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Ludus brasiliensis – Ernest Widmer

No documento Processos criativos no ensino de piano (páginas 30-35)

Verbete biográfico: Ernest Widmer, suíço naturalizado brasileiro em 1967, destacou-

se no panorama musical brasileiro da segunda metade do século XX. Pianista, compositor e regente, também foi professor e diretor da Escola de Música da Universidade Federal da Bahia, estado onde viveu desde que chegou ao Brasil, em 1956. Publicou muitas obras musicais, entre elas Ludus Brasiliensis, uma coleção de livros para iniciação ao piano.

Widmer nasceu em 1927, em Aarau, na Suíça, onde também faleceu, em 1990. Estudou música desde a infância e, segundo ele, “aos quatorze anos já havia percebido que

tinha uma conexão com música”10 (WIDMER [...], tradução nossa).Começou a estudar piano, teoria e harmonia com Otto Kuhn e, já nessa época, ensaiou suas primeiras composições. Mais tarde, na graduação, estudou com importantes músicos suíços da época como Paul Müller (regência), Ernst Hörler (canto) e Rudolf Wittelsbach (análise). Foi fortemente influenciado pela pedagogia de Willy Burkhard, com quem estudou contraponto e composição, e por Walter Frey, professor de piano que lhe apresentou a música moderna do século XX. Diplomou-se em 1950 e, por seis anos, foi regente de coro da igreja de Aarau, professor e regente coral na faculdade e professor particular de piano (WIDMER [...]).

Apesar de compor desde adolescente, Fünf Lieder im alten Stil, composta em 1949, é considerada Opus 1. Desde então, compôs obras para coro, conjuntos instrumentais e instrumentos solo, lied e música para a rádio DRS. Leonardo Loureiro Winter, músico e pesquisador, divide a carreira composicional de Widmer em duas fases: “[...] um período suíço, correspondendo aos anos de formação musical e primeiras composições (de 1927 a 1955), e um período brasileiro, correspondendo à maturidade composicional e maior número de obras compostas (de 1956 a 1989)” (WINTER, 2005, p. 136, nota 1).

Ernest Widmer se casou com a cantora brasileira Sonja Born. Após férias no Brasil, em 1956, foi convidado por Hans-Joachim Koellreutter (1915-2005) – reconhecido compositor, ensaísta, educador alemão naturalizado brasileiro e criador do movimento Música Viva – para participar dos Seminários Livres de Música da Universidade Federal da Bahia. Desde então, estabeleceu-se em Salvador, onde passou grande parte de sua vida profissional. Como compositor, produziu mais de 170 obras entre óperas, balés, oratórios, música para orquestra, concertos, música para peças teatrais, trilhas para filmes e outros gêneros.

Atuante da vanguarda musical brasileira da segunda metade do século XX, em 1966, criou o Grupo de Compositores da Bahia, fundamentado na ideia de liberdade de criação, como ele mesmo declarou: “Para encontrar nossa identidade, precisamos nos livrar de preconceitos, preceitos, correntes, correias e escolas” (ERNST [...], [s.d.b]). Sua obra traz diversidade estética, com traços da música tradicional nordestina – pela qual se interessou especialmente –, da vanguarda europeia e estadunidense, da música afro-baiana e do folclore de diversos países (WINTER, 2005, p. 121-122).

       

Ludus Brasiliensis

Ludus Brasiliensis – 5 cadernos de peças progressivas para piano solo foi publicado em 1966. Nas primeiras páginas de cada caderno, Widmer (1966, p. 3) afirma que os cinco livros pretendem contribuir para uma iniciação ao piano, com os objetivos de:

• abrir caminhos para a compreensão da música moderna; 

• despertar o espírito criador do estudante através de improvisações; 

• cuidar da independência das mãos através de cânones de melodias conhecidas;  

• fornecer material para a leitura à primeira vista;  

• facilitar o estudo dos ornamentos e de polirritmos;  

• apresentar músicas com três e mais pautas para acostumar o estudante a ler partituras e tocar em conjunto. 

Os livros têm progressão de dificuldades técnicas e musicais, e os cadernos devem ser estudados peça a peça, sequencialmente. As peças de leitura e improvisação, assim como as de gênero – dança, scherzo, noturno, entre outras –, são numeradas com algarismos romanos iniciando no livro 1, seguindo a sequência pelos seguintes, terminando no livro 5. 

O padrão de indicações de cada peça lembra aquelas do Mikrokosmos, de Béla Bartók, a saber: um pequeno pentagrama indica a extensão das notas da mão direita e da mão esquerda, o andamento é indicado pela figura que representa a pulsação com o número metronômico em cima da pauta, e os segundos aparecem no final de cada peça, à esquerda. 

Algumas características do método revelam os princípios pedagógico-musicais de Ernest Widmer:  

• o uso das claves de sol e de fá já na primeira peça no livro 1; 

• a grande maioria das peças são modais, com poucas peças tonais; 

• o uso de teclas pretas logo na segunda peça do livro 1; 

• a indicação de batimentos na madeira do piano em várias músicas; 

• desde o livro 1, movimento paralelo com as duas mãos, melodia distribuída entre as duas mãos, melodia e acompanhamento, mãos alternadas e condução polifônica entre as duas mãos; 

• ao lado dos tradicionais compassos binários, ternários e quaternários, o uso de compassos diversos, como de 5, 1, 3+2 e 7. 

A estrutura dos livros é semelhante e constitui-se de: 

• 13 peças para leitura à primeira vista, distribuídas pelos cinco livros. O autor recomenda a leitura na presença do professor e propõe algumas etapas a serem seguidas: observar a peça antes de tocar e identificar problemas de dedilhado, ritmo e outros aspectos; ler as frases sempre adiante; tocar devagar etc. 

 

• Peças para “improvisação dirigida". Na introdução de cada livro, o autor orienta o aluno e o professor. Aos alunos, recomenda, por exemplo: “verifique os elementos exigidos e prepare-se em conformidade com isto; toque, improvisando espontaneamente, sem premeditação; caso não consiga improvisar na primeira tentativa, não desanime, experimente mais tarde novamente” (WIDMER, 1966, p. 3). Em relação ao professor, uma das recomendações revela sua preocupação em acolher a produção do aluno, orientando que “não corrija a escolha de notas, acordes ou ritmos do estudante (mesmo tratando-se de acordes ‘absurdos’, por exemplo)” (WIDMER, 1966, p. 3). 

• Canções tradicionais brasileiras e de outros países e composições do autor. Com exceção do livro 5, que tem apenas uma canção, e do livro 3, que não tem nenhuma, cada livros apresenta de 9 a 13 canções. Algumas são enumeradas, como as canções suíças (I a IV), e estão em mais de um livro. 

                           

Peças de outros gêneros como scherzo, rondó, cânone, variações, noturno e gigue. Algumas têm numeração e estão distribuídas entre os livros; por exemplo: scherzo (I, II e III), noturno (I e II), dança (I e II). Há outras que não constituem gêneros, como contraponto (I e II) e mão única (I, II e III). 

• Peças com dificuldade técnico-musical específica. No livro 3, há 10 peças polirrítmicas e 7 peças com ornamentos. 

• Peças para tocar em conjunto. Há peças com 3 pautas e a 4 mãos. O autor indica que o objetivo dessas peças é “acostumar o estudante a ler partituras e tocar em conjunto” (WIDMER, 1966, p.3). 

Após a análise dos cinco livros de Ernest Widmer, é notável a importância que o autor deu ao espaço da criação e à familiarização com a linguagem da música contemporânea. Diante disso, surge uma pergunta que, para ser respondida, exigiria uma pesquisa mais aprofundada que não é foco dessa dissertação: por que um método brasileiro inovador e de boa qualidade é tão pouco conhecido e adotado pelos professores de piano?

No documento Processos criativos no ensino de piano (páginas 30-35)