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CAPÍTULO 3: DIALOGIA COM AS PRODUÇÕES ACADÊMICAS

4.4 PRINCÍPIOS ÉTICOS

Ao nos propormos realizar esta pesquisa, tendo como princípio ético a relação de alteridade entre os sujeitos que dela participam, alicerçamo-nos sobre as normas de pesquisas com seres humanos, que no Brasil se concretiza a partir da Resolução 466/12, do Conselho Nacional de Saúde (CNS), ensejando a possibilidade de uma resolução específica para ciências sociais e humanas.28 Guerriero e Minayo (2008) enfatizam que as normas sobre ética em pesquisa com seres humanos sintetizam o que determinada sociedade considera correto e justo, no sentido de os pesquisadores realizarem suas pesquisas embasadas pelas normas e pelo o comportamento dado num determinado momento histórico. “São exemplos de pesquisa em que não está em jogo estudar ou compreender o outro, mas sim estudar ou compreender um fenômeno ou acontecimento com o outro” (GERRIERO et al., 2008, p. 47).

Nesse intento, entendemos que a relação entre os sujeitos da pesquisa deve basear-se no respeito e alteridade, compreendendo esse percurso como um processo em construção. Construção essa alicerçada nos questionamentos, nas dúvidas, nas incertezas, nas possibilidades que podem emergir nessa relação de reciprocidade, em que a “[...] responsabilidade abarca, contém, implica necessariamente a alteridade” (GERALDI, 2010, p. 85).

Assim, ocupar esse espaço em que habitam esses sujeitos (jovens, adultos, crianças, educadores, movimentos sociais, etc.), ou seja, espaço permeado de diversas histórias requer um olhar atento e cuidadoso. Entendemos que, no compromisso com a pesquisa, “[...] não posso fazer como se o outro não estivesse aí, não um outro genérico, mas o outro na sua singularidade que ocupa um lugar no espaço-tempo” (BAKHTIN, 2012, p. 23).

Desse modo, buscamos realizar a pesquisa com os sujeitos do campo, oriundos de assentamentos de Reforma Agrária, compreendendo estes sujeitos como participantes desse processo que propomos pesquisar. Isso implica sinalizar a necessidade de:

28

Foi aprovado no dia 06 de abril de 2016 pelo Conselho Nacional de Saúde o texto da minuta da resolução que diz respeito à avaliação da Ética em Pesquisas em Ciências Humanas e Sociais.

[...] reconduzir a teoria em direção não a construções teóricas e à vida pensada por meio destas, mas ao existir como evento moral, em seu cumprir-se real – à razão prática – o que, responsavelmente, faz quem quer que conheça , aceitando a responsabilidade de cada um dos atos de sua cognição em sua integralidade, isto é, na medida em que o ato cognitivo como meu ato faça parte, com todo o seu conteúdo, da unidade da minha responsabilidade, na qual e pela qual eu realmente vivo e realizo atos (BAKHTIN, 2012, p. 58, grifos do autor)

Nessa direção, “não se trata, obviamente, de uma recusa à teoria, mas da recusa de reduzir o ato singular às simplificações de um modelo teórico fechado em si mesmo” (GERALDI, 2010, p. 84).

Nesse sentido, Amorim (2003) destaca que a teoria se torna ética quando vira ato, e que

assumir um pensamento, assiná-lo, ser responsável por ele face dos outros num contexto real e concreto, tornar o pensamento um ato, eis o que torna possível um pensamento ético [...], portanto, só há ética na dimensão do evento porque é no acontecimento que minha posição singular e única defronta-se com os outros singulares (2003, p. 16).

Assim, adentramos esse território compreendendo que “[...] não há ética sem arena e confronto de valores” (AMORIM, 2003, p. 25). A participação ativa na vida dos sujeitos do campo, por meio da observação participante, da roda de conversa com os educadores do setor de educação do MST, deve, ao nosso entender, ser abrangida como ato responsável, “compreender meu dever em relação a ele [...] o que pressupõe minha participação responsável, e não minha abstração” (BAKHTIN, 2012, p. 66). No sentido de compreender que:

Auto-reflexão e autêntico respeito pela alteridade formam como que um território no qual a pesquisa se instala e acontece. São elementos, por isso, que sugerem ou suscitam o conceito de ética como morada ou modo de habitar o mundo e, mais particularmente, o mundo da produção do conhecimento (GERRIERO et.al, 2008, p. 48).

Com esta intencionalidade, e na relação de responsabilidade perante os sujeitos da pesquisa, precisamos ter a compreensão de que os sujeitos estão/são:

[...] carregados de interpretantes, carregados de palavras, carregados de contrapalavras, enfim, carregados de histórias. As ações do outro, os dizeres do outro, prenhes de sua cultura, quando confrontados com objetos e fenômenos que nos escondem as valorações que nós mesmos lhes atribuímos, mostram-nos o que não mais conseguimos enxergar (GERALDI, 2010, p. 88-89).

Com ética e com responsabilidade, compreendemos que todos nós, sujeitos da pesquisa, aprendemos nesse processo; como nos afirma Freire (1976), todos nós temos conhecimentos, todos nós aprendemos sempre, em constante movimento de troca e de busca do conhecimento. Ninguém é possuidor do saber único, sabedor de tudo, todos nós sabemos alguma coisa. E mergulhamos nesse território imbricados de saberes e possibilidades, construídos juntos, com o outro, e não sobre/para o outro. “Mas se o ato de conhecer é um processo – não há conhecimento acabado [...]” (FREIRE, 1976, p. 53).

Nesse mote, entendemos que as pesquisas alicerçadas numa permanente reciprocidade e num ato responsável perante os sujeitos que participam desse processo “nos mostram que somente a atenção à alteridade pode reconstruir o nosso mundo da vida compartilhando as responsabilidades de nossas respostas ao nosso pertencimento ao humano em processo constante de se fazer” (GERALDI, 2010, p. 99).

No refazer constante e processual, entendemos como Freire que “não apenas temos histórias, mas fazemos a história que igualmente nos faz e que nos torna, portanto, históricos” (2000, s/p), daí a necessidade da alteridade, do respeito, da ética diante da história que construímos junto com os outros ao longo da pesquisa. Portanto, nos encontros, muitas possibilidades emergiram, e voltando a Bakhtin (2011), entendemos que:

eu devo entrar em empatia com esse outro indivíduo, ver axiologicamente o mundo de dentro dele tal qual ele o vê, colocar-me no lugar dele e, depois de ter retornado ao meu lugar, completar o horizonte dele com o excedente de visão que desse meu lugar se descortina fora dele, convertê-lo, criar para ele um ambiente concludente a partir desse excedente de minha visão, do meu conhecimento, da minha vontade e do meu sentimento (BAKHTIN, p. 23).

Diante das questões éticas pelas quais delineamos o percurso desta pesquisa a partir do protocolo do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP)29, enfatizamos que utilizamos o TCLE junto aos sujeitos participantes e que não faremos a identificação dos sujeitos e do município pesquisado (APÊNDICE C, E, H, I, J, K).

29

Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) com o parecer número 1.379.992 em dezembro de 2015.

Assim, no capítulo que segue propomos a análise dos dados a partir da nossa participação e inserção no contexto selecionado para esta pesquisa. Compreendendo, pois nossa incompletude e inacabamento enquanto sujeitos que somos, mas num respeito e alteridade àqueles que nos ouviram, conversaram e se dispuseram a estar conosco nessa caminhada de pesquisa. São nossos olhares a partir dos olhares, dizeres, percursos e lutas de outros tantos, que na pauta da formação dos educadores e na luta pela EC em áreas de assentamentos no Espírito Santo se fizeram presentes, autores dessa nova empreitada.