsíquica do sujeito. Para uma atividade ser considerada coletiva Rubtsov (p.136) aponta alguns elementos:

repartição das ações e das operações iniciais, segundo as condições da transformação comum do modelo construído no momento da atividade;

troca de modos de ação, determinada pela necessidade de introduzir diferentes modelos de ação, como meio de transformação comum do modelo;

compreensão mútua, permitindo obter uma relação entre, de um lado, a própria ação e seu resultado e, de outro, as ações de um dos participantes em relação a outro;

comunicação, assegurando a repartição, a troca e a compreensão mútua;

planejamento das ações individuais, levando em conta as ações dos parceiros com vistas a obter um resultado comum;

reflexão, permitindo ultrapassar os limites das ações individuais em relação ao esquema geral da atividade (assim é graças a reflexão que se estabelece uma atitude crítica dos participantes com relação às suas ações, a fim de conseguir transformá-las, em função de seu conteúdo e da forma do trabalho em comum).

Cabe salientar que a atividade de ensino e a atividade de aprendizagem estão unidas em um mesmo processo, não podem ser entendidas de forma dissociada, as abordamos separadamente para estudar suas especificidades, porém devem convergir para um mesmo objetivo, a aprendizagem dos alunos. Como explicitam Moura et al. (2010) que “não há

sentido na atividade de ensino se ela não se concretiza na atividade de aprendizagem, por sua vez, não existe atividade de aprendizagem intencional se ela não se dá de forma consciente e organizada por meio da atividade de ensino” (p. 220-221).

Libâneo (2004) destaca a relação entre cognição e afetividade, o que complementa com o que diz Davidov, que as necessidades e emoções antecedem as ações humanas, então, estas são impregnadas de sentidos subjetivos. Isto também se reflete na escola e na atividade de aprendizagem dos alunos, o que o professor precisa considerar ao organizar uma atividade de ensino, durante seu trabalho e ao avaliar este processo.

A contribuição de Davidov vai além, ele traz que a questão central da aprendizagem é o desenvolvimento mental dos alunos que se dá na cooperação entre adultos e crianças na atividade de ensino (LIBÂNEO, 2004.), ele toma por base as ideias de Vigotski e coloca: “enquanto o aluno forma conceitos científico, incorpora processos de pensamento e vice- versa; enquanto forma o pensamento teórico, desenvolve ações mentais, mediante a solução de problemas que suscitam a atividade mental do aluno”.

Davidov defendeu que um ensino mais vivo e eficaz que busque o desenvolvimento da personalidade deve ir na direção do pensamento teórico, “que se forma pelo domínio dos procedimentos lógicos do pensamento, que pelo seu caráter generalizador permite sua aplicação em vários âmbitos da aprendizagem” (LIBÂNEO, op.cit.). Moura et al. (2010) colocam que a apropriação do conhecimento teórico como objeto de aprendizagem permite, pela atividade de ensino fazer “um movimento de análise e síntese que vai do geral ao particular e do abstrato ao concreto”.

No ensino de ciências, acreditamos ser preciso um repensar que mude a visão preconizada nas escolas de um ensino fora do contexto dos alunos, de pouco significado para eles e que para grande parte promovem um significado estereotipado da ciência e da educação, que às vezes, para alguns é difícil demover, acabando por assumir essa imagem durante a docência (IMBERNÓN, 2010).

Se os alunos não são mobilizados em direção à aprendizagem, poucos se colocam em atividade no ensino de ciências realizado hoje, na maior parte das escolas, isto faz com que seja importante e necessário discutir essas questões na formação inicial de professores, no momento em que a docência é para o aluno um objetivo a ser atingido, ele a tem como meta. Nesta fase as ações realizadas adquirirem sentido para ele coincidente com seu motivo principal, que é formar-se professor, assim, podem vir a resultar em uma formação mais significativa para o enfrentamento das contradições e conflitos da escola básica.

Desta maneira, a formação que as universidades e as faculdades concebem para os licenciandos não pode deixar de abarcar uma perspectiva que inclua o ensino em um contexto social e cultural, não isolado, que permita que conteúdos sejam tratados, também estratégias diversas que possam dar condições dos formandos conhecerem, discutirem e avaliarem, para que possam saber fazer escolhas com mais segurança e imbuídos teoricamente quando docentes.

Só isto não basta, há a necessidade de contato com o contexto escolar, não apenas observar, mas experienciar o lugar que se almeja se colocar como profissional (discutiremos com mais detalhes, no item: O estágio para docência, o contato com a escola).

A formação inicial, segundo Imbernón (2010), deve proporcionar ao licenciando uma bagagem sólida dos conhecimentos científicos, cultural, contextual, psicopedagógico e pessoal, para que possa capacitá-lo para a docência na sua complexidade. Tendo, desta forma, as condições necessárias para apoiar suas ações, evitando “cair no paradoxo de ensinar a não ensinar, ou em uma falta de responsabilidade social e política”, que levam a uma visão funcionalista, um baixo nível de abstração, atitude pouco reflexiva, baixo potencial inovador, dentre outros reflexos.

No processo de ensino, o professor tem em sua aula a intenção da apropriação pelos alunos do saber elaborado e sistematizado, assim o aluno, podemos considerar aqui também o licenciando, é objeto do trabalho do professor, mas precisa ser sujeito de seu próprio aprendizado para que a aprendizagem se realize, o que faz necessário que o aluno esteja em atividade.

Para que seja sujeito e se modifique no processo, tendo assim a aprendizagem, o aluno precisa participar ativamente do processo educativo (RIGON, ASBAHR, MORETTI, 2010a). Desta forma, o processo de educação permitirá, que o aluno em atividade se direcionar ao seu objetivo e ao atingi-lo ele se transformará, como dizem os autores citados, é “a transformação da personalidade viva do estudante, e essa transformação não permanece apenas no ato de ensinar/aprender, mas por toda vida do indivíduo” (p.32). Este conhecimento sendo historicamente acumulado permitirá ao aluno o acesso a um produto da cultura humana, o que o insere em um processo de humanização pelo ensino.

Esse processo não ocorre espontaneamente, sem que haja a intencionalidade e organização do professor, nesse caso é importante que o aluno vivencie um processo de ensino humanizador, para que tenha uma educação significativa, mas tão importante quanto isso, é que o licenciando também conceba esse processo para suas futuras ações como

docente. Se colocar em atividade é fundamental, para que possa motivar os alunos e colocá-lo em situações de efetiva aprendizagem. A formação que promove transformações e mudanças de sentidos, que provoca emoções positivas tende a ser apropriada pelo indivíduo para utilizar quando em sala de aula em situação de professor.

O trabalho em equipe é um elemento importante na formação inicial, pois leva à socialização de ideias, à postura crítica e à cooperação, sendo que o trabalho coletivo é fundamental na profissão docente. Mas, é difícil a articulação, em grande parte das escolas, para que isso aconteça de forma efetiva e contínua, direcionado para organização de atividades de ensino e propostas de intervenções mais amplas. A formação precisa preparar o licenciando para uma profissão que exigirá que ele estude no percurso de toda sua vida profissional, mas também para as mudanças por fazer parte de um processo dinâmico situado histórco e culturalmente, como coloca Imbernón (2010):

Aprender também a conviver com as próprias limitações e com as frustrações e condicionantes produzidos pelo entorno, já que a função docente se move em contextos sociais que, cada vez mais, refletem forças em conflito. Isso significa que as instituições ou cursos de preparação para formação inicial deveriam ter um papel decisivo na promoção não apenas do conhecimento profissional, mas de todos os aspectos da profissão docente, comprometendo-se com o contexto e a cultura em que esta se desenvolve. Devem ser instituições “vivas’, promotoras da mudança e da inovação (p.63).

Na formação dos licenciandos dos cursos de ciências é preciso que aproxime teoria e prática, não é apenas discutir a prática, mas como propõe Libâneo (2010) é associar ao “ensino do pensar ao processo da reflexão dialética de cunho crítico, a crítica como forma lógico-epistemológica” (p.87). O autor citado comenta que este fazer pensar tão fundamental à formação inicial, se refere ao um pensar epistêmico, que forme um sujeito que possa se apropriar de um momento histórico a pensar e reagir historicamente sobre a realidade.