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EDUCAÇÃO INFANTIL DO CAMPO: PERCURSOS EM CONSTRUÇÃO

CAPÍTULO 1: CONTEXTUALIZANDO A PESQUISA

1.3 EDUCAÇÃO INFANTIL DO CAMPO: PERCURSOS EM CONSTRUÇÃO

Nos marcos do direito à educação a todas as crianças, tem se configurado recentemente a EIC, sendo reconhecida como uma política em construção (GONÇALVES, 2013). Essa construção recente remete ao campo e às pessoas que habitam esse território. As especificidades da EC provocam a imersão nessa discussão, instando a busca em reconhecer as pessoas, sua cultura, seus valores, a vida e seu habitat, pois entendemos que são as pessoas que fazem a EC, elas são, portanto, a materialidade dessa política. “Nessa luta, integram-se as crianças do campo na sua particularidade, ampliando, com a possibilidade de configurar a EIC [...]” (CÔCO, 2011, s/p).

Quando pensamos a EIC, portanto, mesmo que num cenário recente, é importante ressaltar, conforme Côco, que, “se a EIC não foi pauta direta, ela também não foi desconsiderada nas diferentes discussões empreendidas” (2011, s/p), quando analisa o contexto da mesma no âmbito do Estado do Espírito Santo. No que concerne ao acesso, Nunes e Corsino (2011) enfatizam que “o acesso à creche é ainda desigual entre as crianças das diferentes regiões do país; entre as da zona urbana e as da zona rural; entre das brancas e pretas ou pardas; e entre as de famílias mais pobres e as de famílias mais ricas” (p. 341).

No bojo dessa discussão, evidenciamos as lutas pelas quais foram necessárias para que a EIC ganhasse visibilidade, o que se evidencia nas pesquisas, atividades e mobilizações que pautaram a demanda do campo e o direito das crianças à EIC (BARBOSA et al., 2012). Quando olhamos para as crianças do campo, estamos falando de crianças que “vivenciam suas infâncias imersas em seus grupos culturais e constroem, com adultos e outras crianças, sua autoestima e suas identidades pessoais e coletivas” (SILVA; PASUCH, 2010, p. 1).

Assim, as pesquisas e estudos apreendidos acerca da EIC vão ganhando espaço e “chamando a reflexão sobre os processos de invisibilização de alguns temas”

(CÔCO, 2011, s/p). A visibilização dessa temática, apreendida tanto nos marcos legais quanto nas diversas lutas travadas diante desse tema, tem nos mostrado que a EIC se alicerça numa:

[...] constituição de uma lógica do direito a ter direitos que mobiliza o jogo interativo de constituição social que permite observar lutas, conquistas, recuos, tensões, acomodações, destaques, silenciamentos e outras inúmeras formas de encaminhar as demandas sociais (CÔCO, 2011, s/p, grifos do autor).

Considerando essa perspectiva, ao destacar a EIC nesse cenário, sabendo das diversidades que envolvem o trabalho com as crianças do campo, levando em consideração o trabalho com a terra desenvolvido pelas famílias, a relação com os adultos, a luta travada diariamente em torno da conquista do território e a luta por melhores condições de vida e permanência no campo, entendemos e marcamos algumas das especificidades em torno da realidade do campo, concordando com Gonçalves (2013, p. 52):

Pensar a EIC como elemento de debate requer, portanto, o nosso deslocamento inicial entre o que acreditamos ser as condições de infância para estes sujeitos, e o que de fato a concepção de infância destes sujeitos nos desestabiliza, entre os mitos da lacuna, e os ideais da urbanidade (GONÇALVES, 2013, p. 52).

Nessa perspectiva, cabe ressaltar a importância do educador que atua nesta etapa da educação, no sentido de compreender as diversidades culturais, econômicas e sociais em que a EIC se insere, num conjunto marcado pela visão generalista de direitos como “[...] de cidadania, de educação, de igualdade que ignora diferenças de territórios (campo, por exemplo), etnia, raça, gênero, classe” (ARROYO, 2007, p. 160). Ao ignorar estes direitos e tendo uma visão generalista de direitos universais, nossa compreensão e nossa importância dadas à especificidade do campo perdem sentido, “esperando” que os direitos de todos sejam garantidos.

Ao ressaltar a importância e a diversidade do campo e da EIC, “[...] de coletivos com suas especificidades culturais, identitárias, territoriais, étnicas e raciais [...]” (ARROYO, 2007, p. 161), reiteramos as especificidades dos diversos sujeitos que habitam o campo e compreendemos a necessidade de pautar, também, a formação para os educadores que atuam na EIC. Advogamos por uma formação alicerçada “[...] a partir da dinâmica social, política e cultural existentes no campo e através das lutas dos movimentos sociais por seu direito à terra [...] à educação e à escola”

(ARROYO, 2007, p. 161-162) e pelo direito a uma educação em que a vida do camponês, dos seus saberes, sua cultura, seu modo de trabalhar a terra sejam considerados.

Uma formação em que o educador do campo perceba que o seu “[...] papel no mundo não é só o de quem constata o que ocorre, mas também o de quem intervém como sujeito de ocorrências” (FREIRE, 2004, p. 79).

Aventamos, pois, dizer que essa formação ocorre na vida e na prática do educador do campo, em que as salas de aula se dão para além das paredes da escola. A escola do campo se materializa em torno das ocupações de terra, na conquista do território, nas brincadeiras ao ar livre, seja embaixo de árvores, numa visita a horta, ou num piquenique com os colegas ou em muitas outras formas de fazer a EIC.

A sala de aula como espaçotempo de formação se amplia para a horta do fundo de quintal, os espaçostempos de formação desse educador vão reafirmando a idéia da não-linearidade, da importância do que acontece no processo, no trânsito da formação em suas diferentes temporalidades (OLIVEIRA, 2005, s/p, grifos do autor).

Desse modo, ser educador do campo é entender que o conhecimento se dá nos diversos ambientes e espaços em que a EIC se concretiza, emerge numa formação que se alicerça na vida, em todos os espaços do campo, conforme afirma Oliveira (2010), “o trabalho docente não se refere apenas à sala de aula ou ao processo de ensino formal, pois compreende a atenção e o cuidado, além de outras atividades inerentes à educação” (s/p).

Nessa concretude em torno da formação dos educadores do campo, os movimentos sociais inserem-se numa política de formação que tenha o campo como espaço de luta, resistência, vida, reivindicando melhores condições para as crianças que nele vivem, em específico no que concerne à educação. Diversas são as parcerias com as universidades públicas de todo o país para garantir formação para os educadores do campo, como “cursos de magistério, cursos normais de nível médio [...], pedagogia da terra em nível de graduação e pós-graduação” (ARROYO, 2007, p. 164). Ao articularmos a EI e a EIC, nos inserimos num campo em construção, dada as especificidades em torno dessa discussão, compreendendo que:

Nosso maior desafio é obter entendimento e uma educação baseada no reconhecimento do outro e de suas diferenças de cultura, etnia, religião, gênero, classe social, idade e combater a desigualdade; viver uma ética e

implementar uma formação cultural que assegure sua dimensão de experiência crítica. É preciso compreender os processos relativos aos modos de interação entre crianças e adultos em diferentes contextos sociais, culturais e institucionais (KRAMER, 2006, p. 812).

Com este entendimento e, reafirmando o reconhecimento dos direitos de todas as crianças, sejam as da cidade ou as do campo, nos debruçaremos nos enunciados dos sujeitos coletivos que vivem em assentamento de Reforma Agrária. Os contextos em que a EIC foi se alicerçando têm muito a nos ensinar, temos muito que aprender com as diversas vozes, com as palavras e contrapalavras (BAKHTIN, 2011, 2012, 2014), no sentido de podermos ir construindo percursos que visibilizem o campo e as crianças que habitam estes territórios.

Na continuidade desse relatório de pesquisa apresentamos, no tópico que segue, a trajetória da pesquisadora com a temática e anunciamos nossa problemática em torno da EIC e os objetivos que alicerçaram nossa pesquisa.