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Sons da infância – Marisa Fonterrada e Maria Lúcia Pascoal

No documento Processos criativos no ensino de piano (páginas 44-50)

Verbete biográfico: Marisa Trench de Oliveira Fonterrada é educadora musical e

autora de diversos artigos e livros. Considerada referência na educação musical brasileira, é professora livre-docente em Técnicas de Musicalização e professora titular e coordenadora do Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação Musical, ambos do Instituto de Artes da Universidade Estadual de São Paulo (IA-UNESP), do qual foi diretora.

De 1967 a 1977, trabalhou com Schnorrenberg nos Cursos Internacionais de Férias de Curitiba. Foi diretora da Escola Municipal de Música e, com a professora Maria Elisa Bologna, criou a Escola Municipal de Iniciação Artística (EMIA). Foi responsável pela instalação e coordenação da ETEC de Artes do Centro de Educação Tecnológica Paula Souza, da Secretaria de Estado do Desenvolvimento de São Paulo, no período de 2008 e 2009. Fonterrada é membro fundador de The World Forum for Acoustic Ecology e do Fórum Latino-Americano de Educação Musical (FLADEM).

Fonterrada nasceu em Botucatu, no estado de São Paulo, e começou a estudar piano com a professora Maria Aparecida Eichenberg. Mudou-se para Piracicaba, continuou seus estudos de música e foi aluna fundadora da Escola de Música de Piracicaba, àquela época sucursal dos Seminários de Música Pró-Arte, de São Paulo, onde teve oportunidade de estudar com músicos renomados como Hans-Joachim Koellreutter, Damiano Cozzella, Isaac Karabitschevski, Ernst Mahle e Maria Dirce Camargo. Em São Paulo, fez o Curso de Formação de Professores de Música como bolsista da Secretaria de Estado da Cultura de São

Paulo, e teve como professores Roberto Schnorrenberg, Osvaldo Lacerda, Cyro Brisolla, Damiano Cozzella e Diogo Pacheco (informação pessoal).20

 

Em 1977, graduou-se bacharel em Música pela Universidade São Judas Tadeu. Recebeu os títulos de mestre em Psicologia da Educação, em 1991, e doutora em Antropologia, em 1996, ambos pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Em 2001, obteve a livre-docência no Instituto de Artes da Universidade Estadual de São Paulo (IA-UNESP) (FONTERRADA, 2014b). 

Na década de 1980, Fonterrada viajou ao Canadá para estudar o trabalho de Murray Schafer, que:

[...] mudou muito a minha maneira de trabalhar, porque [...] embora seja um músico contemporâneo e trabalhe com todas as técnicas de música contemporânea, Murray Schafer tem um lado a mais, que é a posição de educador. Tem um outro lado ainda que é compreender a música como uma faceta do desenvolvimento humano (FONTERRADA, 2014a).

Responsável pela tradução dos livros de Schafer para o português e por introduzi-lo na educação musical brasileira, entre 1990 e 2011, trouxe diversas vezes o compositor para o Brasil para ministrar workshops e conferências. Atualmente, Marisa Fonterrada reside em Carapicuíba (SP) e atua ativamente nas áreas de educação musical, música, canto coral, ecologia acústica e na área de artes no ensino fundamental, médio e superior (FONTERRADA, 2014b). Ainda no final da década de 1970, escreveu com Maria Lúcia Pascoal Sons da infância, um método para piano analisado nesta pesquisa. 

Verbete biográfico: Maria Lúcia Senna Machado Pascoal é pianista, pesquisadora e

professora de Teoria e Análise Musical, e recebeu diversos prêmios por sua atividade e vasta produção acadêmica.

Pascoal participou do grupo que fundou o Departamento de Música do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), do qual foi chefe e diretora, durante a década de 1990. Entre as décadas de 1990 e 2000, fez parte da Comissão de Especialistas de Ensino do Ministério da Educação e da CAPES. Atualmente, é aposentada pela UNICAMP, onde foi professora e pesquisadora desde 1981 e ainda participa de projetos

       

20 FONTERRADA, M. T. O. Informações biográficas e Sons da Infância. Mensagem recebida por

técnico-científicos e na área de ensino, ministrando disciplinas na pós-graduação como professora voluntária (PASCOAL, 2014). 

Maria Lúcia Pascoal nasceu em São Paulo e começou a estudar piano com Dinorá de Carvalho. Realizou concertos, recitais e completou os estudos no Curso Superior de Piano na Faculdade Paulista de Arte, na classe de Nair Medeiros, onde graduou-se em Piano, em 1958. Na década de 1960, foi aprovada para o Curso de Formação de Professores de Música, da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo, e foi aluna de importantes nomes do cenário musical da época como Cyro Brisolla, Damiano Cozzella, Diogo Pacheco, Osvaldo Lacerda e Roberto Schnorrenberg.

De 1966 a 1974, participou de várias atividades nos Festivais Internacionais de Música em Curitiba (PR), onde começou a trabalhar com teoria, análise musical e música do século XX. Em 1972, cursou Educação Musical Willems, em São Paulo. Em 1974, com bolsa do Governo Alemão para Estudantes Estrangeiros (DAAD), especializou-se em Neue Musik, no International Music Institute, tendo aulas com compositores importantes da vanguarda do século XX, como Mauricio Kagel, Iánnis Xenákis e Karlheinz Stockhausen. Em 1990, concluiu o doutorado em Música pela Universidade Estadual de Campinas, trabalho que consta no Centre de Documentation Claude Debussy, em Paris (informação pessoal).21

 

Ao lado das diversas atividades acadêmicas, Maria Lúcia Pascoal também foi tecladista da Orquestra Municipal de Campinas e criou o curso de Teoria Musical da Escola Magda Tagliaferro, onde foi professora por dez anos. Segundo a própria biografada, “tem experiência na área de Música com ênfase em Análise Musical, principalmente nos seguintes temas: análise musical, música brasileira, técnicas de composição na música do século XX e música brasileira no século XX” (PASCOAL, 2014).  

Além de Sons da Infância, publicou Estrutura tonal: harmonia (livro eletrônico, Cia. Editora Paulista), artigos nas principais revistas brasileiras e nas coletâneas Teoria, Crítica e Música na Atualidade (2012, org. M. Alice Volpe) e Mémoires...Miroirs - Conferências do Simpósio Internacional Jorge Peixinho (Lisboa, 2012, org. Paulo de Assis), e, com Marisa

       

21 PASCOAL, M. L. Informações biográficas e Sons da Infância. Mensagem recebida por

Fonterrada, traduziu O ouvido pensante de Murray Schafer (Ed. Unesp) (informação pessoal).22

 

Sons da infância

 

Sons da infância foi publicado em 1979, numa época em que os métodos tradicionais de ensino de piano ainda dominavam a educação musical no Brasil. Desde o começo, as autoras revelam a intenção de trabalhar a música mais amplamente, indo além da técnica, da aquisição de repertório e do aprendizado da escrita tradicional, os três conteúdos centrais no ensino do instrumento na época. Apesar de modesto, há um incentivo à criação, o que demonstra ligação com as tendências da educação musical da década de 1960. Fonterrada e Pascoal (1979, p. 0) fazem algumas recomendações:  

1. Cada peça poderá ser estudada: 

• cantando; 

• cantando e batendo palmas na pulsação e no ritmo; 

• tocando a mão direita e batendo a pulsação na esquerda; 

• com outras variações. 

2. As harmonias das peças para quatro mãos não foram escritas, ficando a critério do professor. 

3. Fazer o aluno transpor peças conhecidas para outras tonalidades (treino de ouvido).  

4. Incentivar a criatividade do aluno, fazendo-o inventar sobre o que estiver aprendendo.  

5. Motivar o aluno para a análise das peças. 

       

22 PASCOAL, M. L. Informações biográficas e Sons da Infância. Mensagem recebida por

Sons da infância apresenta peças com graduação de dificuldade técnica e de leitura e introduz conceitos musicais ao longo dos exercícios. Logo no início, chama-se a atenção para o entorno sonoro e destaca-se a altura do som, para, em seguida, relacionar esse parâmetro com o piano e propor a criação de uma história em que cada região do teclado é associada a imagens ou personagens.

Depois de desenvolver a percepção da pulsação, as autoras apresentam a escrita tradicional com exercícios na pauta. Desde o começo, utilizam-se as duas claves, de sol e de fá, partindo do dó central – o que também era comum nos métodos de piano norte-americanos introduzidos no Brasil naquela época –, mas não há indicação da fórmula e das barras de compasso, que só são apresentadas na página 31. Para diversificar o trabalho e abordar o teclado todo, há sugestões para se tocar com um dedo, com dedilhados diversos, oitavas acima ou abaixo, com uma mão ou com as duas etc. Além das melodias na pauta, propõem-se exercícios como: 

• melodias escritas a partir de movimentos ascendentes e descendentes, com o tempo medido pelas figuras de duração; 

• frases rítmicas para serem tocadas na madeira do piano; 

• indicação do dedilhado, porém o aluno é quem escolhe as notas;

   

• melodias para treinar a leitura. 

Os conceitos de sustenido e bemol só aparecem na página 41, antes disso, todas as melodias são tocadas nas teclas brancas, a maioria em Dó Maior e lá menor. Algumas peças estão em outras tonalidades, como Ré Maior, Fá Maior ou mi menor, mas as melodias foram compostas somente com as notas sem alteração. A partir daí, seguem-se melodias que usam só as teclas pretas e outras em modos que fogem dos maiores e menores, aproximando o aluno da sonoridade da produção musical da primeira metade do século XX. Há também propostas de improvisação nas teclas pretas ou em blocos de notas. Nas últimas páginas do livro, há uma pequena peça que faz referência ao compositor húngaro Béla Bartók (1881- 1945) e duas canções tradicionais brasileiras para tocar e cantar. 

Sons da infância trouxe inovações para o ensino de piano da época, mesmo que pareçam tímidas ao olhar atual. Havia ainda grande preocupação com a escrita tradicional, sem muita aproximação de uma linguagem mais contemporânea. No entanto, o uso de mãos e pés e da madeira do piano, as melodias nas teclas pretas, as improvisações e mesmo a relação que se faz dos parâmetros sonoros com o entorno revelam uma concepção diferenciada do ensino de piano nas décadas de 1970 e 1980 no Brasil, evidenciando uma abordagem mais criativa.

 

No documento Processos criativos no ensino de piano (páginas 44-50)