• Nenhum resultado encontrado

3 LINGUAGEM: LIBRAS E O ENSINO DE LIBRAS

3.2 A EDUCAÇÃO DOS SURDOS TRAÇANDO CAMINHOS

Ao longo da história da humanidade, o lugar do surdo na sociedade foi marcado pela “ausência” de linguagem. Considerava-se que a ausência da linguagem verbal comprometia o desenvolvimento, e esses sujeitos eram concebidos como deficientes e, algumas vezes, como não humanos.

Na Grécia antiga, as pessoas, ao nascerem com deficiência, eram consideradas incompletas, portanto eram sacrificadas, pois a ausência de linguagem as caracterizava como não humanas. Na cidade de Roma, os surdos eram vistos como imperfeitos. Os não oralizados foram proibidos de assinar contratos e possuir bens (VIEIRA-MACHADO, 2010). Na Idade Média, mesmo aceitando os gestos utilizados pelos surdos como equivalentes à fala para salvação da alma, a compreensão da surdez estava ligada às questões religiosas; ao ter um filho surdo, as pessoas eram consideradas pecadoras.

Entretanto, no período conhecido como Idade Moderna, o monge beneditino Marlon Ponce de Leon dá início à educação do surdo por via da oralidade, pois falar era a condição para aquisição de alguns direitos. A possibilidade de o surdo falar implicava o seu reconhecimento como cidadão e, consequentemente, o direito de receber a fortuna e o título familiar (MOURA, 2000).

Em 1770, o abade Charles Michel de L’Éppe, inventor do método de sinais, fundou, em Paris, a primeira escola de “surdos-mudos” e publicou, em 1776, sua obra “A verdadeira maneira de instruir os surdos-mudos” (MAZZOTA, 2001). Influenciado por essa escola, o uso de linguagem gestual predominou na maioria dos países europeus.

De acordo com Vieira-Machado (2010, p.16), “[...] também começa nessa época um reconhecimento da língua de sinais para além de um outro aspecto importante: olhar o sujeito surdo como humano”.

Esse é considerado um período em que a educação de surdos teve seu apogeu, pois, instruídos na língua de sinais, língua natural das pessoas surdas, eles puderam ocupar diversos cargos e destaque na sociedade.

A linguagem gestual desenvolvida por L’Éppe encontra, como opositores, o médico Jean-Marc Itard e Graham Bell, cientista, inventor do primeiro AASI.7 Tanto o médico como o cientista visavam à normalização dos surdos. Dessa forma, temos duas correntes, uma defensora do oralismo e outra defensora da linguagem gestual. A oposição das correntes extrapolou o campo científico alcançando o campo educacional, e é nesse contexto que, em 1880, em Milão, na Itália, acontece o II Congresso Mundial de Educação de Surdos, ficando definido que a educação de surdos deveria ocorrer pela via da oralidade. A partir dessa data, as escolas do mundo inteiro passam a privilegiar a língua na modalidade oral como objeto de ensino.

Para os defensores do oralismo, o uso dos sinais era considerado prejudicial ao desenvolvimento da linguagem. Os surdos eram obrigados a falar, prevalecendo, então, uma visão clínico-terapêutica, reforçando, dessa forma, a deficiência e a incapacidade desses sujeitos. As práticas educacionais eram voltadas para a reabilitação. Em primeiro lugar, estava a oralização, a leitura orofacial e o treino auditivo. A escolarização se dava após a oralização. Essa corrente, ao focar a oralidade como meio de integração e desconsiderar outras formas de comunicação, pouco contribuiu para a educação e o desenvolvimento da pessoa surda (GÓES, 1999).

Surge, então, a Comunicação Total. Essa corrente ganha força na década de 1970, privilegiando a comunicação em detrimento da língua, utilizando vários recursos comunicativos, como sinais, fala, leitura orofacial, alfabeto datilológico, entre outros. Essa proposta, envolvendo uso simultâneo da fala e dos sinais, valoriza a comunicação, desvalorizando as características históricas e culturais das línguas de sinais (GOLDFED, 2001).

Nessa mesma linha sobre a Comunicação Total, Góes (1999, p. 3) afirma:

Na implementação das diretrizes da comunicação total, o trabalho pedagógico envolve interlocução em sala de aula centrada em práticas bimodais, compostas a partir de elementos das línguas falada e de sinais (em nossa realidade, da língua portuguesa e da língua brasileira de sinais). Trata-se de práticas de comunicação em que estão envolvidas duas modalidades, fala e sinais, usadas concomitantemente; também podem incluir outros recursos tais como a soletração manual.

Embora tenha ampliado os recursos comunicativos, assim como o oralismo, a Comunicação Total desconsidera a condição sócio-histórica desses sujeitos.

Propondo considerar a condição sócio-histórica dos surdos, na tentativa de romper com a visão patológica da surdez, surge o bilinguismo. No Brasil, tem início, a partir de 1980, convergindo com a tendência mundial. Essa abordagem vem resgatar o direito da pessoa surda em ser instruída em sua língua, considerando as particularidades do povo surdo, possibilitando o uso de duas línguas, o Português escrito e a Libras como língua de instrução, tornando o ensino mais significativo. O bilinguismo preconiza que “[...] o surdo deve ser exposto o mais precocemente possível a uma língua de sinais, identificada como uma língua passível de ser adquirida por ele sem que sejam necessárias condições especiais de ‘aprendizagem’” (LACERDA, 2000, p. 73).

De acordo com a proposta oficial, no bilinguismo coexistem duas línguas na educação das pessoas surdas no espaço educacional. Nesse sentido, a Libras e a modalidade escrita da Língua Portuguesa são utilizadas simultaneamente como línguas de instrução no desenvolvimento de todo o processo educativo (BRASIL, 2005). Em contraponto à proposta oficial, a comunidade surda brasileira vem lutando para uma educação bilíngue que se paute numa perspectiva socioantropológica, como comunidade de minoria linguística, em que a Libras se constitua figura nesse processo, sendo, assim, utilizada como língua de instrução no âmbito educacional ao longo da escolarização, tendo início desde a educação infantil.

Ao analisar as narrativas dos surdos capixabas, Costa (2007) remonta à história dos surdos do Estado do Espírito Santo e revela que, na educação de surdos nesse Estado, também ocorreram norteamentos pedagógicos. O primeiro, denominado pela autora de momento oralista; o segundo, outro momento oralista; e um terceiro,

sob o nome de momento de transição. Esse último começa a ser colocado em xeque a partir do momento em que, mesmo sem nenhum direcionamento teórico- metodológico, a Libras passa a fazer parte das práticas educacionais dos surdos. Observamos uma consonância entre a tendência mundial e as reveladas por Costa (2007), anunciando a Libras como possibilidade na educação dos surdos. Essa língua foi aprovada pela Lei nº 10.436 (BRASIL, 2002), configurando-se a segunda língua oficial do nosso país, marco decisivo para a educação dos surdos brasileiros.