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O processo histórico-cultural na formação do professor

CAPÍTULO 3 – Teoria Histórico-Cultural e Teoria da Atividade

3.3 O processo histórico-cultural na formação do professor

A Teoria Histórico-Cultural com a riqueza da produção de Vigotski, com a utilização de algumas abordagens de seus estudos e a Teoria da Atividade proposta por Leontiev nos embasarão na busca para identificar a atribuição de sentidos de alunos do curso de Licenciatura em Física, no momento específico do estágio supervisionado, nas disciplinas de Metodologia de Ensino de Física I e II (MEF), em relação à aprendizagem da docência.

Essas teorias, com os estudos de Vigotiski, Leontiev e Engeström colaboram para entender o ensino como apropriação das construções da humanidade. É no trabalho que o homem transforma a natureza e transforma a si mesmo, como dito por Engels, o que pode ser transferido para o professor tomando o ensino como sua atividade de trabalho.

A ideia de mediação por instrumentos e signos, com ênfase na atividade humana, sendo esta última aprofundada por Leontiev, permite compreendermos as relações no ensino, na sala de aula, que não ocorrem de forma direta, mas sempre mediada e esses meios

mediacionais são importantes para que deles tanto os professores que organizam as atividades de ensino nas disciplinas, como os licenciandos, na aprendizagem da docência tenham consciência. Além disso, é preciso conceber a profissão docente em sua complexidade, nas múltiplas relações que se estabelecem no sistema de atividade, como propõe Engeström, o que amplia a visão do licenciando em relação ao seu trabalho docente. Essa concepção permite deslocar a importância dada apenas à transmissão do conteúdo para o caráter formativo, social e cultural da profissão, que buscando a humanização.

Em todo o processo o papel do professor é fundamental, pois ele é o mediador na aprendizagem dos alunos. Ele propicia situações para que os alunos reflitam sobre um tema, buscando promover interações entre o grupo e a aquisição de novos conhecimentos, permitindo que o aluno possa reelaborar, ou incorporar novos significados as suas concepções de mundo e aos conteúdos tratados nas ciências.

Considerando a necessidade de não reduzir a formação do professor somente à sala de aula, mas incluindo uma dimensão mais global, buscamos concebê-la como um processo histórico-cultural o que pode trazer elementos que permitam uma análise mais complexa e mais aprofundada, tomando o trabalho docente como foco. Como aponta Libâneo (2010), essa teoria “possibilita compreender a formação profissional de professores a partir do trabalho real, a partir das práticas correntes no contexto de trabalho e não a partir do trabalho prescrito, tal como aparece na visão da racionalidade técnica e tal como aparece também na concepção de senso comum” (p.74).

Nesta perspectiva, a educação é um processo pelo qual o homem se apropria da cultura humana. Assim, o professor inserido nesta cultura, tem como atividade o ensino, podemos considerar também como sua atividade a aprendizagem sobre ensinar, as quais se efetivam por ações do professor com objetivos orientados. Nesse processo de ensino e aprendizagem que envolve muitos indivíduos, há a apropriação dos conhecimentos da humanidade de forma sistemática, objeto da própria atividade de ensino e de aprendizagem, que leva à transformação dos indivíduos, os alunos e o próprio professor. Rigon, Asbahr e Moretti (2010a) corroboram com essa ideia, apontando que:

A educação como atividade nos faz refletir, também, sobre as atividades desenvolvidas no processo pedagógico. O objeto da atividade pedagógica é a transformação dos indivíduos no processo de apropriação dos conhecimentos e saberes; por meio dessa atividade – teórico e prática -, é que se materializa a necessidade humana de se apropriar dos bens culturais como forma de constituição humana. (p. 24)

Neste aspecto, o professor tem a função de aproximar, dos alunos, os conhecimentos que foram elaborados historicamente pela humanidade, para tanto há a necessidade de organizar o ensino. Assim o trabalho docente passa a ser a mediação na formação do indivíduo, constituindo-o como sujeito, como nos colocam os autores supracitados e complementam que “o processo educativo que gera desenvolvimento psicológico é aquele que coloca o sujeito em atividade” (p.25).

O trabalho do professor pensado como uma atividade é movido por seus motivos, que o fazem traçar objetivos que levam às ações intencionais, essas são fundamentais no processo educativo, para que ao trabalho seja atribuído sentido pelo professor, para que não seja mera tarefa que o torne alienante. Para tanto, cabe ao docente preparar as situações didáticas, que gerem nos alunos o motivo de aprender, como sugerem os autores supracitados:

Nesse sentido, uma das responsabilidades do professor é organizar situações didáticas que favoreçam o desenvolvimento, no estudante, de um querer aprender, uma vez que este não é um valor natural, mas construído historicamente. Construir o motivo de aprender é fundamentalmente uma função educativa que, diga-se de passagem, vem sendo menosprezada por grande parte dos educadores. No entanto, é evidente que muitos dos elementos envolvidos na construção do motivo de aprender ultrapassam o âmbito da atuação do educador. (Ibid., p. 24)

Esse movimento, tendo o professor os motivos que o movem, pode levar à internalização dos significados e atribuição de sentidos, o que se dá pelas relações estabelecidas na vida em sociedade, assim criam-se as condições para que se aproprie das produções historicamente construídas pela humanidade e permita a apropriação por seus alunos dos conhecimentos científicos. No entanto, essa apropriação necessita de condições intencionais e sistematizada criadas pelo professor, como colocam Rigon, Bernardes, Moretti e Cedro (2010):

A função da educação escolar, criada para difundir o conhecimento científico, é a de proporcionar a compreensão do significado de seus conceitos. Tal objetivo implica criar condições para que as gerações posteriores a necessidade humana que gerou a criação do conceito, bem como seu processo de desenvolvimento. Com isso, o estudante se apropria dos conceitos e compreende que é herdeiro do conhecimento desenvolvido pelas gerações precedentes. (p.66)

Os momentos de reflexão na escola quando construídos com e pelos professores, favorecem o desenvolvimento de ações educativas que podem assumir maior significado no

trabalho docente, favorecendo a atribuição de sentidos pelos professores, representando assim um espaço de formação profissional e pessoal. Ghedin (2010) coloca que para que esse processo aconteça tem-se um percurso formativo que é fundamental:

O processo reflexivo não surge por acaso. Ele é resultado de uma longa trajetória de formação que se estende pela vida, pois é uma maneira de se compreender a própria vida em seu processo. Não é algo impossível de realizar-se. É difícil porque a sociedade em que nos encontramos, de modo geral, não propicia espaços para existência da reflexão e a educação, em particular, não raro, reduz-se à transmissão de conteúdos mais do que à reflexão sobre eles e as suas causas geradoras. (p.147)

O movimento da escola, que ocorre no bojo das ações coletivas, de aproximações e distanciamentos entre os sujeitos, de criações e recriações, ao lado da história que carrega e da interação das pessoas que a constituem, só conseguimos perceber quando nos aproximamos de seu cotidiano, quando entendemos sua própria lógica, por isso o estágio assume importante papel na formação do licenciando. Pois, as instituições de ensino guardam um ambiente dinâmico, de pessoas que vêm e vão e, de ideias que se transformam, como nos apontam Ezpeleta e Rockwell (1986):

Na verdade, cada escola é produto de uma permanente construção social. Em cada escola, interagem diversos processos sociais: a reprodução de relações sociais, a criação e transformação de conhecimentos, a conservação ou destruição da memória coletiva, o controle e a apropriação da instituição, a resistência e a luta contra o poder estabelecido, entre outros. Sua interação produz determinada vida escolar, dando sentido exato à relação entre Estado e classes subalternas na escola. A realidade cotidiana das escolas sugere que não se trata de uma relação fixa, “natural”, dada onde invariavelmente os professores e as crianças que nela convivem interiorizam valores e conteúdos que os tornarão operários e cidadãos submissos. Ao contrário, trata-se de uma relação em contínua construção e negociação em função de circunstâncias determinadas. Nestas, entram em jogo interesses e histórias imediatas e mediatas da escola, do povoado e dos sujeitos envolvidos (p.58). O contexto da instituição, social, das relações não pode estar isolado no fazer e no pensar do professor, nem tão pouco este professor pode se constituir de forma isolada, sem um coletivo que o alicerce, assim, desde sua formação inicial o trabalho compartilhado lhe traz a contribuição da reflexão, da diversidade e do coletivo na profissão docente.

No processo de construir um espaço de trabalho coletivo na escola, objetivando ações, mais imediatas, voltadas ao ensino, mas com uma finalidade maior, a de sua formação, essas ações necessitam de uma intencionalidade, que impulsiona o desenvolvimento profissional,

que não pode se fazer independente do pessoal. Esse processo é social, mediado pelas relações interpessoais, mas o sentido apreendido pelo sujeito é único. Daniels (2003) cmenta as ideias de Vigotski sobre a relação sujeito e meio, e o papel do professor na edução:

Vale dizer especialmente que Vygotsky não reconhecia a presença de alguma realidade separada, que incluía apenas o professor e a criança. Ele destacou e estudou o entorno social dinâmico que conecta o professor e a criança (ou seja, os outros adultos e crianças com quem determinada criança realmente vive e interage). O trabalho do professor é particularmente complexo porque, em primeiro lugar, deve estar bem orientado para as regularidades da atividade pessoal da criança, ou seja, conhecer a psicologia da criança; em segundo, o professor deve conhecer as dinâmicas sociais particulares do cenário social da criança; e, em terceiro, deve saber sobre as possibilidades de sua própria atividade pedagógica para usá-las com sensibilidade e, assim, elevar a um novo nível a atividade, a consciência e a personalidade de seus pupilos. É por isso que o trabalho de um professor genuíno jamais pode ser estereotipado ou rotineiro; o trabalho do professor sempre contém um caráter profundamente criativo. (p.43)

O professor ao trabalhar com a participação coletiva dos alunos nas atividades de classe permite que cada aluno realize processos de identificação e de diferenciação no grupo. Leva-o a se constituir como sujeito, porém, sendo um indivíduo pertencente a um grupo, a um contexto social, a uma realidade na qual pode interferir coletivamente e ao mesmo tempo preservar sua identidade. Questões como esta precisam fazer parte da formação para docência, pois ao elaborar uma atividade de ensino o professor precisa pensar em ações que comtemplem os conhecimentos, valores, atitudes e permita a criatividade, mas tenha ações que levem à formação do indivíduo.

Os aspectos históricos sociais e culturais são indissociáveis à formação docente e podem trazer contribuições para olharmos a rede complexa de relações que se estabelece nas instituições de ensino, como se relacionam com o externo, bem como o ambiente mais interno, em uma visão mais micro.

Esse movimento dos licenciandos no decurso da disciplina de MEF e especialmente no estágio, que configura o espaço de atuação mais concreto para desenvolver sua aprendizagem para docência, pensamos que poderá ser marcado por mudanças de sentidos desses licenciandos. Isso não significa que passariam de posições radicais de não quererem ser professor até se convencerem da importância da profissão, embora isso possa ocorrer, mas as mudanças de sentidos podem acontecer também para aqueles que desejam a docência, que durante a disciplina de MEF e o estágio vão se transformando, ou seja, modificando suas ações, seus motivos.