• Nenhum resultado encontrado

EDUCAÇÃO PELA COMUNICAÇÃO E SÓCIO-CONSTRUTIVISMO NA CIPÓ*

Cipó Comunicação Interativa

EDUCAÇÃO PELA COMUNICAÇÃO E SÓCIO-CONSTRUTIVISMO NA CIPÓ*

* Texto de Elsa de Mattos, do Núcleo de Avaliação, Sistematização e Disseminação da Cipó, produzido para a pesquisa Educação, Comunicação & Participação com o intuito de apresentar as bases teóricas que fundamentam a prática educativa dos programas da organização. As citações de autores são acrescidas de informações em notas de rodapé ou na bibliografia ao final deste anexo.

A afinidade maior da educação pela comunicação desenvolvida pela Cipó é com o sócio- construtivismo/construcionismo – uma espécie de evolução, ou atualização, do construtivismo.

Enquanto o construtivismo entende a construção do conhecimento como um percurso individual feito pelo sujeito que conhece (o bebê que já é um pequeno cientista desde o seu nascimento), o sócio-construtivismo pensa que o conhecimento é construído numa relação dialógica, eminentemente social, no sentido de que é preciso haver interação entre sujeitos para que o conhecimento ocorra.

As bases do sócio-construtivismo derivam do construtivismo Piagetiano1 e do sócio-

interacionismo de Vigotsky2. No momento em

que passamos da visão do sujeito que constrói individualmente o seu conhecimento para uma visão de construção coletiva do conhecimento, aí temos mais espaço para pensar a educação pela comunicação.

Embora tenhamos uma enorme simpatia por Piaget e suas idéias, devemos reconhecer que elas surgiram no contexto do racionalismo ocidental, que glorifica a razão e coloca o conhecimento como uma possessão individual, em termos de assimilação

e acomodação, ou em termos de aquisição de habilidades ou competências, enquanto processos intrínsecos ao indivíduo. Atualmente, depois que as idéias de Vigotsky tornaram-se mais difundidas no mundo, temos de pensar a construção do conhecimento a partir do social e não mais tomando o indivíduo como lócus do conhecimento (vou voltar a isso mais adiante).

Uma revisão rápida do que aconteceu com o construtivismo de Piaget nos leva a dois caminhos: o cognitivismo e o sócio-construtivismo. O cognitivismo é um movimento eminentemente norte- americano que se intitula “a revolução cognitiva”, mas que nada tem de realmente revolucionário. No contexto americano, onde havia um domínio do behaviorismo clássico (skinneriano3), enquanto

teoria explicativa de como os seres humanos conhecem/aprendem, talvez o cognitivismo seja realmente uma “revolução”. Vou explicar porque. O behaviorismo diz que as pessoas conhecem/ aprendem numa relação direta com o mundo, ou seja, onde o sujeito é uma caixa vazia que recebe tudo do ambiente, numa relação entre estímulo e resposta. Isso tem conseqüências para todas as ciências e práticas sociais, inclusive e principalmente para a educação. Então, o cognitivismo chega e diz assim: o sujeito não é uma caixa vazia, ele constrói o conhecimento, ele tem uma série de estruturas cognitivas internas, esquemas de codificação e sistemas de processamento de informação (Pappert4

gosta dessas metáforas) que ele usa para construir o conhecimento. Essa visão pode ser considerada revolucionária tomando como ponto de partida o behaviorismo clássico (como era o caso nos Estados

Anexo - Cipó

Educação, Comunicação & Participação

Cipó - Comunicação Interativa

66

Educação, Comunicação & Participação

Cipó - Comunicação Interativa

67

Unidos), mas não o construtivismo, porque ela não diz nada de novo em ralação ao que Piaget já tinha dito, ela apenas aprofunda a compreensão sobre os mecanismos internos que o sujeito utiliza para conhecer. Mas, o conhecimento ainda continua a ser entendido como uma construção individual, numa perspectiva da aquisição de habilidades competências e estruturas de pensamento, utilizando esquemas de codificação e processamento de informação.

Bom, então o cognitivismo é um dos caminhos de atualização do construtivismo e o outro, é o sócio-construtivismo. Esse último, parte do sócio-interacionismo de Vigotsky que, resumindo, diz o seguinte: o sujeito conhece, tudo bem, mas antes do sujeito estão as relações sociais, o sujeito para conhecer precisa interagir com outros sujeitos (por isso o nome é sócio-interacionismo). Essa visão, é mais “revolucionária” do que o cognitivismo, porque ela rompe com a idéia de um sujeito individual que conhece o que quer que seja. Essa linha de pensamento retira do indivíduo o lócus do conhecimento, pois o conhecimento não é mais visto como uma aquisição individual, mas está situado no âmbito da relação dialógica entre sujeitos. Ao invés de tomar o sujeito individual como unidade de análise, Vigotsky tomava a “atividade”, a ação interpessoal. Curioso é que Vigotsky e seus seguidores (principalmente Luria e Leontiev) começaram a estudar a linguagem humana para ter essa sacada. Ele usava o termo “ferramenta socialmente construída” para se referir à linguagem humana e achava que a linguagem era um artefato

sócio-histórico que mediava a construção do

conhecimento. Ele começou, portanto, a estudar a comunicação humana para entender isso.

A partir daí, a construção do conhecimento pode ser entendida como essencialmente dialógica, relacional, ao invés de simplesmente cognitiva, intrínseca ao sujeito. Além

disso, ela implica uma série de outros fatores (emocionais, morais, estéticos, lingüísticos), além dos cognitivos. Mas essa perspectiva sócio- construtivista, entretanto, não perde de vista o indivíduo, ela apenas traz à tona o social no processo de construção do conhecimento. Uma das metáforas mais interessantes utilizadas pelos sócio-construtivistas para falar do conhecimento diz que conhecer é “participar” de relações sociais (Gergen, 1994). Essa concepção torna ultrapassada a noção de conhecimento enquanto “aquisição” de habilidades ou capacidades (que representam uma visão exclusivamente do plano individual). Ela fala de “transformação na participação”, envolvendo tanto os indivíduos, quanto seus parceiros nas atividades/ações que desenvolvem (essa visão é mais ampla, pois não considera somente o plano individual). O conhecimento é produto, não da ação individual, mas da ação conjunta (joint-action),

intersubjetiva, mediada por artefatos (Rogoff,

1998). Isso tem conseqüências para a educação, onde se fala, por exemplo, no desenvolvimento de comunidades de aprendizagem, inteligência coletiva etc. (essas são as metáforas mais comuns).

A educação pela comunicação pode ser entendida, a partir dessa perspectiva, como uma metodologia de ensino-aprendizagem que parte da teoria sócio-construtivista de construção do conhecimento e pressupõe a participação

ativa (dos sujeitos envolvidos) na produção de peças/produtos/processos de comunicação.

Essa participação se dá numa ação conjunta (joint-action) com outros indivíduos, onde existe o tempo todo a produção de artefatos (peças/produtos/processos de comunicação) que são socialmente relevantes e que servem de mediadores à construção do conhecimento (pois a aprendizagem se dá pelo fazer). Portanto, o sujeito produz conhecimento (aprende) numa interação dialógica, comunicacional, entre indivíduos, produzindo esses artefatos. Essa não é uma forma de participação qualquer, é uma participação bem

Educação, Comunicação & Participação

Cipó - Comunicação Interativa

Educação, Comunicação & Participação

Cipó - Comunicação Interativa

específica, mas que tem um grande potencial de amplificação da participação pela própria natureza da comunicação nos dias atuais. Por isso, na Cipó, temos um complemento a essa definição básica, quando dizemos que as peças/produtos/ processos de comunicação produzidos, uma

vez disseminados, geram novos processos de educação e mobilização social. Porque a própria

natureza da comunicação nos dá essa possibilidade de amplificação dos processos e, além disso, a instituição da qual fazemos parte tem um fim social.

Isso tudo é uma digressão epistemológica, creio, para situar a educação pela comunicação no universo das teorias do desenvolvimento e da aprendizagem. Porque ela se propõe a ser uma metodologia de ensino-aprendizagem, então tem que estar respaldada numa teoria do desenvolvimento/ aprendizagem (não pode estar somente respaldada numa teoria da comunicação). Mas ainda é preciso falar da questão da metodologia propriamente dita. O que toda essa história de conhecimento enquanto relação dialógica, enquanto interação, participação em ação conjunta, tem a ver com essa metodologia

de ensino-aprendizagem que é a educação pela

comunicação? Ou seja, como a educação pela comunicação promove a aprendizagem?

Paulo Freire chamava de “educação bancária” as metodologias tradicionais que partem de concepções mais rígidas de aprendizagem. O sujeito que aprende é visto como uma caixa vazia, onde o professor vai colocar os pedaços de informação dentro. Como diz Paulo Freire, essa forma de ensinar é igual a uma conta bancária na qual vai se depositando dinheiro. Aqui, os papéis estão pré- definidos, temos o educando passivo de um lado e o educador ativo de outro. Essa metodologia de ensino-aprendizagem pressupõe que a atividade está do lado do educador, do lado exterior ao sujeito, no “ambiente”. É uma concepção behaviorista: os educadores são responsáveis por preencher os educandos com conhecimento e informação,

enquanto o educando é um receptor passivo. Com o construtivismo, essa relação se inverte. O aluno passa a ser visto como pólo ativo, é o sujeito que constrói o conhecimento, é ele quem “aprende”. Piaget dá muita ênfase aos processos que ocorrem no âmbito “interno” do sujeito, sobretudo processos cognitivos, processos intrínsecos de assimilação e acomodação do conhecimento., são facilitadores, são mediadores. O educador é entendido como facilitador da aprendizagem, alguém que “ajuda”, que “criam as condições necessárias para a aprendizagem”, mas quem constrói o conhecimento é o educando. Entretanto, de certa forma, assim os papéis ficam pré-definidos também. Quem aprende á o aluno, o professor é o facilitador. Mas isso é pouco, porque, na verdade, os adultos, os educadores, aprendem também e reconstroem conhecimentos no processo. Então, eles não estão apenas “criando as condições necessárias” ou “facilitando” a aprendizagem dos alunos, eles estão aprendendo também, produzindo novos sentidos, co-criando, re-significando o que já sabiam, se reinventando, enfim.

Tomando-se o partido do sócio-

construtivismo, entende-se que há uma

comunidade de aprendizagem onde todos estão aprendendo e participando. Alguns assumem, em certos momentos, determinados papéis e os outros, assumem outros papéis, mas tudo isso pode se inverter, porque todos estão colaborando, todos estão se desenvolvendo. Os adultos criam algumas condições necessárias, de início, mas as crianças, adolescentes e jovens podem criar outras, e todos transformam seu entendimento, seus papéis e suas responsabilidades enquanto participam nesse processo. Então, aqui, a metodologia implica que todos são ativos, porque a ação/atividade é conjunta (joint-action). Isso não quer dizer que, no início, exista uma simetria entre os papéis dos adultos e das crianças/jovens. Crianças/jovens e educadores são ativos e colaboram, mas, inicialmente, os adultos são mais responsáveis por guiar o processo

Educação, Comunicação & Participação

Cipó - Comunicação Interativa

68

Educação, Comunicação & Participação

Cipó - Comunicação Interativa

69

e apoiar os mais jovens. No decorrer da atividade, à medida que o tempo vai passando, entretanto, todos vão transformando a participação. Então os papéis não estão pré-definidos, ou estão pré- definidos apenas inicialmente, por um curto período de tempo.

As pessoas dialogam e interagem bastante nesses ambientes, porque ninguém detém o conhecimento como algo acabado, como um estado final onde alguns (geralmente os educandos) têm que chegar. Não existe “instrução” no sentido tradicional, todos estão participando ou se transformando à medida que participam das atividades/ações. Nessas circunstâncias, os autores como Rogoff (1998) se referem a “novatos” (newcomers) e “mais experientes” (old-timers) para falar dos papéis de educandos e educadores. Mas, à medida que o tempo passa, os novatos vão se tornando mais experientes e assumindo cada vez mais responsabilidades e participando cada vez mais ativamente no processo (e até se tornam multiplicadores em suas escolas e comunidades). Assim também ocorre na Cipó. A gente, quando fala disso, diz que os meninos mais novos ainda estão “verdes”, depois vão ficando mais “maduros”. É uma outra forma de dizer a mesma coisa.

Alguns autores, ao invés de usarem o termo “comunidade de aprendizagem”, falam de “comunidade de prática”, porque acham que comunidade de aprendizagem soa como algo artificial (Lave e Wanger, 1990; Wenger, 1998). O termo comunidade de prática se aplica mais facilmente às ONGs do que às escolas, pois nas últimas os ranços da educação tradicional são muitos.

Nos programas desenvolvidos internamente na Cipó, esse tipo de colaboração, de comunidade de aprendizagem dialógica é mais comum, ou mais prevalente, nos programas mais longos, de um ou dois anos, como o Estúdio CIPÓ de Multimeios, o Sou de Atitude, a Central CIPÓ de Notícias. O Cibersolidário ainda está em fase

experimental, porque está no início, mas deverá ser um híbrido. A Escola Interativa é um híbrido também, porque lida com duas culturas ou com duas formas de entender a educação, uma da Cipó e a outra das escolas, uma mais dialógica, a outra mais tradicional. E o que o programa faz é justamente experimentar com professores e alunos essa forma mais dialógica de construir o conhecimento e vai vendo o que acontece na prática. Em cada escola acontece de um jeito. Algumas escolas, após dois anos passam a adotar práticas mais dialógicas, outras não. Porque não depende só da gente, e sim de um conjunto de circunstâncias, envolvendo inclusive políticas educacionais.

Resumindo, a educação pela comunicação enquanto fundamentada no sócio-construtivismo é uma metodologia que:

 Enfatiza processos e produtos: os

processos de aprendizagem são dialógicos e os produtos são artefatos socialmente relevantes, que servem de mediadores na construção do conhecimento. Aprende-se fazendo/produzindo esses artefatos;

 Os papéis de educadores e educandos

se transformam ao longo do processo, não estão pré-definidos, pré-fixados. As responsabilidades são compartilhadas durante todo o processo, mas não são simétricas (i.e. não são totalmente equivalentes). Educadores são “mais experientes” e, no início, criam as condições para que os educandos construam o conhecimento e, muitas vezes, orientam diretamente os educandos em ações conjuntas, mas eles também constroem novos conhecimentos e se desenvolvem no processo. Educandos são “novatos”, no início, mas podem tornar-se educadores mais adiante, multiplicando o processo em suas escolas e comunidades. Todos se transformam, participam e aprendem;

Educação, Comunicação & Participação

Cipó - Comunicação Interativa

Educação, Comunicação & Participação

Cipó - Comunicação Interativa

de todo o processo e tem como finalidade ajudar/promover o desenvolvimento/apren- dizagem do educando, dos educadores e da instituição (pois não dá para pensar numa avaliação que só veja o nível individual também). Os erros são incorporados ao processo de aprendizagem e servem para orientar ações futuras, tanto dos educandos, quanto dos educadores e da instituição. A principal avaliação é a que se dá no contexto das atividades de aprendizagem, no fazer cotidiano, no diálogo entre educadores e jovens;

 A colaboração na construção do

conhecimento gera “transformação da participação”, muito mais do que meramente aquisição de habilidades e competências individuais. No início, os educandos são “verdes”, são novatos no processo e os educadores são mais experientes. Depois, os educandos vão participando mais e ficando, eles próprios, mais experientes, assumindo cada vez mais responsabilidades na condução das ações, na produção das peças/produtos/ processos de comunicação e na disseminação dos mesmos.