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Educação musical através do teclado – Maria de Lourdes Junqueira Gonçalves e Cacilda Borges Barbosa

No documento Processos criativos no ensino de piano (páginas 54-59)

Verbete biográfico: Maria de Lourdes Junqueira Gonçalves é pianista, professora de

piano, pesquisadora e referência no ensino de piano em grupo, no Brasil. Em 1943, graduou- -se como professora de piano na Escola Nacional de Música da Universidade do Brasil, seguindo a carreira docente até se aposentar como professora titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 1988.

Nasceu em Ponte Nova, no estado de Minas Gerais, em 1924. Descreve o início de seu aprendizado pianístico: “Embora seja mineira, comecei a estudar ‘com professora’ em Manaus, AM. Antes, houve um período em que aprendi ‘por imitação’ com minha irmã mais velha, que, lastimavelmente, faleceu ainda criança. Então, perdi meu ‘modelo’ e passei a apelar para o ouvido [...]” (GONÇALVES; BARBOSA, [s.d.d]). Sua reeducação pianística iniciou-se em 1938, já no Rio de Janeiro, com a professora Maria Theresa Nunes. Mais tarde, ingressou na Escola Nacional de Música da Universidade do Brasil, onde estudou harmonia com José Siqueira, pedagogia com Sá Pereira e piano com Dulce Saules, todos renomados professores da época. Magdalena Tagliaferro, Lúcia Branco e Ilara Gomes Grosso também fizeram parte de sua formação (GONÇALVES; BARBOSA, [s.d.c]; [s.d.d]).

Lecionou piano desde sua graduação e, paralelamente, desenvolveu projetos de pesquisa voltados para o ensino do instrumento em grupo, tema sobre o qual apresentou trabalhos em congressos. Em 1978, participou do programa de pesquisa Brazilian Lecturer/Researcher Program, nos Estados Unidos, estudando com importantes nomes da educação musical estadunidense como Louise Bianchi, Lynn Freeman Olson, Robert Pace, Frances Clark e Louise Goss. A partir de então, dedicou-se à divulgação da metodologia do ensino de piano em grupo, em cursos na UFRJ e na UNIRIO e em outras cidades brasileiras.

Gonçalves publicou Ciranda, cirandinha – estudos tonais sobre o cancioneiro folclórico do Brasil e a série Educação musical através do teclado, em coautoria com Cacilda Borges Barbosa.

Verbete biográfico: Cacilda Borges Barbosa nasceu no Rio de Janeiro, em 1914, e

faleceu na mesma cidade, em 2010. Foi pianista, professora de piano, maestrina, compositora e pioneira no uso de música eletrônica no Brasil.

Aos 14 anos, ingressou no Instituto Nacional de Música do Rio de Janeiro, onde estudou com renomados profissionais da época como Lima Coutinho, Lorenzo Fernandez, Paulo Silva, Francisco Braga, Paulino Chaves, Francisco Mignone, Maria Figueiró Bezerra, Vera Janacópulos, Ernst Widmer e Sá Pereira (BARBOSA, [s.d.a]).

Na década de 1930, iniciou sua carreira de educadora, participando da equipe dos projetos educacionais de Villa-Lobos, no Serviço de Música e Canto Orfeônico do Rio de Janeiro, fundado pelo compositor em 1932 e que mais tarde passou a se chamar Serviço de Educação Musical, onde Barbosa ocupou o cargo de chefe. Foi a primeira diretora da Escola Popular de Educação Musical e Artística, atual Instituto Villa Lobos do Estado do Rio de Janeiro, e professora na Escola Técnica de Assistência Social Cecy Dodsworthna, na Escola Nacional de Música da Universidade do Brasil e na Escola Popular de Educação Musical. Foi regente de diversos corais e conjuntos orquestrais. Em 1965, criou um nova metodologia na Escola de Dança do Teatro Municipal, a ritmoplastia. Viajou para os Estados Unidos, pela Europa e pela Ásia, onde teve contato com novos métodos de ensino musical, publicando livros didáticos como a coleção Diorama, Estudos brasileiros para piano, Estudos brasileiros para canto e piano e, com Maria de Lourdes Junqueira Gonçalves, Educação musical através do teclado (DICIONÁRIO [...], [s.d.]).

Iniciou sua carreira artística como pianista popular, tocando valsas e chorinhos em bailes da noite carioca. Nos anos 1950, foi maestrina da orquestra da rádio Mayrink Veiga. Como compositora, Barbosa teve sua primeira peça publicada em 1928, a valsa Cruzada azul. Entre suas principais obras estão Chibraseando, Cota zero, Lamentações onomatopaicas, Missa em fugas, Segunda missa brasileira, Uirapiranga (DICIONÁRIO [...], [s.d.]).

Educação musical através do teclado

Em 1985, Maria de Lourdes Junqueira Gonçalves e Cacilda Borges Barbosa publicaram Educação musical através do teclado como “resultado de programa de pesquisa sobre a metodologia do ensino de piano em grupo, iniciado na UFRJ e concluído na UNIRIO” (GONÇALVES, 1989, p. vi). Pensado originalmente para o ensino em grupo, também pode ser usado em aulas individuais.

A série tem 4 volumes: Musicalização, Leitura nas teclas brancas, Leitura nas teclas brancas e pretas e Habilidades funcionais, e cada um conta com o livro do aluno e o manual do professor.

No primeiro volume do manual do professor, Gonçalves explicita que o foco da série é integrar execução, criação e audição no processo de ensino e aprendizagem do piano, procurando desenvolver a musicalidade do aluno através do teclado e não se limitando, “como no ensino tradicional do piano, a oferecer prática de técnica e repertório” (1989, p. v-vi).

A autora parte do pressuposto de que a educação musical deve ser oferecida a todos, sem foco na profissionalização, e que o piano deve ser reconduzido “a sua condição de instrumento a serviço da Música e não apenas a serviço do virtuose” (GONÇALVES, 1989, p. v, grifos do original), criticando o ensino tradicional de piano daquela década, voltado à formação de virtuoses, e que ainda hoje é bastante frequente.

No manual do professor, apresentam-se sinteticamente as referências históricas e diversas orientações didáticas e práticas para o ensino em grupo. O método valoriza o protagonismo do aluno, mas lembra ao professor sua posição de líder ao instruí-lo:

• seja um membro do grupo, mais experiente [...] nem sempre liderando [...] mas se necessário, não hesite em lembrar, com certa energia, que o grupo tem um líder e que este líder é o professor. [...];

• ouça com respeito o que o aluno diz ou toca mas quando necessário, encurte, sutilmente, o “discurso” ou as “Variações Goldberg” que porventura surjam, entre as composições;

• faça perguntas claras, busque o diálogo, a discussão em grupo mas não deixe que a discussão se alongue ao ponto de perturbar o ritmo da aula;

• não “ensine” sempre. Deixe que se ensinem, uns aos outros mas não acuse a “cola”. Muitas vezes as crianças aprendem melhor umas com as outras do que com o professor [...] (GONÇALVES, 1989, p. 10-11). Os livros do aluno são sequenciais e os conteúdos são apresentados segundo uma abordagem em espiral, isto é, os conceitos são retomados a cada livro, porém com maior profundidade. Cada livro aborda notações convencionais e não convencionais, aprendizagem de conceitos musicais e prática de habilidades funcionais com ênfase na leitura. Em relação à criatividade, Gonçalves valoriza a criação como forma de expressão do aluno e também como recurso do professor para verificar os conceitos que o aluno já interiorizou.

Considerando que “a leitura é o resultado da experiência musical, e não uma condição para tal experiência” (GONÇALVES, 1989, p. 15), desenvolve-se a leitura desde o primeiro volume, a partir de uma notação não convencional, com o objetivo de criar o hábito de alternar o olhar entre a partitura e a mão, e não somente como uma preparação para a leitura tradicional.

O método começa com o conhecimento da topografia do teclado, movimentando amplamente mãos e braços, com as mãos em posição de cluster nas teclas pretas e brancas. Com movimentos ascendentes e descendentes e trabalhando a noção de duração, o aluno é estimulado a tocar no teclado todo. Há canções tradicionais brasileiras e de outros países com indicação de ritmo e da posição inicial no desenho do teclado e propostas de composição a partir de determinados elementos musicais.

Ainda no primeiro volume, as autoras propõem um trabalho de pré-leitura, com o objetivo de preparar a leitura por intervalos que é desenvolvida no segundo volume. Embora a ênfase esteja na leitura, há também propostas de composição.

O foco do terceiro volume é a pluralidade musical. “Ao terminar este volume, em termos de idiomas musicais, a criança já terá experimentado um pouco de música aleatória, com notação convencional ou não, um pouco de música hexatônica, cromática, pentatônica ou diatônica” (GONÇALVES; BARBOSA, [s.d.a]).

O quarto volume desenvolve habilidades funcionais no teclado: tocar por imitação, ler partituras e cifras, transpor e criar. Conceitos como modo maior e menor, escalas diatônicas etc. são apresentados ou revisados (GONÇALVES; BARBOSA, [s.d.b]).

Segundo análise, a série Educação musical através do teclado valoriza o espaço da criação, o que era inovador na década de 1980. Ainda hoje, ressentimo-nos de métodos brasileiros que, assim como esse, propõem criações dos alunos, introduzem notações não convencionais e a noção de harmonia e estimulam a leitura de cifras, abrindo caminho para a música popular.

No documento Processos criativos no ensino de piano (páginas 54-59)