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Projetos Educação, Comunicação & Participação

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Academic year: 2021

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Fernando Rossetti (Editor-Chefe)

Educação, Comunicação & Participação

Perspectivas para Políticas Públicas

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Fernando Rossetti (Editor-Chefe) Patricia Vasconcellos (Edição e Pesquisa) Alexandre Le Voci Sayad (Revisão)

Educação,

Comunicação

& Participação

Perspectivas para Políticas Públicas Projetos de

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Apresentação | 4Introdução | 7

1. Contexto Histórico | 7 2. Resultados e Limites | 10 3. Desafios Estruturais | 14

4. Parcerias, Redes e Voluntários | 21 5. Aprender Fazendo | 24

Conclusão | 29

Cidade Escola Aprendiz | 31Fundação Casa Grande | 45

Cipó - Comunicação Interativa | 55Comunicação e Cultura | 70

MOC - Movimento de Organização Comunitária | 84Multirio - Empresa Municipal de Multimeios | 97NCE - Núcleo de Comunicação e Educação | 116

Oficina de Imagens | 139

Agência Uga-Uga de Comunicação | 152

Instrumentos de Pesquisa | 163

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Educação, Comunicação & Participação Educação, Comunicação & Participação

Apresentação

Apresentação

Apresentação

Este Relatório tem como objetivo contribuir para a disseminação de projetos envolvendo Educação,

Comunicação & Participação em escolas públicas

de ensino fundamental e médio. É um trabalho de sistematização de idéias, estratégias e metodologias levantadas ao longo de um processo de pesquisa, junto a experiências envolvendo crianças, adolescentes e jovens.

O projeto de pesquisa, sistematização e disseminação de experiências nessa área resulta de uma parceria entre o UNICEF, a Educarte (pesquisa e editoração) e a Central de Projetos (administração), e prevê a produção em 2004, a partir deste material, de um manual para secretários municipais de Educação.

A fase de levantamento de dados envolveu, além de diversas leituras, visitas de três dias, em média, a nove instituições em seis estados brasileiros1:

 Agência Uga-Uga de Comunicação (Manaus,

AM)

 Cidade Escola Aprendiz (São Paulo, SP)  Cipó - Comunicação Interativa (Salvador,

BA)

 Comunicação e Cultura (Fortaleza, CE)  Fundação Casa Grande (Nova Olinda, CE)

 MOC - Movimento de Organização

Comunitária (Feira de Santana, BA)

 Multirio (Rio de Janeiro, RJ)

 Núcleo de Comunicação e Educação

da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo – NCE/ECA/ USP (São Paulo, SP)

 Oficina de Imagens (Belo Horizonte, MG)

A escolha dos projetos buscou retratar a diversidade das experiências em Educação, Comunicação &

Participação que vêm ocorrendo no país.

A Introdução apresenta os elementos considerados constitutivos do conjunto das experiências. Começa com um contexto histórico, situando elementos determinantes para a emergência da Educação,

Comunicação & Participação. Em seguida, alinha

os principais resultados alcançados pelos casos analisados e algumas das limitações comuns a eles.

O terceiro item da Introdução, denominado Desafios Estruturais, busca demonstrar que a disseminação de projetos desse tipo, com qualidade e sustentabilidade, deve considerar – e, freqüentemente, modificar – a forma como as redes de ensino estão estruturadas – desde a carreira docente e os mecanismos de nomeação de diretores até o currículo.

Em quarto lugar, a Introdução analisa potenciais e entraves das Parcerias, Redes e Voluntários. Por último, discute os conceitos e práticas pedagógicas

Apresentação

1 Os termos em negrito são os nomes pelos quais as instituições são mais conhecidas; esses nomes serão utilizados para referir-se a elas ao longo deste Relatório

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Educação, Comunicação & Participação Educação, Comunicação & Participação

Apresentação

dominantes nas experiências, analisando alternativas existentes e ações necessárias para a implementação de políticas públicas na área.

Na seqüência da Introdução, são apresentadas as nove experiências visitadas durante a pesquisa, enfocando, em cada caso, as principais questões envolvidas nesse tipo de projeto. Essas questões foram agrupadas em nove itens:

1.História

Traça o histórico do projeto, analisando seus principais elementos constitutivos

2.Gestão

Aborda a administração do projeto, mecanismos de decisão e planejamento

3.Sustentabilidade

Analisa os fatores que garantem – ou ameaçam – a continuidade do projeto

4.Parceria com a Escola

Descreve como o trabalho se relaciona com as escolas e o sistema educativo

5.Pedagogia/Metodologia

Apresenta os principais conceitos, metodologias e materiais da experiência

6.Participação

Discute as estratégias de promoção de processos participativos no projeto

7.Relações

Alinha padrões de relacionamento decorrentes da cultura organizacional

8.Registro, Sistematização, Avaliação e Disseminação

Situa o estágio alcançado pela experiência nessas quatro áreas

9.Resultados e Produtos

Aponta os principais resultados e produtos da experiência, e suas perspectivas

Optou-se, nesses nove relatórios relacionados às experiências analisadas, por apresentar, na medida do possível, apenas a função de cada entrevistado e não seu nome próprio. Isso se deve ao fato de que, na enorme maioria das vezes, a compreensão de cada experiência envolveu dezenas e, por vezes, centenas de entrevistas (algumas em grupos grandes), e não faria sentido citar uma pessoa sem citar muitas outras. Assim, cita-se o nome de um entrevistado apenas nos casos em que a compreensão da experiência e do texto sobre ela exija isso.

Ao final do relato sobre cada experiência, há também anexos, desde instrumentos pedagógicos utilizados pelo projeto até textos que contribuem para a compreensão do trabalho.

Os nove relatos são acompanhados de uma ficha técnica, com uma síntese dos dados principais da organização que promove a experiência. Essa ficha foi um dos instrumentos utilizados para coleta de informações. Também foi aplicado um extenso questionário, essencialmente aberto, voltado para os gestores e educadores envolvidos e outro, voltado para os estudantes participantes. A metodologia de aplicação desses instrumentos envolveu desde entrevistas gravadas, individuais e em grupo, até oficinas em que os estudantes e educadores produziram textos.

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Educação, Comunicação & Participação

Apresentação

A construção dos instrumentos da pesquisa teve o apoio de um grupo de consultores formado por pessoas de diversas origens institucionais2.

Os textos deste Relatório têm caráter mais jornalístico – com descrições e análises – do que científico. Eles não se pretendem acadêmicos. O uso de termos ou conceitos como Educação, Comunicação

& Participação não se refere diretamente a qualquer

autor ou linha de pensamento – e quando o faz, cita a fonte no próprio texto ou em notas de rodapé. Recomendamos , inicialmente, a leitura da Introdução, seguida do texto sobre o NCE/ECA/

2 Cíntia Leandro (Central de Projetos), Gabriela Goulart (ANDI), Iracema Nascimento (Ação Educativa), Maria Helena Bonilla (UFBA), Mario Volpi (UNICEF), Rachel Mello (UNICEF), Vânia Quintão (UnB)

USP, por ser o projeto que, promovido por um núcleo

universitário, vai mais fundo na fundamentação teórica de sua prática – sendo que muitos dos outros projetos se referem a termos por ele introduzidos no país, como a educomunicação.

Ao final, a Conclusão traz, muito sinteticamente, os dois caminhos principais para a disseminação em escolas de projetos nessa área, situando quem são os parceiros ideais para cada uma dessas estratégias.

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Educação, Comunicação & Participação

Introdução

Introdução

CONTEXTO HISTÓRICO

As nove experiências apresentadas neste Relatório vivem realidades muito distintas. Considerando apenas o contexto regional, há ações no Amazonas, na Bahia, no Ceará, em Minas, Rio e São Paulo. Os projetos são liderados por ONGs, pela Universidade, pelo governo e alguns resultam de parcerias entre os três. Os processos educativos envolvem de dezenas de crianças e jovens a milhares de estudantes e professores. Os orçamentos das instituições variam de R$ 100 mil a R$ 25 milhões por ano.

A diversidade de produtos de comunicação criados pelo conjunto dos projetos é igualmente acentuada: sites na internet, jornais, revistas, programas de rádio, fanzines, vídeos, livros, campanhas, cartazes, murais, histórias em quadrinhos, materiais didáticos e para-didáticos, entre outros. As metodologias de desenvolvimento desses produtos também variam significativamente.

No entanto, num contexto mais amplo, esses projetos compartilham uma série de raízes históricas, notadamente nos três campos em que suas ações se desenvolvem: Educação, Comunicação

& Participação.

1.1. Educação

O campo da educação passa por enormes transformações no plano internacional e, mais ainda, no nacional. Expressões como sociedade do conhecimento, sociedade da informação, lifelong learning (“aprendizagem por toda vida” ou formação continuada), entre muitas outras, são rapidamente

incorporadas ao vocabulário cotidiano de boa parte das sociedades contemporâneas.

No Brasil, as reformas educacionais ganharam vulto e velocidade cada vez maiores, desde o início do processo de democratização no país. Uma breve lista dessas mudanças dão a dimensão do que vem ocorrendo na área nos últimos anos:

 A iminente universalização do acesso ao ensino fundamental dos 7 aos 14 anos e a expansão do ensino médio e superior acima de 10% ao ano

 A nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a LDB (9394/96)  O lançamento pelo Ministério da Educação

(MEC) dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), com seus Temas Transversais

 A possibilidade legal para as escolas de ensino médio implementarem ações e projetos próprios em 25% do currículo  A redefinição dos mecanismos de alocação

dos recursos da Educação, como a emenda constitucional que criou o Fundef, em 1996, e a compra de vagas em universidades privadas, proposta pelo PT em 2004

 O desenvolvimento de complexos sistemas de avaliação associados às políticas educacionais

Além disso, novos atores sociais entram na arena da Educação, principalmente por intermédio daquilo que vem sendo chamado no Brasil de

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Educação, Comunicação & Participação

Introdução

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Introdução

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Terceiro Setor. Vários estudos – e a própria emergência de núcleos de pesquisa e formação nessa área – indicam um “boom” de organizações não-governamentais (ONGs) no Brasil a partir da década de 90 – desde fundações e institutos ligados a grandes empresas nacionais e transnacionais até pequenas organizações de atendimento direto. Associado a isso, há ainda o crescimento das ações de voluntariado.

Na produção teórica, ocorre uma proliferação de estudos que alteram desde a maneira como se concebem os processos de ensino-aprendizagem e o desenvolvimento humano (construtivismo, construcionismo, sócio-interacionismo etc.) até propostas de recortes mais amplos para os sistemas educativos. Surgem e se consolidam conceitos e expressões como ações complementares a escola, educação integral, cidades educadoras, entre outros, indicando que educação é mais do que aquilo que se desenvolve estritamente no universo escolar – e, especialmente, mais do que os conteúdos que são tradicionalmente trabalhados nas escolas.

O jovem sujeito da educação vive hoje em um mundo cada vez mais fragmentado, com o fim das grandes narrativas e o enfraquecimento das instituições – família, escola, Igreja. Neste cenário complexo, ganha importância o papel da educação no processo de construção da identidade dos indivíduos. A escola predominantemente transmissora de conteúdos e de comportamentos passa a ser colocada em questão.

1.2. Comunicação

No campo da comunicação, as mudanças são ainda maiores. A confusão atual em torno dos suportes para música é uma boa ilustração disso. Na virada de 2003 para 2004 ninguém no mundo sabia qual será o suporte de música dominante no século 21. O vinil acabou. Os CDs já estão ficando defasados. Surgem sites na internet especializados em disponibilizar música digitalizada, com diversos programas, a maioria não-compatível. Novos

aparelhos de reprodução de música são lançados praticamente todos os dias, por vezes acoplados a outras tecnologias de comunicação, como os telefones celulares.

Jornais impressos agora disputam leitores com a internet – e sua capacidade quase infinita de armazenar e transmitir informações. A produção de vídeos vem barateando a tal ponto seus custos que é possível imaginar num futuro próximo todas as escolas com acesso a esse tipo de produção.

Essas mudanças na comunicação impactam profundamente a Educação e a própria cultura humana – fato destacado por todos os projetos analisados. Aqui também se multiplicam as pesquisas, a ponto de serem propostos novos campos de atuação social, como a educomunicação, apresentada no texto à frente sobre o NCE/ECA/

USP. É um movimento até antigo – considerando

que cada nova tecnologia de comunicação e informação resulta em debate teórico, no mínimo, desde a prensa de Gutemberg, no século 15. A questão é a velocidade que as inovações tecnológicas adquiriram nessa virada de milênio.

1.3. Participação

Transformações não menos significativas vêm ocorrendo no campo da participação, que podem ser bem ilustradas, no plano internacional, com a queda do Muro de Berlim, em 1989, e o que isso representa para a fundamentação ideológica das ações sociais, públicas e privadas.

No Brasil, a redemocratização do país promoveu e ampliou a circulação de expressões como direitos humanos, direitos das crianças e adolescentes, protagonismo juvenil e a própria participação. A palavra cidadania, de tão usada, até perdeu impacto.

Nesse contexto mais amplo, é preciso considerar ainda a profunda reestruturação que vem acontecendo na economia mundial, exemplificada na importância que ganhou a expressão globalização – e suas implicações para a formação dos cidadãos e para a inclusão social.

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Educação, Comunicação & Participação

Introdução

Educação, Comunicação & Participação

Introdução

Ou seja, há muitas raízes históricas comuns às nove experiências apresentadas neste Relatório, apesar da diversidade de origem. Por outro lado, algumas diferenças revelam como os projetos se relacionam com esse contexto mais amplo.

1.3.1. Sociedade Civil Organizada

As duas organizações mais antigas (Comunicação

e Cultura e MOC), fundadas antes de 1990, têm

na origem alguma relação com movimentos sociais ditos de esquerda, quando a polaridade entre capitalismo e comunismo ainda fazia sentido. O

NCE, embora tenha sido criado na década de 90,

tem lideranças que trabalham com movimentos populares desde a década de 70. Dessas três organizações, duas também se associam desde o início a ramos católicos desses movimentos, como as comunidades eclesiais de base.

Já as cinco organizações mais jovens (Aprendiz,

Casa Grande, Cipó, Oficina de Imagens e Uga-Uga) são mais diretamente vinculadas ao fenômeno

do Terceiro Setor. Sua institucionalização seria impossível sem a disponibilidade de recursos privados para o desenvolvimento de ações no campo social, que ocorreu notadamente a partir de meados da década de 1990.

Um exemplo disso é a Rede ANDI (Agência de Notícias dos Direitos da Infância), que começou a ser formada em 1999. A implantação dessa rede de monitoramento de jornais, com recursos inicialmente captados pela própria ANDI (ONG existente desde 1990), foi em alguns momentos crucial para institucionalização de organizações analisadas nesta pesquisa.

Cipó, Oficina de Imagens e Uga-Uga fazem

parte da Rede ANDI desde seu primeiro ano de funcionamento. Todas ressaltam que as parcerias e a visibilidade decorrentes disso foram fundamentais para sua sustentabilidade e expansão [como se vê nos relatórios específicos de cada experiência à frente].

Outro exemplo é a participação de líderes dessas organizações em programas voltados para

o fortalecimento de gestores e de projetos sociais.

Uga-Uga e Oficina de Imagens, cujos líderes

fazem parte de uma rede de lideranças formada pela fundação suíça Avina, receberam recursos e apoio técnico para qualificar seus processos administrativos.

Embora, mesmo hoje, o vocabulário, o repertório cultural e a visão política dos projetos tenham muito a ver com essas origens, de uma maneira ou de outra, o conjunto das experiências se relaciona com essas duas vertentes – os movimentos de esquerda e o Terceiro Setor.

Por um lado, todos sofrem alguma influência dos movimentos e ideologias de transformação da sociedade, enfatizam questões como cidadania, direitos, participação e inclusão – em alguns casos, sintetizados na missão, pura e simples, de melhorar a qualidade da educação pública. O educador Paulo Freire (1921-1997), por exemplo, é um dos mais citados.

Por outro lado, todas essas experiências fazem parcerias com os novos atores do campo social brasileiro que, impulsionados pelas profundas mudanças na economia local e internacional, se apóiam em conceitos como responsabilidade social empresarial e investimento social privado. Foi com uma instituição desse tipo que o MOC, por exemplo, fez parceria para desenvolver o Projeto

Comunicação Juvenil no sertão semi-árido

da Bahia.

1.3.2. Estado/Governo

A nona experiência analisada (Multirio), uma empresa municipal cuja matriz histórica não pode ser situada diretamente nem nos movimentos de esquerda nem no advento do Terceiro Setor, traz uma outra dimensão que afeta todos os casos deste estudo: o Estado. É destaque nos casos desta pesquisa o impacto que têm nessas ações os ocupantes do aparelho governamental e suas ideologias, valores e práticas, no nível federal, estadual ou municipal.

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Educação, Comunicação & Participação

Introdução

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Educação, Comunicação & Participação

Introdução

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Aprofundaremos essa questão do envolvimento do Estado/governo em projetos de Educação,

Comunicação & Participação no terceiro item desta

introdução, sobre os Desafios Estruturais. Mas, antes, apresentaremos as principais conquistas alcançadas pelas experiências incluídas neste estudo e algumas de suas limitações.

RESULTADOS E LIMITES

A velocidade das transformações que vêm ocorrendo em cada componente do trio Educação, Comunicação

& Participação marca profundamente as ações sociais

que buscam reunir esses três campos. É notável, nos nove casos analisados neste Relatório, o enorme crescimento que as instituições e seu atendimento direto tiveram nos últimos anos.

O NCE e o Comunicação e Cultura, por exemplo, já estão em processo de nacionalização de algumas de suas metodologias. O primeiro, abrindo em 2004, em parceria com o MEC, trabalhos com rádio em 70 escolas da região Centro-Oeste, ao mesmo tempo em que finaliza um programa de três anos e meio, junto com a Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, envolvendo 455 escolas de ensino fundamental. O Comunicação e Cultura atinge 800 escolas nos estados do Ceará e Pernambuco com o projeto

Primeiras Letras, que publica jornais editados por

alunos e professores de 1ª a 8ª série.

O MOC, cuja missão vai além do foco em Educação,

Comunicação & Participação, é referência nacional em

programas de erradicação do trabalho infantil, e seus trabalhos atravessam, com capacitações e materiais, as fronteiras de vários estados e, por vezes, alcançam outros países da América Latina.

A Multirio, que desenvolve materiais de comunicação “com” e “para” a rede municipal de ensino do Rio, teve no ano de 2003 o maior orçamento desde sua fundação. Iniciou, entre outras atividades, a produção de filmes de animação sobre lendas brasileiras para crianças e adolescentes. Além disso, coordena a realização da 4a Cúpula

Mundial de Mídia para Crianças e Adolescentes,

em abril de 2004 no Rio – um dos maiores eventos internacionais na área.

As organizações ou projetos mais jovens (pós-1995) não chegaram ainda à escala de política pública. Mas têm crescimento proporcional em atendimento, impacto e visibilidade. Desde a fundação, Aprendiz (SP), Cipó (BA), Casa Grande (CE), Oficina de Imagens (MG) e Uga-Uga (AM) ampliam significativamente suas redes de parceiros e seus programas.

O Aprendiz, por exemplo, se lança na consolidação do que denomina bairro escola – uma articulação de diversos programas, empresas, ONGs, atores sociais e instituições de ensino, para criação de percursos formativos para crianças e jovens, na Vila Madalena, em São Paulo. Seu site (www.aprendiz.org.br) é um dos mais importantes na área no Brasil.

A Cipó torna-se referência, de Salvador a São Paulo, em trabalhos de educação pela comunicação – que é como eles denominam seu fazer pedagógico. Além disso, consolida-se como uma das mais estruturadas agências da Rede ANDI, chegando a oferecer cursos relâmpago nas redações da mídia local sobre infância e adolescência.

A Oficina de Imagens, além de ampliar o número de programas, expande seu principal trabalho em Educação, Comunicação & Participação, o Latanet. Em 2003 em 2004, volta-se à capacitação de educadores da rede municipal de ensino de Belo Horizonte, junto com estudantes, em parceria com o governo da cidade.

A Fundação Casa Grande, em Nova Olinda, sertão do Cariri (CE), embora ainda trabalhe com atendimento e orçamento comparativamente pequenos, torna-se referência pelo Brasil afora, recebendo cerca de 3 mil visitas por mês. Após anos de batalha jurídica e negociação política, consegue em 2003 o registro de uma rádio educativa – legalizando um trabalho que, ainda na fase “pirata”, já ameaçava a audiência das rádios comerciais locais.

A Agência Uga-Uga de Comunicação realiza em Manaus, em 2003, os dois maiores eventos de

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Educação, Comunicação & Participação

Introdução

Educação, Comunicação & Participação

Introdução

sua breve história: a 1a Conferência Juvenil dos

Direitos da Criança e do Adolescente e o Seminário Infância, Adolescência e Mídia na Amazônia. Com isso, amplia o número de parceiros e consolida sua sustentabilidade. Também começa a contratar novos multiplicadores para seus Núcleos de Mobilização – o que complexifica suas atividades.

As mudanças observadas entre as crianças e jovens participantes desses programas – quando de fato ocorrem – mostram o potencial das abordagens educativas que reúnem o trio Educação, Comunicação

& Participação: ampliam seu vocabulário e repertório

cultural, aumentam suas habilidades de comunicação, desenvolvem competências em trabalho em grupo, negociação de conflitos e planejamento de projetos, melhoram o desempenho escolar, entre outros ganhos.

Esse movimento também se manifesta institucionalmente: surgem grêmios estudantis, novas ONGs, cooperativas de trabalho, grupos juvenis de intervenção comunitária, periódicos, projetos conjuntos de professores e estudantes...

Mas o problema é que nem sempre isso ocorre, especialmente quando o escopo de atendimento atinge a escala das políticas públicas.

2.1. Quantidade X Qualidade

A diferença no número de crianças, adolescentes e educadores atendidos pelos projetos está diretamente relacionada à qualidade dos resultados. Uma observação geral dos projetos indica que, quanto maior o atendimento, menor tende a ser o impacto na vida de cada estudante e menos elaborado tende a ser o produto de comunicação criado.

Quando se observa, por exemplo, os programas de atendimento direto, em que o trabalho ocorre no espaço da própria ONG, é notável a evolução, em termos de inclusão social, cidadania e repertório cultural, dos jovens envolvidos e a qualidade dos produtos de comunicação.

Isso tem a ver com o fato de que o espaço da escola, de certa forma, determina as relações que

nele ocorrem – sendo sempre mais fácil garantir a qualidade dos produtos de comunicação, seu conteúdo, a riqueza de referências éticas fora do ambiente escolar do que na sala de aula. Mas mesmo quando a ONG amplia o atendimento em seu próprio território, a tendência é de diminuição do impacto individual e da qualidade dos produtos.

Um dos indicativos disso é que, em geral, muitos jovens pioneiros nas experiências de Educação,

Comunicação & Participação se incorporam à

própria equipe da ONG. Depois de um ano de funcionamento do projeto, esse movimento diminui significativamente e às vezes simplesmente acaba. Há pelo menos duas explicações para isso.

Em primeiro lugar, quando o atendimento é pequeno e as turmas envolvem poucos estudantes (no máximo 25), os vínculos afetivos criados entre os gestores, educadores e aprendizes são muito mais fortes – assim como a atenção dada a cada estudante. À medida que aumenta o número de pessoas envolvidas na experiência e a metodologia se consolida, esses vínculos afetivos enfraquecem, e as principais lideranças dos projetos se afastam do trabalho pedagógico, para se concentrar nas atividades de gestão e captação de recursos, que demandam cada vez mais atenção.

Em segundo lugar, a diminuição da qualidade frente à ampliação do atendimento está diretamente relacionada à entrada de novos educadores no programa, com repertório em geral bastante diferente daquele dos pioneiros da organização ou do projeto. Para disseminar trabalhos de Educação,

Comunicação & Participação é necessário formar

multiplicadores, mas estes, muitas vezes, têm formação inicial e repertório cultural mais frágil do que a dos pioneiros das experiências.

Considerando os projetos que ocorrem no espaço escolar, há ainda outro agravante. Na presença dos líderes ou formadores do projeto, os professores que desenvolvem o trabalho modificam sua didática. Mas, quando eles se vão, especialmente quando a

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Educação, Comunicação & Participação

Introdução

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Educação, Comunicação & Participação

Introdução

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formação é concluída, a didática tradicional, menos participativa, tende a se impor e a restringir o impacto do trabalho.

Não há solução fácil para esse problema – já que é relacionado à formação dos profissionais das redes de ensino público do país [leia item Desafios Estruturais

à frente]. A mais importante é uma estruturação

mais consistente dos processos de formação e de acompanhamento dos multiplicadores – sejam eles ligados às secretarias de Educação, sejam às ONGs. Muitos projetos analisados neste Relatório já acumularam experiência na formação de crianças e jovens, mas quando se propõem a formar aqueles que formarão seu público alvo enfrentam sérios desafios, por falta de experiência, de repertório conceitual e a dificuldade do professor tradicional de estabelecer uma relação de diálogo com os adolescentes.

Enfim, dar uma boa formação para os educadores que trabalharão com as crianças e adolescentes e supervisionar seu trabalho é fundamental para a disseminação em escala de política pública de projetos de Educação, Comunicação & Participação. Mas isso é bastante oneroso e só é realmente possível se estiver articulado ao próprio sistema de formação dos educadores das redes de ensino.

A presença permanente de outros atores sociais na escola (como os educomunicadores propostos pelo

NCE) também poderia diminuir este problema.

Aprofundaremos esta questão no item Parcerias,

Redes e Voluntários.

Há ainda quem opte pela manutenção da escala pequena de atendimento no projeto, buscando ampliar seu impacto por meio da capacitação de poucas mas influentes lideranças – o que implica aprimorar o processo de seleção dos aprendizes que serão formados.

2.2. Investimento/Estudante

Não é possível fazer uma correlação direta entre a quantia investida por estudante (o chamado per

capita), o impacto do projeto em sua vida e a qualidade

do produto de comunicação criado por ele.

É evidente que os projetos que contam com mais recursos tendem a obter resultados melhores. Alguns projetos investem por estudante valores equivalentes ao de uma mensalidade de escola particular de elite (acima de R$ 500/mês). Mas outros projetos, com investimentos significativamente menores, por vezes obtêm resultados semelhantes.

Fatores como o escopo de atendimento a estudantes, o espaço onde o programa ocorre (na escola, numa comunidade pequena ou na periferia de uma megalópole etc.) e a formação dos educadores parecem influir muito mais na qualidade dos resultados do que os valores financeiros diretamente investidos.

Assim, não se chega, com a amostragem desta pesquisa, a um per capita ideal – isto é, um valor de investimento por aluno que seja generalizável. O que é certo é que um gestor público que queira implantar em sua rede de ensino projetos de

Educação, Comunicação & Participação terá de ter

bastante vontade política – ou seja, recursos –, se quiser ter resultados mais permanentes.

O caso do educom.radio, do NCE, que colocará uma rádio em cada uma das 455 escolas de ensino fundamental da rede municipal de São Paulo, dá algum parâmetro nesse sentido. Com R$ 5,8 milhões em três anos e meio, formará mais de 11 mil pessoas que, nas escolas, terão o papel de multiplicar seus conhecimentos e facilitar o acesso à radio. Seu

per capita é de pouco menos de R$ 500 por pessoa

formada – um valor elevado, considerando que a média investida por estudante na escola pública de ensino fundamental do Brasil está na faixa dos R$ 700 por ano, segundo os últimos dados do Inep/ MEC, de 19991.

Mesmo assim, para as lideranças do educom.radio, o orçamento foi sub-dimensionado, já que não inclui uma série de produtos de comunicação que surgem por demanda de projetos desse tipo, nem avaliação externa, nem supervisão após a conclusão da formação – todos fatores essenciais para garantir a qualidade e sustentabilidade dos resultados.

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Educação, Comunicação & Participação

Introdução

Educação, Comunicação & Participação

Introdução

2.3. Atendimento Direto X Indireto

Um outro desafio na quantificação do per capita de projetos de Educação, Comunicação & Participação é o já citado conceito de atendimento direto. Em geral, entende-se como atendimento direto o número de aprendizes que passam por algum tipo de formação ao longo do programa.

A questão é que, muitas vezes, o público atingido nessas formações dissemina seus conhecimentos entre pessoas de sua comunidade de origem (o chamado público indireto); além disso, os produtos de comunicação gerados por essas experiências também podem ter grande impacto – atravessando toda uma rede de ensino ou sendo veiculados por meios de comunicação de massas.

A Cipó, por exemplo, define sua ação educativa como sendo “uma nova maneira de ensinar em que o educando participa ativamente da produção de peças de comunicação que, uma vez disseminadas, geram novos processos de educação e/ou de mobilização social”. Jovens do Aprendiz produzem programas em algumas das maiores rádios de São Paulo.

Portanto, para avaliar o impacto desses projetos em relação aos recursos investidos seria necessário levar em consideração, além do público diretamente atingido, os efeitos que as pessoas formadas e seus produtos de comunicação geram numa comunidade específica e na sociedade em geral – algo para o qual não há bases conceituais nem instrumentos de avaliação desenvolvidos.

2.4. Liderança X Institucionalização

O papel dos líderes dos projetos e a maturidade de suas organizações também devem ser considerandos para a disseminação de projetos de Educação, Comunicação &

Participação em redes de escolas, a partir de instituições

externas ao sistema regular de ensino.

Em geral, quanto mais jovem a organização, mais central é o papel das lideranças pioneiras. Freqüentemente as organizações têm um único líder, que inicialmente é o grande empreendedor da

ação educativa. Mas, à medida que o atendimento expande, as atribuições desse líder aumentam enormemente. É quando surge a necessidade no projeto de ampliar o grupo gestor, muitas vezes agregando um coordenador pedagógico e outros profissionais que dividem funções de coordenação e de atendimento a estudantes.

Embora sejam fundamentais para a montagem e estruturação dos projetos, no médio e longo prazo, essas lideranças pioneiras podem se tornar gargalos para a expansão do atendimento. Com o crescimento inerente a esse tipo de trabalho atualmente, essas lideranças tendem a acumular tantas funções que a gestão da organização e do projeto entra em crise: os educadores na “linha de frente” se sentem desamparados, a quantidade de recursos a serem captados aumenta exponencialmente, os parceiros ou possíveis parceiros sentem dificuldade no contato e recebem menos atenção, e até a manutenção da infra-estrutura (espaços de trabalho, computadores, banheiros etc.) se torna um desafio.

Esse tipo de crise de gestão nos projetos, decorrente da ampliação do trabalho, é praticamente universal na história dos casos analisados. Sendo uma “crise anunciada”, a solução, neste caso, seria, desde o início, ter a preocupação formar novas lideranças com quem se pode dividir funções de gestão. Mas, como ocorre em empresas privadas, isso nunca é tranqüilo e representa sempre um consumo enorme de tempo, paciência e recursos. Há casos em que essa crise dura meses, outros em que pode levar anos para ser superada.

Organizações mais institucionalizadas, com seus conceitos e metodologias sistematizados e modelo de gestão bem estabelecido, têm mais condições de trabalhar com políticas públicas do que outras que ainda estão consumindo muita energia e tempo com essas questões internas, inerentes a projetos desse tipo. Isso porque a sistematização das metodologias e a consolidação do modelo de gestão facilitam o ingresso de novos atores na organização e sua ambientação na

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cultura organizacional (a aquisição da “alma” do projeto, sem necessariamente ter contato com os líderes pioneiros).

2.5. Evento X Processo

Uma outra “crise anunciada” em projetos desse tipo tem a ver com as características atuais do Terceiro

Setor brasileiro, seus mecanismos de apoio a ações

sociais e as expectativas de suas lideranças.

As empresas privadas hoje esperam resultados extremamente rápidos, em qualquer empreendimento em que se envolvam. Freqüentemente pressupõe-se grande visibilidade na mídia em relação ao projeto social apoiado e resultados expressivos nos alunos em prazos que raramente superam um ano.

O problema é que “o tempo da educação se mede em gerações”, como diz a educadora paulista Telma Weisz2, e raramente se consegue realmente

transformar a vida de um estudante no curto prazo. Em síntese, educação é processo, mas a expectativa dominante entre os financiadores e a mídia de massas é de um evento (conflito que caracteriza a maioria dos projetos sociais e que, por exemplo, explica em parte o suposto fracasso do Fome Zero).

A visibilidade tende a ser maior quando há resultados concretos a serem apresentados – o que também leva, com freqüência, mais de um ano. E, quando há grande visibilidade inicial, o projeto sai da pauta da mídia de massas, que tem na novidade (“news”) e nos eventos suas principais fontes de notícias.

Com isso, a virada de ano fiscal das empresas e dos institutos e fundações empresariais constitui uma ameaça constante para os projetos sustentados financeiramente por eles. Nas festas de fim de ano, além da dificuldade em pagar 13o salário (um

privilégio na maioria das ONGs), as lideranças desses projetos em geral não sabem se terão de cortar ou ampliar seus recursos humanos no início do ano seguinte – uma tensão que dura, no mínimo, até o Carnaval.

Aqui também não há solução simples. Envolve, em primeiro lugar, um investimento constante nas

relações públicas entre os executores dos projetos e seus financiadores. Por vezes, é necessário também investir na formação dos atores empresariais, para que conheçam melhor a complexa dinâmica dos processos sociais e se apropriem de instrumentos conceituais que possibilitem uma participação no projeto mais efetiva e menos simplista (o que em geral se manifesta por um grau acentuado de assistencialismo). Quanto mais próxima a relação entre executores e financiadores e mais compartilhados os conceitos que movem o projeto, maior a sustentabilidade da ação educativa.

O amadurecimento do Terceiro Setor brasileiro, em curso atualmente, tende a ampliar os prazos de financiamento a esse tipo de projeto, considerando todo o processo, da experiência piloto à sistematização e disseminação da metodologia, e não apenas os eventos e resultados imediatos.

Ampliar a rede de sustentação econômica da instituição, diversificando os tipos de parceiros e atividades (organizações internacionais, institutos e fundações nacionais, empresas, universidades, governos, venda de produtos, prestação de serviços etc.) também potencializa significativamente a sustentabilidade dessas ações.

Outra estratégia para enfrentar a tensão imanente entre evento e processo é trabalhar com um plano de comunicação profissional, que articula ao processo educativo certos eventos comunicativos – o que inclui ter um bom site institucional, lançar publicações e promover eventos, disseminar amplamente os produtos criados pelos aprendizes, entre muitas outras atividades possíveis.

DESAFIOS ESTRUTURAIS

O principal entrave para a disseminação, em redes de escolas, de projetos que efetivamente associam os campos Educação, Comunicação

& Participação é a maneira como essas redes

são organizadas.

Sem entrar no mérito do por quê elas se encontram em tal estado, o fato é que as escolas públicas

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conseguem ser ao mesmo tempo moldáveis às vontades das reformas educacionais desencadeadas pelos gestores públicos e impermeáveis a mudanças significativas em seu modus operandi.

Moldáveis às vontades dos gestores porque a estrutura do sistema educacional brasileira incorpora um grau acentuado de concentração de poder nas instâncias de superiores de gestão – notadamente, nas secretarias estaduais e municipais e no Ministério da Educação. As escolas têm pouco ou nenhum poder de fato em determinar seu funcionamento. Desde a contratação e promoção dos profissionais até a organização do currículo, muito do que é realmente importante para o cotidiano escolar é decidido fora e acima da escola.

Ora o Legislativo decide incluir entre os conteúdos das escolas disciplinas que considera importante; ora o Executivo altera o próprio atendimento das escolas, definindo para elas novos públicos e, por vezes, novos gestores (como ocorreu na segunda metade da década de 90, com a rede de 6.500 escolas estaduais de São Paulo, uma parte municipalizada, outra, “reorganizada” – que era o termo utilizado pelo governo na época para definir quais escolas ofereceriam 1a a 4a séries, 5a a

8a ou ensino médio; mais de 4 milhões de famílias

foram afetadas).

Por outro lado, essas escolas são impermeáveis às mudanças porque, como diz o economista Claudio de Moura Castro, “educação é aquilo que acontece depois que o professor fecha a porta da sala de aula”. E o fato é que, apesar da nova LDB, dos PCNs e de muitas outras mudanças legais e conceituais que possibilitariam uma transformação radical disso que ocorre dentro da sala de aula, no geral, as aulas continuam seguindo a metodologia expositiva – o que Paulo Freire definiu como educação bancária, que consiste na transmissão de informações para estudantes que são entendidos como recipientes vazios – como os cofrinhos de guardar moedas – a serem preenchidos com o saber acumulado pelo professor.

Esse modelo de ensino – que era amplamente questionado por educadores e pensadores do mundo todo já na primeira metade do século 20 – recebe seu xeque mate com a revolução nas tecnologias de comunicação e informação. O problema hoje, mais do que acesso a informação, é excesso de informação, extremamente fragmentada. Mas subsiste em larga escala nas redes públicas brasileiras a metodologia de abrir o livro didático em sala de aula, copiar seus textos na lousa, obrigar os estudantes a reproduzir esses textos em seus cadernos (mesmo que tenham o livro), e a fazer exercícios, também prescritos pela edição. O “bom aluno” é associado àquele que funciona como um bom “cofrinho”, sem muito questionamento.

São vários os fatores que levam a isso, e a seguir analisaremos alguns dos principais desafios estruturais para a consolidação de novas metodologias de ensino nas escolas públicas brasileiras, entre elas, os projetos de Educação,

Comunicação & Participação.

3.1. Salários e Status

O curso de graduação universitária com mais vagas ociosas no Brasil é o de pedagogia, segundo dados do Inep/MEC de 2002. Além disso, há hoje uma carência endêmica de professores no ensino básico em determinadas disciplinas, como química e geografia – cujos estudantes nas universidades públicas em geral têm o perfil sócio-econômico mais desfavorecido entre os universitários brasileiros (vêm de escolas públicas, têm famílias com menos escolaridade etc.).

Evidentemente, isso não ocorre por acaso. A carreira de professor em redes públicas de ensino é hoje desvalorizada tanto em termos financeiros como no status social desse profissional. Embora existam professores e diretores engajados, por vezes quixotescamente, muitos buscariam uma outra profissão, se o mercado de trabalho assim permitisse. Ser professor é uma segunda (por vezes, última) opção profissional até mesmo entre os estudantes de

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magistério [leia a crônica Normalistas XXX, anexa ao texto sobre o MOC].

A enorme concentração de mulheres nessa profissão no Brasil indica que os salários pagos aos professores servem para complementar a renda familiar, mas não para sustentar uma família – o que, apesar de mudanças culturais profundas, continua sendo uma função predominantemente masculina.

Então, o primeiro desafio estrutural para a melhoria da educação pública brasileira é valorizar o trabalho dos professores, tanto economicamente como simbolicamente. Por um lado, esse desafio só pode ser superado no médio e longo prazos, pois depende do crescimento econômico do país e do conseqüente aumento na arrecadação de impostos – o que permitiria incrementar os salários. Mas, mesmo com o orçamento atual, daria para priorizar mais recursos para a área, o que não vem ocorrendo no plano federal. No aspecto simbólico é notável como muito mais poderia estar sendo feito, imediatamente.

A reforma educacional da Coréia do Sul, por exemplo, além de priorizar recursos para a educação ao longo de mais de duas décadas, valorizou enormemente no plano simbólico o papel do professor na sociedade.

A vinculação de parcelas da arrecadação de impostos para a educação, pela Constituição de 1988, e a destinação mais específica de recursos para os salários dos professores, pelo Fundef (que tem o nome sugestivo de Fundo de Manutenção do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério), mostram que o país até tem ciência desses fatos. Mas essas ações ainda estão muito aquém do necessário para que a educação pública realmente dê um salto de qualidade – e as ações propriamente de valorização do magistério ainda são mínimas, se comparadas às informações divulgadas pelo próprio MEC e pelas secretarias desqualificando a formação desses professores. O montante de investimento federal em educação determinado pela emenda constitucional do Fundef, em 1996, nunca foi de fato respeitado.

3.2. Carreira Docente

Associado aos baixos salários e à desvalorização simbólica dos professores, há ainda outra distorção central no sistema de ensino público brasileiro, que explica por que é tão difícil mudar, para melhor, a educação.

São raros os casos no Brasil onde o professor de ensino básico ascende na carreira por critérios de mérito relacionados ao trabalho que desenvolve em sala de aula. O tempo de carreira ainda é um dos principais fatores de ascensão – seja em termos salariais, seja na possibilidade de optar por uma escola “melhor” (sem os alunos ditos “difíceis” e sem um entorno social considerado “perigoso”).

Isso ocorre principalmente nas grandes cidades, e explica porque as escolas de cidades pequenas, mais inseridas em uma determinada comunidade, com recursos humanos mais estáveis, geralmente obtêm resultados melhores em avaliações como o SAEB, do Inep/MEC, e o Saresp, da rede estadual de São Paulo.

A enorme maioria das escolas não tem qualquer controle real sobre os professores que nela trabalham – muito menos de definir quem vai dirigi-la. Em muitos estados e municípios brasileiros, especialmente no Centro-Oeste, Nordeste e Norte, o diretor da escola ainda é uma nomeação política do secretário da área.

Os processos de concurso para efetivação de professores são extremamente complexos e demorados, o que deixa muitos docentes em situação contratual instável, por longos períodos de tempo.

O resultado é que a circulação de professores e, freqüentemente, de diretores pelas escolas públicas é enorme, o que dificulta, quando não impede completamente, a formação de uma equipe escolar fixa, com missão, objetivos e valores compartilhados entre eles e com a comunidade atendida. Questões como essas são, em regra, definidas fora (e, novamente, acima) da escola, e apropriadas individualmente pelos professores, que circulam

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pelas escolas, freqüentemente trabalhando em duas ou mais redes de ensino.

A circulação de diretores é ainda mais grave. Pela maneira como a maioria das redes estrutura a carreira docente, os professores com mais tempo na rede em questão e mais pontos no prontuário (ganhos com cursos e especializações muitas vezes desarticulados do sistema mais geral de ensino) escolhem a escola onde querem trabalhar e, se tiverem pontos e tempo suficiente, definem a escola que vão dirigir. Como há “escolas melhores” (em geral as que dão menos trabalho) e escolas piores (que atendem as populações mais carentes), evoluir na carreira, seja como professor, seja como diretor, que dizer mudar constantemente do “pior” para o “melhor”. Por vezes, isso acontece mais de uma vez por ano, ao longo do ano letivo – e não de um ano para o outro.

Desnecessário dizer, neste Relatório, a importância que tem o diretor de uma escola. As experiências de

Educação, Comunicação & Participação descritas à

frente são unânimes em atribuir um papel central para os diretores em tudo que diz respeito à escola. Em resumo, a cara da escola quem dá é o diretor ou a diretora. E a circulação de diretores (e professores) pelas escolas dá essa cara meio esquizofrênica que têm as redes públicas brasileiras.

Com isso, projetos que disseminam suas metodologias e conceitos recorrendo à estratégia de capacitar grupos de profissionais em cada escola, como muitos deste Relatório, têm pouca sustentabilidade, pois nada garante que, no ano seguinte, os componentes da equipe capacitada continuarão lá – e o diretor, que pode ter em um ano apoiado o projeto, no ano seguinte corre o risco de estar em outra unidade a vários bairros de distância. Esse movimento de pessoas provoca uma espécie de amnésia sistêmica na gestão da escola.

Outra estratégia usada por algumas experiências desta pesquisa é capacitar diretamente professores, por adesão, independentemente da unidade de origem, tendo como perspectiva criar uma “massa crítica” de profissionais na rede que conhecem as

metodologias e conceitos de Educação, Comunicação

& Participação, e que podem, com o tempo,

desenvolver individualmente projetos nessa área ou se associar a outros que, por ventura, também tenham sido capacitados.

Há ainda a alternativa de identificar e capacitar lideranças, entre os profissionais e gestores das escolas, da rede, ou mesmo estudantes e membros da comunidade, que, onde quer que estejam, vão empreender projetos inovadores nas escolas e, com o tempo, “contaminar” as práticas tradicionais de ensino.

Mas qualquer dessas alternativas seria enormemente favorecida se existisse isso que todos dizem ser central para a qualidade da educação, que é a comunidade escolar. Só que isso não existe – pelos motivos acima citados – e só será alcançado se ocorrerem mudanças significativas na carreira docente e na maneira como se define quem será diretor e quais serão os professores da escola, associado a uma política de fixação dos profissionais a uma determinada comunidade – o que implica ampliar enormemente a autonomia da unidade escolar nesses processos.

Mexer nessas questões é potencialmente tão explosivo quanto reformar o sistema de Previdência no Brasil, já que a carreira docente e as maneiras de atribuir aulas são consideradas direitos adquiridos, pelos sindicatos que representam os docentes. E de certa forma são, já que o rebaixamento dos salários ocorrido nos últimos 30 anos está associado à construção de carreiras docentes que pouco ou nada têm a ver com a qualidade do ensino, mas sim a dar certas “recompensas” (como o direito de faltar a um número significativo de aulas) para um profissional essencialmente desvalorizado.

3.3. Tempo e Espaço

Os Desafios Estruturais apresentados acima já seriam suficientes para diminuir, quando não bloquear totalmente, o impacto nas escolas de projetos de Educação, Comunicação & Participação – ou de qualquer outra iniciativa que busque melhorar

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o ensino público brasileiro. Mas há ainda outros fatores a incrementarem essas dificuldades.

Uma das diferenças mais nítidas entre as experiências desta pesquisa são as que ocorrem no espaço escolar ou fora dele. Quando se faz um produto de comunicação – um programa de rádio, um site ou um jornal, por exemplo – não se trabalha primeiro o português, depois a geografia, depois a arte e assim por diante, em períodos de 40 a 55 minutos.

No espaço de uma ONG ou de uma instituição externa a escola, trabalha-se todos esses conteúdos ao mesmo tempo, em geral em períodos mais extensos, de duas ou três horas, com acompanhamento de equipes multidisciplinares, em espaços igualmente multidisciplinares (muitas vezes parecidos ao de uma redação de jornal). Mas na escola, da maneira como ela está organizada hoje, tudo tem que encaixar no espaço da sala de aula e no tempo das diferentes disciplinas, com um professor de cada vez.

O próprio tempo disponível para os professores trabalharem juntos, articulando o que vão ensinar nas diferentes aulas, costuma ser exíguo (duas a três horas semanais, na rede estadual de São Paulo). O resultado é que essas horas de trabalho coletivo fora da sala de aula costumam ser preenchidas por questões burocráticas e, quando sobra tempo, por questões pedagógicas emergenciais – impossibilitando que projetos interdisciplinares freqüentem as pautas dessas reuniões.

A desvinculação dos projetos político pedagógicos das escolas ao que de fato ocorre na sala de aula (quando esses PPPs existem) mostra nitidamente essa desarticulação das disciplinas e dos professores. É um problema que também tem sido enfrentado, por exemplo, pelos PCNs, que esbarram na organização dos tempos e espaços escolares, especialmente os chamados Temas Transversais.

Novamente, esse desafio só pode ser superado com bastante tempo e muito mais investimento, já que implica mais trabalho coletivo entre os professores, rearranjos importantes das disciplinas e,

inclusive, romper com a cultura bancária de ensino – que discutiremos em seguida.

3.4. Formação Inicial e em Serviço

Seria injusto atribuir às escolas públicas de educação básica e aos seus profissionais a responsabilidade pela organização (ou desorganização) atual dos tempos e espaços escolares. A maneira como os conteúdos são divididos em disciplinas e aulas nas escolas – a chamada grade horária – tem relação direta com a forma como o conhecimento é tratado nas instituições de ensino superior e pesquisa não só do Brasil como de boa parte do mundo.

A escola que conhecemos é resultado, entre muitas outras coisas, do positivismo (que fragmentou e “organizou” as áreas do saber humano) e da revolução industrial (que levou a uma parte significativa das instituições modernas, inclusive escolas, um modelo de gestão semelhante ao de uma linha de montagem). Se dentro de uma universidade como a USP, departamentos que tratam do mesmo tema têm dificuldade de diálogo e raramente conseguem desenvolver projetos conjuntos, por que esperar que no nível da escola ocorram processos interdisciplinares?

Professores de português são formados em faculdades de letras (isso, quando cursam uma graduação); professores de matemática vêm de outra faculdade (com culturas e valores diferentes); professores de geografia, de outra ainda; e assim por diante. Se nunca tiveram oportunidade de trocar conhecimentos com outros campos do saber durante sua formação inicial, é praticamente impossível que façam isso quando chegarem à escola. Simplesmente falta o hábito, o repertório dessas práticas de troca e construção conjunta de projetos – quando não há uma concorrência aberta, como ocorre entre departamentos e faculdades de uma mesma universidade.

Associado a isso, há ainda outro agravante: as metodologias de ensino das universidades continuam, em grande parte, seguindo o modelo

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bancário, da aula expositiva, sem prática. Inclusive teorias complexas e inovadoras, como o construtivismo e o sócio-interacionismo, são freqüentemente trabalhadas de maneira abstrata e descontextualizada. O resultado é que, mesmo conhecendo as teorias que propõem novas maneiras de ensinar e aprender, os professores não sabem como coloca-las em prática.

Os cursos de formação continuada, oferecidos aos professores que já atuam nas redes de ensino, raramente se preocupam em apresentar com didática e metodologia inovadoras idéias e conceitos inovadores. O que se observa, em parte significativa das escolas, é que os profissionais da educação muitas vezes têm o discurso sobre a interdisciplinaridade, o construtivismo ou a transversalidade, só que quando fecham a porta da sala de aula...

Este é um dos grandes méritos da maioria dos projetos analisados neste Relatório. Quando se propõem a trabalhar com os professores, buscam fazer isso com a metodologia que esperam que seja usada com os próprios estudantes. A maioria, inclusive, trabalha com os estudantes e com os professores ao mesmo tempo, em processos participativos. Para se capacitar alguém a fazer um jornal é preciso fazer um jornal (e não falar sobre todas as etapas envolvidas nessa produção). Como diz um educador entrevistado nesta pesquisa, “não se chega à democracia falando nela”.

A dificuldade de implementar na prática as idéias dos PCNs, por exemplo, tem muito a ver com essas questões de formação inicial e formação em serviço. E a mudança disso depende de uma mudança cultural, ideológica e política na maneira como a sociedade concebe o conhecimento e as maneiras como o ser humano ensina e aprende – daí ser um Desafio Estrutural.

3.5. Modelos de Avaliação

Para dificultar ainda mais essas transformações tão necessárias e urgentes, há ainda as avaliações. O

vestibular é o melhor exemplo: no ensino médio, ora determina o que os alunos devem aprender (muitas vezes mais focados no acúmulo de informações do que em competências e habilidades), ora serve de pretexto para as escolas não alterarem seu currículo e sua metodologia. As próprias famílias desconfiam se seus filhos adolescentes, no lugar de terem de resolver listas de problemas maçantes e descontextualizados, são envolvidos na produção de um jornal ou site voltado para a comunidade.

O modelo dominante de avaliação no imaginário social brasileiro ainda é a prova, o exame, com questões múltipla-escolha ou dissertativas voltadas para aferir determinados conhecimentos.

Fatores hoje considerados essenciais na seleção de profissionais pelo mercado de trabalho – como liderança, capacidade de trabalho em grupo e competência para acessar e relacionar dados – ainda estão à margem da enorme maioria das avaliações escolares. Isso ocorre não só nas provas feitas pelas escolas e aplicadas aos alunos, como nas avaliações do sistema educativo, como o SAEB (Sistema de Avaliação do Ensino Básico), do Inep/MEC, que aplica testes junto a amostras de estudantes de escolas espalhadas pelo país todo.

Assim, os projetos de Educação, Comunicação

& Participação, para serem sustentáveis no médio

e longo prazos, precisam também lidar com essa questão da avaliação, introduzindo novas abordagens avaliativas, que incluem o processo e não só a capacidade de responder certas questões num determinado instante, aumentando o repertório dos profissionais de educação e das instituições de ensino nessa área. Até a comunidade deve ser envolvida em processos de avaliação, para que amplie sua perspectiva de como podem ser feitos e para que servem.

Muitas experiências analisadas neste relatório têm soluções interessantes para avaliação de processos e resultados. Alguns instrumentos e roteiros usados pelos projetos estão disponíveis nos anexos relacionados a cada experiência.

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21 3.6. Micro-Política

Os vários fatores acima determinam sobremaneira as relações que ocorrem na escola. A divisão dos tempos e espaços, a formação dos professores e seu baixo acesso a bens culturais devido à renda, a maneira como o diretor é indicado para a escola, a própria cultura escolar e da rede de ensino são todos elementos constitutivos da micro-política da educação.

Como diz o próprio nome, os projetos de

Educação, Comunicação & Participação implicam

uma horizontalidade maior nas relações, envolvem delegar aos estudantes responsabilidades e decisões que nos modelos mais tradicionais de ensino se concentram nos níveis superiores de gestão.

A maioria dos projetos deste Relatório deixa que os aprendizes decidam os assuntos que querem abordar em seus meios de comunicação. Freqüentemente, os adultos oferecem alternativas, ampliam o repertório dos temas e abordagens possíveis, mas quem escolhe são os estudantes.

No modelo tradicional de ensino, os conteúdos, a grade curricular, vêm prontos, fechados. Nas metodologias que se apóiam mais nos interesses e curiosidades dos alunos, os conteúdos variam mais, o educador é obrigado a ter um raciocínio mais interdisciplinar e, muitas vezes, não sabe todas as respostas.

Na estrutura vertical de poder da Educação brasileira (MEC > secretarias de educação > burocracia intermediária > escolas), o peso do diretor na micro-política da escola é enorme. Professores em geral têm pouca voz; estudantes, quase nenhuma. A participação das famílias até nas atividades que envolvem seus filhos tende a ser reduzida – e pouco incentivada.

Com a comunicação, é freqüente as crianças e jovens adquirirem competência com a nova linguagem e tecnologia mais rapidamente do que os professores, o que desequilibra as relações micro-políticas da sala de aula.

Assim, além das questões já delineadas, um dos desafios estruturais centrais dos projetos e

metodologias inovadores é essa cultura de poder, a micro-política da escola, em geral bastante arraigada e difícil de mudar de maneira sustentável.

O NCE usa o conceito de ecossistema comunicativo para abordar essa questão. Parte importante do poder na escola está na concentração e circulação das informações, nos fluxos de comunicação. Quando se insere um meio de comunicação na escola, como uma rádio, em geral há uma espécie de ruptura nesse

ecossistema comunicativo, especialmente quando as

crianças e jovens têm a oportunidade de serem protagonistas na produção. Isso freqüentemente ameaça certas relações de poder, gerando conflitos interpessoais e até intergrupos (alunos x professores, professores x direção). Para lidar com isso, o NCE propõe a gestão comunicativa, cujo objetivo é tornar mais democrático o ecossistema comunicativo da escola.

O Comunicação e Cultura, no Ceará, registra casos em que a direção da escola simplesmente trancou os jornais produzidos por um grupo de estudantes. No educom.radio, em São Paulo algumas rádios passam, sintomaticamente, a maior parte do tempo trancadas nas escolas. Até a obtenção de espaço de trabalho na escola para o desenvolvimento do projeto pode ser muito dificultada.

É necessário muita habilidade política, de negociação de conflitos, dentro da escola, para superar essas tensões. Há vários casos nas experiências analisadas de surgimento de grêmio e outras instâncias políticas dentro da escola, a partir da introdução de meios de comunicação participativos.

O grande problema é que a sustentabilidade dessas novas relações micro-políticas, mais horizontais e participativas, tende a ser baixa, devido à circulação de diretores e professores e à cultura dominante, na rede toda, mais vertical e autoritária. Os projetos por vezes conseguem grandes transformações em um ano e, no ano seguinte, têm que começar todo o processo de formação de novo.

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Uma das estratégias utilizadas pelas experiências analisadas é buscar formar membros mais permanentes da comunidade escolar, além de professores e alunos; por vezes um pai ou mãe, outras, uma liderança comunitária presente no dia-a-dia da escola. Outra estratégia é disseminar experiências participativas em várias escolas com a perspectiva de, no médio e longo prazos, formar uma massa crítica e mexer de forma mais permanente no imaginário e na cultura de poder da educação – uma estratégia que poderia ser comparada à da Guerra de Guerrilhas [leia Conclusão].

Alguns projetos, como os Núcleos de

Mobilização do Uga-Uga em Manaus, priorizam

as relações públicas com coordenadores pedagógicos – que têm o domínio sobre os conteúdos curriculares da escola.

É necessário também criar mecanismos e instâncias democráticas de controle dos conteúdos veiculados pelos meios de comunicação produzidos pelos estudantes. Há casos que constroem conjuntamente um código de ética, ou documento parecido. O

Clube do Jornal, no Ceará, tem uma ombudsman,

que pode ser acessada por quem se sinta prejudicado pelas publicações juvenis (são mais de 100 no Estado).

Se esses mecanismos e instâncias não são criados, a tendência é ocorrer uma interferência maior dos adultos nos produtos de comunicação dos estudantes.

3.7. Macro-Política

Outro desafio estrutural a ser sempre considerado – e um dos mais importantes para o conjunto das políticas públicas na área social do país – é a continuidade dos projetos. Ainda é comum no Brasil que cada grupo político, ao assumir o Executivo, descontinue projetos da gestão anterior e inicie vários outros.

Como discutiremos com mais detalhe no item final desta Introdução, educação é um processo, cujos resultados por vezes levam anos para aparecer, e as mudanças políticas no topo das redes de ensino interferem fortemente nisso. Redes com grande

circulação de secretários da Educação, cada um com seu pacote de reformas, tendem a ficar confusas, sem foco nem prioridades bem definidos.

Como as empresas que se envolvem no Terceiro Setor, os políticos precisam de visibilidade (uns para reforçar sua marca, outros para se elegerem), então é grande a tendência de promover mais eventos do que processos – mesmo nas políticas públicas. Dá mais impacto social no curto prazo construir escolas do que investir nos salários e na formação continuada dos professores.

Idealmente, a educação deveria ter uma burocracia (no sentido Weberiano do termo) que garantisse continuidade aos processos e alinhasse os diversos projetos em desenvolvimento nas redes de ensino. Mudanças de gestor principal na secretaria ou no ministério não deveriam representar uma ameaça para as escolas. Mas o fato é que representam – e as poucas redes que conseguem ter políticas públicas continuas e consistentes em sua administração têm colhido bons frutos em termos de melhoria de ensino, mostram Ceará e Minas, entre outros.

Enfim, a Educação, Comunicação & Participação é favorecida quando os gestores da macro-política educacional, além de criar novos projetos e promover reformas, asseguram a continuidade dos processos que já estão em curso e a sustentabilidade daqueles que eles desencadeiam.

PARCERIAS, REDES E VOLUNTÁRIOS

Uma das maiores diferenças entre as escolas e as organizações analisadas neste Relatório é a composição da equipe. Nos projetos há de tudo, várias faixas etárias. De arquitetos a psiquiatras, de pedagogos a publicitários, de radialistas a acadêmicos, de estudantes universitários a profissionais que também atuam no mercado de trabalho. Muitos remunerados (autônomos, celetistas, bolsistas, estagiários, prestadores de serviços), alguns voluntários.

A maioria dos projetos também é associada a redes sociais e mantém parcerias envolvendo diversos tipos de

Referências

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antagonismo entre elas, e a sublimação das características que as aproxi- mam. Neste clima de ‘Fla-Flu’ epistemológico, professores e comunicadores se veem em campos opostos.

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