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4 CAMINHO METODOLÓGICO

4.1 ESTUDO DE CASO

Para nos auxiliar a compreender como se dá a apropriação da Libras pelas crianças surdas na educação infantil de uma escola referência do município de Vitória, considerando esse espaço constituído por diversos participantes – enfim, um espaço tecido por múltiplos sujeitos e seus discursos –, escolhemos a pesquisa qualitativa por meio de um estudo de caso do tipo etnográfico. O critério de escolha da unidade de ensino infantil diz respeito ao fato de ser um escola referência, cujos profissionais aceitaram participar do estudo.

A abordagem qualitativa de pesquisa começa a ser usada na educação nos anos 1980, vindo contrapondo-se aos ideais positivistas, utilizados para pesquisar fenômenos naturais e sociais (ANDRÉ, 1995).

De acordo com Freitas (2002, p. 28), a pesquisa qualitativa numa abordagem sócio- histórica, visa a

[...] compreender os eventos investigados, descrevendo-os e procurando as suas possíveis relações, integrando o individual com o social. Permitindo [...] trabalhar com dados qualitativos que envolvem a descrição pormenorizada das pessoas, locais e fatos envolvidos.

A abordagem qualitativa de pesquisa tem sua origem no século XIX, período em que os cientistas sociais começam a indagar se o método utilizado para pesquisar os fenômenos físicos e sociais utilizados pela perspectiva positivista seriam pertinentes aos estudos humanos e sociais (ANDRÉ,1995).

Conforme André (1995), após vários apontamentos de estudiosos na busca de uma metodologia diferenciada para as ciências sociais, considerando a complexidade dos fenômenos, surge a pesquisa qualitativa como uma nova forma de produzir conhecimento e, paralelamente, a contraposição à forma positivista de pesquisa com debates prolongados até segunda metade do século XX.

Nessa nova visão de conhecimento, o contexto vivenciado leva em conta todos os componentes das suas interações e influências recíprocas. Essa visão de totalidade inclui também o pesquisador na situação pesquisada, ignorando sua neutralidade. A etnografia não é só uma técnica utilizada pelos etnógrafos; ela possibilita ao pesquisador a atitude de buscar entender a realidade, viver o processo, não enfatizando apenas o resultado. Para ser etnógrafo, é necessário mergulhar no campo, exercitando o olhar e a escuta sensível para capturar os fenômenos em suas inter-relações por meio de reflexões. Portanto, a pesquisa etnográfica não consiste apenas na descrição dos fatos experienciados.

André (1995) afirma que, para se caracterizar um estudo de caso do tipo etnográfico, é necessário atender a alguns requisitos da etnografia em um campo delimitado. Ainda segundo essa autora, enquanto a etnografia exige um longo tempo do pesquisador no campo, para que assim possa compreender a cultura de uma forma mais ampla, a pesquisa do tipo etnográfica utiliza os mesmos instrumentos da etnografia, podendo o tempo de permanência no campo ser reduzido, se o pesquisador fizer parte do mesmo universo cultural do campo pesquisado. Nesse contexto, o pesquisador assume diversos papéis interligados às necessidades vivenciadas nos contextos em que se encontra inserido.

Desse modo, para esta análise, foi fundamental observar os pressupostos defendidos por Matta (1978, p. 28), quando afirma que “[...] vestir a capa do etnógrafo significa realizar uma dupla tarefa: transformar o exótico no familiar e/ou transformar o familiar em exótico”. Assim como o etnógrafo, o pesquisador deverá estar atento aos acontecimentos, para ultrapassar o pensamento ingênuo da realidade aparente adentrando em sua complexidade.

Como já ressaltado, os pressupostos teóricos pautaram-se na perspectiva histórico- cultural que tem como base o desenvolvimento do homem resultante de um processo social e cultural, destacando o papel da linguagem na constituição do sujeito. A compreensão da realidade e atuação sobre ela é organizada pela mediação social-semiótica, realçando, assim, a importância do outro, dos signos e dos instrumentos no processo de desenvolvimento humano. Estudar algo de forma histórica significa analisá-lo no processo, em todas as suas fases, realçando sua natureza e seu cerne. Nesse sentido, o objeto não pode ser deslocado e estudado à parte do contexto em que surge (VIGOTSKY, 1998).

De acordo com André (1995, p. 49), “[...] o estudo de caso do tipo etnográfico possibilita uma visão profunda e ao mesmo tempo ampla e integrada de uma unidade complexa. Além de contribuir para tomadas de decisão sejam elas práticas ou políticas”. No contexto desta pesquisa, o estudo de caso de tipo etnográfico permitiu analisar o sujeito em uma trama constituída pela criança surda, o professor regente, a instrutora de Libras ou a professora de Libras, a professora bilíngue, a família, o corpo técnico-administrativo e as outras crianças. Nesse sentido, observa- se que o objeto a ser pesquisado não é deslocado do seu ambiente natural. São consideradas as diversas influências advindas de suas relações e busca-se captar as nuanças do sujeito e do espaço em que a pesquisa está sendo realizada. Cabe ao pesquisador, portanto, reconstruir as ações e interações dos atores envolvidos, considerando sua trama vivencial, buscando a significação do outro (ANDRÉ, 1995). Ao realizar pesquisa com crianças, Ferreira (2005, p. 149) ressalta a importância da etnografia, “[...] porque ela permitir uma voz mais direta das crianças e sua participação na produção de dados sociológicos”, oportunizando-lhes serem sujeitos da pesquisa e, assim, serem atores sociais que se transformam e são transformados pelos ambientes sociais e culturais em que vivem. Reconhecendo as crianças como atores principais de suas próprias experiências, atua-se no sentido de “[...] conceber as crianças como seres humanos semelhantes aos adultos, mas possuindo competências diferentes” (p. 149).

Conforme propõe Ferreira (2005), para focalizar as interações das crianças nas suas relações cotidianas, necessitamos interpretar e compreender as relações, os significados e os sentidos que as atravessam, por meio da linguagem, desvelando o

que nos é ofuscado pela percepção imediata. Diante da particularidade desta pesquisa, concordamos com Ferreira (2005, p. 154), quando ela afirma que se trata de “[...] prestar sentido e não impor, entendendo-se prestar como sinônimo de cuidado e abertura ao outro”, devendo ser a criança observada na sua singularidade.

Entendemos que a metodologia utilizada permitiu uma abordagem dos múltiplos contextos em que a criança surda circula na educação infantil, em suas relações estabelecidas com adultos e crianças e com a própria Libras no processo de sua apropriação. Sendo assim, o estudo de caso do tipo etnográfico – apoiado nas proposições teóricas de L. Vygotski e de outros autores que se baseiam na abordagem histórico-cultural e nas contribuições de estudos da Sociologia da infância (FERREIRA, 2005), que veem as crianças como sujeitos de suas ações – nos auxiliou a compreender a apropriação da Libras pela criança surda na educação infantil, em uma escola referência, considerando os vários contextos e as múltiplas vozes que a interpelam em sua constituição como ser singular e único.