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CAPÍTULO 2 – EDUCAÇÃO MATEMÁTICA: EM BUSCA DE MUDANÇAS

2.2. Educação Matemática e Educação Ambiental: Conexões Possíveis.

Atualmente, há todo um aparato para analisar os danos causados ao ambiente natural. As modelações matemáticas permitem dimensionar de forma bem precisa esses danos e apresentar os mesmos em dados estatísticos, porcentagens e outros (GRÜN, 1996). Desta forma, entendemos que a matemática pode colaborar para que as pessoas percebam melhor os impactos e desequilíbrios que a ação humana causa no ambiente natural, e também em questões relacionadas a aspectos sócio-econômicos, considerando o ambiente de forma ampla. Além disso, acrescentamos que a conexão entre a EA e EM pode apontar possíveis soluções para problemas ambientais, como no caso de trabalhos com modelagem matemática.

Essa relação entre a EA e EM realmente é muito importante para a compreensão dos mais diferentes problemas, sejam estes presentes na escola ou em outros lugares, porque a partir de quantificações que a matemática nos possibilita fazer, avaliamos melhor uma situação. Meyer (2007) confirma isso, pois destaca que o professor Rodney Bassanezi costuma dizer que quando precisamos resolver ou tentar resolver um problema, podemos inicialmente realizar medições, porque através delas já compreendemos melhor a situação. Entendo que isso realmente é importante porque se, por exemplo, só relatamos que uma floresta foi destruída não podemos ter a dimensão do impacto dessa destruição, sem saber qual foi a extensão da mesma.

Meyer (2007) salienta também que nas escolas podemos trabalhar com quantificações dos diferentes aspectos dos problemas de qualidade de vida, seja estes no âmbito local, regional e/ou nacional. Na opinião desse autor, necessitamos construir e desenvolver ferramentas matemáticas que permitam a avaliação dos fenômenos, e exemplifica isso com situações do cotidiano das escolas:

Um exemplo seria o cálculo de quantos alunos há, na escola, por vaso sanitário, ou quantos metros quadrados de espaço de recreação cabem a cada aluno da escola. Quantificar estas situações permitem avaliar (dar valor) aos seus aspectos. Desse modo se pode, também, "dar valor" a muitos outros aspectos do ambiente escolar, seja no aspecto físico (altura dos degraus, espaço de ventilação, iluminação, carteiras em bom estado versus carteiras quebradas) seja em aspectos sociais, históricos, políticos [...]. (MEYER, 2007, p. 3).

Esses tipos de trabalho, que se situam no campo da matemática aplicada, possibilitam o desenvolvimento de soluções possíveis, a partir dos conhecimentos matemáticos, para problemas reais. Segundo Souza (2007, p. 25), “tomar a realidade simbolicamente, através de

modelos matemáticos, é a possibilidade de atingir o real pelo abstrato da linguagem matemática”. Desta forma, os professores podem formar com seus alunos conceitos a partir da interação com elementos do mundo real.

Souza (2007) salienta que com esses tipos de trabalho procura-se afastar da EM o ensino baseado na transmissão de conteúdos e fórmulas para serem decoradas que não tem relação alguma com a realidade. Assim, propõe atividades de cunho mais empírico, como a modelagem, que podem ser relacionadas a pesquisas e a Etnomatemática, que envolve os aspectos culturais e sociais dos diferentes povos.

Souza (2007) destaca também que os professores de matemática quando incorporam a EA nos seus trabalhos, além de discutirem os aspectos biológicos do ambiente em si, também priorizem as questões socioambientais, da relação homem-natureza. Assim, salienta que os aspectos relacionados à vida cotidiana, como saneamento básico, fornecimento de água potável, saúde pública, níveis de poluição, consumo de água e energia etc., podem ser abordados nas aulas de matemática. Questões mais amplas, como as questões sobre o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e o Índice de Liberdade Humana (HDF) também podem ser analisadas, principalmente por retratarem a qualidade de vida nos diferentes países do mundo. Segundo esse autor “a escola não incorporou nos seus procedimentos pedagógicos, a utilização do instrumental matemático como possibilidade para o tratamento da questão socioambiental” (SOUZA, 2007, p.22).

Aproveitando as considerações acima, seria muito relevante se a escola realmente trouxesse essas questões socioambientais para serem discutidas nas salas de aulas, através da utilização de um instrumental matemático, haja vista que desta forma os alunos poderiam perceber nos conteúdos questões que permeiam a realidade deles, da comunidade, cidade, país e até do mundo, sendo reconhecidas e analisadas. A escola não seria mais um local no qual as disciplinas são estanques, compartimentalizadas em “gavetas” que se abrem e fecham, sem nenhuma conexão entre si, tampouco com as experiências do aluno. Certamente, as aulas de matemática passariam a ter um sentido maior, porque o conhecimento seria contextualizado.

Assim, temos a necessidade de que a escola, como instituição, esteja preparada para incorporar as questões ambientais de forma coerente, sem cair nas armadilhas dos modismos e ao mesmo tempo compreendendo que o desenvolvimento de atividades dessa natureza sejam hoje uma exigência para que a escola cumpra sua função social (SOUZA, 2001, p. 43).

No estado de São Paulo, por exemplo, temos algumas pesquisas que resultaram em dissertações e/ou teses, citadas na introdução desse trabalho, as quais caminharam no sentido

de relacionar a EM e a EA, tendo sido as mesmas desenvolvidas em escolas. Entre estas destacamos duas dissertações defendidas no Programa de Pós-graduação em Educação Matemática da Unesp de Rio Claro (SP) e uma tese defendida no Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade de Campinas (UNICAMP), Campinas-SP.

A primeira dissertação destacada é a pesquisa de Francisco (1999), ressaltando que a proposta de trabalho do mesmo resumiu-se em associar a EM a questões ambientais através de procedimentos de Trabalho de Campo, como uma tentativa de implementar práticas interdisciplinares no ambiente escolar, apontando para reflexões críticas por parte do aluno, do professor e da escola como um todo. O autor lecionou em uma escola de Rio Claro em caráter de substituição por seis meses e neste período desenvolveu o projeto “O Trabalho de Campo em Educação Matemática: A questão Ambiental no Ensino Fundamental”. O professor-pesquisador (Francisco, 1999) estudou juntamente com os alunos a questão ambiental “Produtividade e Preservação do Meio Ambiente”. O mesmo teve como motivação duas perguntas balizadoras: Vale a pena, do ponto de vista econômico, ser um pequeno

proprietário agrícola? Como analisar as relações entre o produtor agrícola e a natureza? Os trabalhos se realizaram em grupos que estudaram setores produtivos da escola (suinocultura, caprinocultura, olericultura, cultura temporária, fruticultura, jardinocultura e avicultura). Cada grupo visitou o setor que era responsável e em sala elaboraram atividades matemáticas, conforme as necessidades dos grupos que estivessem relacionadas aos dados coletados. O mais interessante e relevante nessa pesquisa é que ao término da mesma os alunos perceberam problemas em alguns setores da escola e elaboraram projetos, com o intuito de sanar estes problemas, encaminhando-os a Prefeitura da cidade. Embora a Prefeitura não tenha atendido a solicitação alegando falta de verba, o próprio técnico da escola se dispôs a coordenar a implementação dos projetos.

Outra pesquisa a qual tive oportunidade de analisar e apresentar em uma das disciplinas cursadas em 1999, enquanto aluna de mestrado, foi a pesquisa desenvolvida por Friske (1998). Nessa pesquisa, Friske procurou trabalhar a EA, desenvolvendo um espaço para a construção de conceitos matemáticos, a partir de generalizações construídas socialmente, bem como desenvolver um senso crítico e questionador das questões ambientais. A pesquisadora desenvolveu o projeto em uma escola municipal da cidade de Timbó (SC) e os alunos que participaram no projeto eram de uma quinta série, variando entre 18 e 20 alunos. A pergunta diretriz da sua pesquisa foi: A EM associada à EA poderia possibilitar a

compreensão da realidade e a formação de uma consciência, desenvolvendo o pensamento ativo e assim construir conceitos matemáticos a partir de Generalizações Construídas

Socialmente? Para isso, juntamente com os alunos, resolveu construir um mapa da cidade e com esse objetivo desenvolveu uma série de atividades tanto em sala de aula quanto em campo. Com o processo de construção do mapa, a pesquisadora pretendia possibilitar a construção de conceitos matemáticos e levantamento das questões ambientais, que foram concentradas em sete temas: poluição, lixo/reciclagem, belezas naturais, desmatamento, queimadas, animais em extinção e bosques artificiais. Além do envolvimento dos alunos, teve também o envolvimento da comunidade, pois para construírem o mapa realizaram várias entrevistas e algumas visitas técnicas. Uma atividade muito interessante desenvolvida no decorrer dessa pesquisa foi a elaboração de duas edições do jornal, chamado “Em dia com a 5ª

série”. Outro destaque foi que ao término da pesquisa, os alunos apresentaram na própria escola todas as atividades desenvolvidas em uma atividade chamada de “Dia Cultural”.

Ainda tratando das pesquisas desenvolvidas no estado de São Paulo, a tese destacada é a de Caldeira (1998), a qual se reporta ao desenvolvimento de um trabalho de modelagem matemática. Essa pesquisa teve duas fases: a primeira constituindo-se num curso para professores e a segunda fase, consistindo em interferências na sala de aula. O objetivo maior dessa pesquisa foi a partir de reflexões sobre as interações entre EM e EA, propiciar aos professores uma leitura crítica das suas práticas de sala de aula e depois terem condições de reestruturarem essas práticas. Na primeira fase, os professores participantes (quinze mulheres e três homens), além dos estudos teóricos, desenvolveram atividades de caráter etnográfico, partindo de fenômenos ambientais do local de trabalho dos professores que fossem uma situação problema para a comunidade local. Na segunda fase, após a realização de análises com relação às mudanças de posturas no agir e no saber desses professores, os professores que quiseram continuar participando (na verdade cinco professoras) desenvolveram sete projetos de modelagem matemática nas escolas que trabalhavam. Os projetos desenvolvidos foram: Construção da cobertura da quadra (duas escolas desenvolveram um projeto desse tipo), Canalização do Córrego São Pedro, Construção da Quadra Poliesportiva (duas escolas também desenvolveram um projeto desse tipo), Construção de uma área de lazer, Trânsito na Avenida Jonh Boyd Dunlop e Espaço Físico da Sala de Aula. Esses temas são do cotidiano das escolas participantes, sendo questões problemáticas para a comunidade escolar e para apontar possíveis soluções foram utilizados o instrumental matemático. Todos esses temas desenvolvidos envolveram, além das professoras, os alunos, que de uma forma geral, segundo (1998), vivenciaram atividades que fugiram das aulas expositivas/repetitivas e permitiram que estes vivessem um processo de reflexão-formulação-ação.

Essas pesquisas são apenas exemplos de que se é possível envolver essas grandes áreas em projetos que podem mudar a rotina de uma escola, além de certamente “mudar” os alunos e professores que participam de projetos como estes. Mudar no sentido de reconhecer a escola e as disciplinas curriculares não como obrigações, mas, sim, como possibilidades importantes para uma formação crítica, relacionada com a vida que “pulsa” além dos muros das escolas.