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Pensamento, ação e reflexão na formação do professor

CAPÍTULO 1 – O professor de Ciências: formação e profissão

1.3. Pensamento, ação e reflexão na formação do professor

Várias são as visões que buscam o entendimento do papel da reflexão na formação dos professores, não se pode negar sua importância, mas cabe discutir como ela pode contribuir, efetivamente, para o trabalho docente e como entendê-la em relação à prática, que são questões relevantes para o ensino.

A reflexão da qual falamos é uma relação constante entre o pensamento que está imbuído de referências teóricas, sociais, históricas, culturais e as ações no trabalho, que são indissociáveis, o que também não ocorre em processos de isolamento, mas sim em trocas com o coletivo, para que, então, se internalize para cada sujeito.

O entendimento de reflexão, ou reflexividade, foi e continua sendo discutido, bem como, muito usado sem conotação embasada em uma concepção do trabalho docente e sim como uma expressão da moda ou slogan, como mencionam Pimenta (2010), Alarcão (2010) e Zeichner (2008), o que faz com que o termo perca sua dimensão político-epistemológica, seja utilizado por todas perspectivas educacionais que pretendam tratar da formação docente. Outro ponto observado por Pimenta (op. cit.) que também compromete o entendimento da reflexão no trabalho docente é o que ela chamou de uma tecnização da reflexão, que se operacionaliza em competências necessárias à formação do professor e para sua avaliação. A visão dada à reflexão é comprometida ainda mais quando em cursos de formação considera-se a prática em si mesma, supervalorizando-a, como se a prática desprovida de teoria fosse possível para um trabalho docente consistente e crítico. A autora propõe que:

A análise crítica contextualizada do conceito de professor reflexivo empreendida neste texto permite superar as limitações, afirmando-o como um conceito político-epistemológico que requer o acompanhamento de políticas públicas conseqüentes para sua efetivação. [...] Assim, a análise das contradições presentes na apropriação histórica e concreta desse conceito, evidenciadas na pesquisa teórica e empírica empreendida, subsidia a proposta de superar-se a identidade necessária dos professores de reflexivos para a de intelectuais críticos e reflexivos (Ibidem, p.47).

Segundo Libâneo (2010) encontramos três significados para reflexividade: o primeiro como consciência dos próprios atos; segundo com relação direta com situações práticas; o terceiro como reflexão dialética. Nesta última, o autor aponta que: “a realidade ganha sentido com o agir humano” (p.57), assim deve-se considerar que esta realidade está em movimento, pois abarca os acontecimentos, processos e historicidade, sendo captada pelo pensamento, segundo este mesmo autor, o que se constrói é uma explicação do real, em que esta realidade é uma construção teórico-prática.

Esse significado crítico e dialético de reflexão também é apontado por autores como Freire (1996), Sforni (2003), Ghedin (2010), Ribeiro (2011), dentre outros que trazem a concepção de que o conhecimento se constrói pelas relações humanas e suas práticas, no entanto, não podemos deixá-lo circunscrito apenas nelas, pois há uma dimensão teórica ligada àquilo que pensamos, o que associa prática e teoria, assim:

Perceber a teoria e a prática como dois lados de um mesmo objeto é imprescindível para se compreender o processo de construção de conhecimento. Quando dissociamos estas duas realidades simultâneas,

estamos querendo separar o que é inseparável, pois não existe teoria sem prática e nem prática alguma sem teoria. O que acontece é que por conta de uma percepção alienada, não se percebe a sua dialética. Teoria e prática só se realizam como práxis ao se agir conscientemente de sua simultaneidade e separação dialética. (GHEDIN, 2010, p. 133)

O saber docente se constrói na relação entre a teoria e a prática, que resulta de um processo histórico que é organizado e elaborado pela sociedade e transmitido para o homem, sendo o educador o sujeito que estará na posição de favorecer a aquisição do saber acumulado pela humanidade no âmbito da escola. Cabe ao educador, também, articular o conhecimento que é produzido pelos especialistas com a sua prática, em um processo de internalização e de avaliação, que se faz pela ação desse educador, pela sua experiência e pela cotidianidade,

Para Libâneo (2010), a reflexão se dá no momento de planejamento e de revisão crítica sobre a ação. Com essa consideração, ele aponta três níveis de reflexividade: o primeiro está a um distanciamento da prática, para que permita que esta possa ser vista, entendida e avaliada; no segundo, tem-se a ciência incorporada ao senso comum, mas não há a substituição de um pelo outro; o terceiro é a metarreflexividade, que é pensar sobre os dois primeiros níveis, ou seja, “reflexão sobre a prática da reflexão” (p.70).

Com relação à discussão de várias interpretações e correntes que consideram a reflexão no trabalho docente, Libâneo (op. cit.) aponta o método da reflexão dialética como um deles, que tem sua origem no marxismo humanista, que retornou nos anos 80. Neste se acentua a formação da consciência crítica, cuja unidade teoria-prática, reflexão-ação, tem como base a práxis.

Para considerar a reflexão dialética é preciso conceber o objeto em sua totalidade, inserido em seu contexto, assim a reflexão busca apreendê-lo na realidade concreta, com suas contradições. Para explicar esse movimento dialético Libâneo (2010) se utiliza de um trecho de Ianni (1988)3, que reproduzimos abaixo:

A dialética compreende a realidade como movimento, modificação, devir, história. Trata-se de refletir sobre os fatos, tendo em vista apanhar os nexos internos, constitutivos desses fatos. [...] Assim, parte-se do dado concreto, sensível e, pela reflexão, apanha-se as determinações que constituem o dado. [...] O resultado é o concreto pensado, uma construção teórico-prática, lógico-histórica. [...] A dialética apanha principalmente relações, processos e estruturas; apanha os fatos enquanto nexos de relações sociais, relações essas que os constituem. [...] Esse é o âmbito no qual se expressam as diversidades, as hierarquias, as desigualdades, as divisões e outras formas de relações de antagonismo e contradição (p.59).

Ao falarmos em reflexividade consideramos as influências do contexto institucional, histórico e social nas ações e pensamento dos professores e estes em um sistema coletivo, o que foi proposto como reflexividade crítica; (CONTRERAS, 2002; GHEDIN, 2010; LIBÂNEO, 2010; BORGES, 2010), que vai além de mudanças nas ações e potencialização do pensar sobre elas, mas é uma leitura crítica da realidade. Nessa perspectiva Borges (op. cit.) comenta como se estrutura o trabalho docente, o que é relevante, assim diz que:

O professor deve ter seu conhecimento trabalhado a partir das informações, do trabalho com essas informações e de produzir novas formas de desenvolvimento na produção desse conhecimento a serviço da vida material, social e existencial da humanidade. Deve saber trabalhar mediando entre a atual sociedade da informação e a reflexão-crítica dos alunos para a permanente construção do humano (p.217).

Toda reflexão está historicamente situada, vinculada aos momentos concretos, ao contexto social, político, econômico e histórico, sendo que o ser humano, pelo trabalho, a realiza por um movimento contínuo e dialético entre o fazer e o pensar. Ela é um processo para ser incorporado ao trabalho dos professores como prática coletiva, dado seu caráter social, para que mais que uma reflexão sobre seu próprio trabalho, os professores possam ter interações que promovam ações conjuntas, podendo modificar seu contexto de atuação, para o que Zeichner (2008) diz que o:

[...] aspecto da maioria dos trabalhos sobre o ensino reflexivo é o foco sobre a reflexão que os professores fazem sobre si mesmos e seu trabalho. Existe ainda muito pouca ênfase sobre a reflexão como uma prática social que acontece em comunidades de professores que se apoiam mutuamente e em que um sustenta o crescimento do outro. Ser desafiado e, ao mesmo tempo, apoiado por meio da interação social é importante para ajudar-nos a clarificar aquilo que nós acreditamos e para ganharmos coragem para perseguir nossas crenças (p.543).

A reflexividade como forma de colaborar no fazer-pensar dos professores, considerada em uma concepção crítica, deveria considerar não apenas os problemas imediatos, mas abrangê-los de forma mais profunda, além da sala de aula.

O professor em sua vivência em uma instituição de ensino imerge na cultura do local, é nesse espaço-tempo que ele constrói-se e reconstrói-se, trazendo suas expectativas e necessidades, fazendo parte desse coletivo no qual surgirão identidades e contradições que podem impulsionar mudanças.

A instituição escolar influencia a atuação do professor, o que se estende para todo tipo de escola, trazendo o valor de uma missão de grande responsabilidade, na qual os professores representam o Estado diante da sociedade e a eles é destinado o desenvolvimento moral e intelectual dos alunos, dos jovens da sociedade, assim, “vem-se fixada a partir das formas burocráticas pelas quais se estabelece a regulação do ensino, de suas metas e procedimentos, legitimadas em modos de racionalização que se apresentam com um aval científico” (CONTRERAS, 2002, p.150). Este valor trazido pela instituição e a situação concreta de sala de aula, em geral, não coincidem e geram contradições no trabalho do professor, o que promove a reflexão sobre seu papel no ensino e pode influenciar na mudança de suas ações levando-o ao desenvolvimento profissional. Isso alcançando uma dimensão coletiva pode transformar o contexto escolar.

Contudo, a lógica do controle tecnocrático entra em contradição com a forma pela qual as instituições educacionais expressam o sentido da missão encomendada. Enquanto que, por um lado, se formulam as finalidades educativas, como formas de preparação para uma vida adulta com capacidade crítica em uma sociedade plural, por outro lado, a docência e a vida na escola se estruturam negando essas pretensões. (op. cit., p.152) Essa posição vivida por muitos professores, como forma de redução dos conflitos leva a restrição do ensino à sala de aula e muitas vezes essa contradição faz com que se processe uma transferência da culpabilidade para os alunos, os colegas, o funcionamento da instituição, dentre outros; essa posição carrega um isolamento no trabalho docente que dificulta enxergar o ensino com seus fins, como significado social e desenvolvimento profissional, faz com que os professores atuem como funcionários técnicos em um contexto burocrático. Para alterar esse contexto, Contreras (2002), Libâneo (2010) e Ghedin (2010), propõem que é preciso mais que pensamento e ação, é necessária uma inserção na natureza social e histórica nas práticas da educação, isso seria uma reflexão crítica, que exigiria a organização das pessoas envolvidas por ter um caráter público e uma sistematização para que possa gerar reformulações da teoria e prática social e as condições de trabalho para os professores.

A reflexão crítica não pode ser concebida como um processo de pensamento sem orientação. Pelo contrário, ela tem um propósito muito claro de “definir- se” diante dos problemas e atuar, consequentemente, considerando-os como situações que estão além de nossas próprias intenções e atuações pessoais, para incluir sua análise como problemas que têm uma origem social e histórica. (CONTRERAS, 2002, p.163)

A reflexão crítica traz a proposta de uma formação que possa discutir o ensino problematizando-o para que o professor perceba as contradições existentes entre os objetivos do ensino dado pelas instituições e o que se realiza em sala de aula, as contradições na própria sala de aula, bem como, as relações estabelecidas, concebe também a ideia de olhar de forma histórica e social o desenvolvimento da educação. Busca-se uma visão mais clara do professor sobre o ensino e de seu trabalho, para que se possa ter possibilidade de atuar no contexto escolar visando mudanças que venham transformar seu trabalho e as condições em que ele opera.

Esse aspecto de uma reflexão crítica também é recorrente nos trabalhos de Freire que propõe como fundamental na formação permanente de professores, mas entendemos que cabe também à formação inicial, uma vez que os futuros professores precisam já em sua iniciação à docência, discutir essa questão e, principalmente, vivenciar as instituições escolares. Como coloca Freire (1996), é preciso o referencial teórico associado a uma reflexão muito ligada à prática para que se possa buscar as transformações desejadas.

[...] na formação permanente dos professores, o momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática. É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática. O próprio discurso teórico, necessário a reflexão crítica, tem de ser de tal modo concreto que quase se confunda com a prática... (op. cit., p.39)

A reflexividade na formação do professor nos mostra caminhos que foram sendo aprofundados e colocam pensamento, ação e o contexto, em sentido amplo, de forma associada e complexificada para se tratar do Ensino de Ciências, trazendo questões importantes como a necessidade de romper como o isolamento e o imediatismo, que vêm de uma visão centrada na sala de aula, que precisa ser ampliada para o local onde ela se inclui, onde a instituição de ensino se insere, bem como, as relações que se estabelecem nele. Além de entender o contexto de ensino como histórico, cultural e social, tendo então seu desenvolvimento em uma perspectiva de inter-relações.

O autor coloca ainda, que o professor concebido como intelectual crítico é um profissional que participa ativamente para conseguir desvelar a origem histórica e social da prática de ensino, no cotidiano, que se mostra como “natural”, mas está presa em pretensões e valores educativos pré-concebidos, como os valores ideológicos dominantes. As práticas culturais e formas de organização podem influenciar nas ações do professor, bem como, levar

a uma análise que busque compreender as finalidades educativa e social do ensino, o que, em geral, provoca conflitos.

Nesta perspectiva, o professor busca por uma autonomia, que não é auto suficiência mas, processo coletivo, que tem a intenção de transformar as condições de ensino tanto institucionais como sociais. O modelo do especialista técnico passa uma imagem de autonomia, como algo pessoal que gera uma independência, resistência às influências, traz a ideia de alguém que pode atuar de forma isolada, individualmente. Isto se contrapõe a proposta de autonomia discutida pelo autor, pois esta pressupõe a relação do professor com as pessoas com as quais trabalha, que é algo que se constrói em espaço coletivo, com decisões conjuntas, reflexões críticas, ações direcionadas e, é socialmente participada é, portanto, “uma busca e um aprendizado contínuos, uma abertura à compreensão e à reconstrução contínua da própria identidade profissional” (CONTRERAS, 2002, p.199).

Não é possível prever os resultados de uma formação sob esse modelo dinâmico e complexo que propõe a reflexão crítica, o trabalho coletivo, a práxis, as contradições e o caráter histórico e cultural da docência como propulsores para mudanças no contexto escolar e desenvolvimento profissional do professor. Para isso é necessário promover ações concretas no Ensino de Ciências e buscar um constante repensar dos educadores com muitas trocas, reflexões, que podem trazer algumas soluções e outras dúvidas que levarão a novas buscas, novos conhecimentos, relações diversificadas e assim continua a caminhada, mas mesmo que cada um trace sua trajetória ela se faz em um contexto coletivo, histórico e social, não se dá só em espaço de diálogo, mas de ações.