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Capítulo II – MÍDIA: IMPLICAÇÕES NA ESCOLA DE HOJE

2.1. Educomunicação como proposta dialógica

No Brasil, o conceito de Educomunicação é creditado ao jornalista e professor Ismar Soares – chefe do departamento de Comunicação e Artes da ECA/USP , que há vários anos coordena linha de pesquisa na área. É o responsável pelo lançamento pioneiro da licenciatura em Educomunicação, também na USP, a partir de 2011.

Em entrevista ao Instituto Claro2 sobre o papel transformador da Educomunicação, Soares conta que – entre 1997 e 1999 - pesquisou 12 países na América Latina, além de Portugal e Espanha, perguntando às pessoas ligadas a ONG’s, Centros Culturais e Produtores de veículos de comunicação “Qual era o imaginário dessas pessoas sobre a relação comunicação/educação.” A pesquisa propunha, deste modo, que grupos se apoderassem dos veículos de comunicação numa intencionalidade educativa e que fosse transferida a gestão desses equipamentos para a mão das pessoas (indígenas, populares, estudantes) a fim de que elas percebessem suas necessidades latentes, documentassem-nas e criticassem-nas. Segundo Soares, na mesma entrevista, “os dados revelam que tão importante quanto o acesso às tecnologias modernas tem sido o fato da comunicação comunitária ter sabido adaptar-se a um espaço mais plural de participação e de respeito às demandas de seus públicos”.

Em artigo também escrito pelo professor e pesquisador para o III Telecongresso Internacional de Educação de Jovens e Adultos3, os resultados de sua pesquisa no Núcleo de Comunicação e Educação da USP ampliam-se ao afirmar que

um grupo significativo de agentes culturais, no Brasil, na América Latina e em outras partes do mundo, vem pautando seus projetos e suas ações a partir da concepção de que a comunicação é um bem social de suma importância que deve ser analisado e implementado exclusivamente sob a ótica do bem comum. A questão não é mais o que o mercado determina, mas o que a sociedade deseja e necessita.

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Entrevista de 10 de setembro de 2010, disponível em https://www.institutoclaro.org.br/entrevistas/ismar- soares-fala-sobre-o-papeltransformador-da educomunicacao-e-a-graduacao-criada recentemente-na-usp-/ (acesso em 04/07/2012)

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Artigo Alfabetização e Educomunicação, de outubro de 2005, publicado em http://scholar.google.com.br/scholar?q=Ismar+Soares+III+Telecongresso+Internacional+de+Educa%C3%A7 %C3%A3o+de+Jovens+e+Adultos+&btnG=&hl=pt-BR&as_sdt=0 (acesso em 04/07/2012)

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Retomando a fala do educador na entrevista ao Instituto Claro, percebe-se que hoje, passados mais de 15 anos da certificação do primeiro curso de especialização em Comunicação e Educação da USP, implantado por Soares, este pondera que

quem pratica Educomunicação (especialmente o espaço das ONG’s que trabalham com mídia e educação), talvez de 50 até 100 mil jovens estejam sendo diretamente beneficiados por estes programas. Mas, na rede de educação do país são 42 milhões de jovens: eles não têm o direito de melhorar a auto-estima e tornarem o espaço educativo mais crítico e autônomo?

Em outra entrevista, à Folha Dirigida4, o professor elucida outros pontos relativos ao surgimento das primeiras ideias sobre a Educomunicação e seus contextos, conforme transcrição de alguns excertos abaixo. Os períodos em destaque, com grifos meus em negrito, são ideias que trago à superfície e a partir das quais proponho reflexões ao final deste capítulo (grifos meus):

Agora, o conceito Educomunicação em si mesmo era um conceito que já existia e designava tão somente a questão da recepção crítica. A Educomunicação significaria educação para a recepção crítica da

mídia. Eu entendi, contudo, que o conceito poderia ser ressignificado.

Ganhar um novo sentido.

Entende-se aqui a proposta de “ampliação” do sentido da Educomunicação: não “meramente” a educação para a recepção crítica da mídia, mas “algo mais ousado, completo, profundo”. Ofereceu-se, portanto, a oportunidade do “povo” criar seus próprios documentários, elaborar suas próprias notícias, descentralizando o monopólio de poder de quem detém e propaga a notícia. A partir da leitura das reflexões de Soares, há algumas questões que emergem hoje:

a) seria entregando uma câmera na mão do cidadão que lhe daria voz política?;

b) não é a partir da leitura crítica da mídia que tenho subsídios para discordar e, aí sim, criar “minha visão de notícia”?;

c) com o uso de todas as mídias do século XXI, inclusive com as redes sociais, está o cidadão contemporâneo sendo “ouvido”?;

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Entrevista de 20 de dezembro de 2005, disponível em

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d) se todos podem construir sua notícia e tê-la como verdade local, quais seriam os parâmetros de validação desta verdade?

Dada a relevância da Educomunicação e suas implicações, o professor Ismar Soares explica a origem deste termo, ampliado depois a partir de suas pesquisas e reflexões em entrevista à Folha Dirigida de 20/12/2005, disponível mo site NCE/USP, na qual se lê (grifos meus):

O conceito inicialmente foi usado por um uruguaio chamado Mário Kaplun, que o usava como sinônimo de educación a los medios, ou o

conceito de comunicação educativa. Porém, eu entendi que esse

conceito poderia ganhar um novo significado para abranger todas as

ações advindas dessa relação. E aí eu identifiquei várias ações. [...] Uma primeira ação é a própria educação para recepção crítica, é uma ação,

é uma área, importante, presente no mundo inteiro; na Inglaterra chama-se media education; nos Estados Unidos é media literacy, é literatura sobre os meios. Outra área é chamada de expressão comunicativa através

das artes. (...) No entanto, nós descobrimos que muita gente usa arte para

promover auto-estima das crianças e dos idosos por exemplo, fazendo

com que eles se comuniquem melhor. Para nós isso é educomunicação. É uma área da Educomunicação. Existe uma terceira área que nós chamamos área das mediações tecnológicas no espaço educativo. Isso fazendo um contraponto com aquilo que se chama em

educação de tecnologias educativas.

Talvez o “novo olhar” que Ismar Soares deseja trazer sobre a Educomunicação - propondo, inclusive, a formação acadêmica de um profissional chamado por ele de educomunicador – não seja mais do que o papel que deveria ser de todo professor (formar leitores críticos, educar com arte e usar a tecnologia como mediadora das relações micro e macrossociais). Quando muito, caso o docente não esteja apto – seja por quaisquer motivos – de assumir com a devida competência uma dessas frentes, faz-se importante a intervenção da coordenação pedagógica da escola para orientá-lo e maximizar suas potencialidades. Abaixo, mais esclarecimentos dados por Soares na mesma entrevista à Folha Dirigida, à qual explica a diferença entre mediações tecnológicas e tecnologias educativas (grifos meus):

A diferença é: a tecnologia educativa é entendida como um instrumento

na mão do professor para melhorar a sua performance. Para a

educomunicação, a tecnologia é usada como um meio para mediar as

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impossível chegar a um público ainda que próximo, um público médio, que dirá um grande público, sem usar os instrumentos da tecnologia. No caso a internet, a mídia impressa, os banners, os folhetos, assim por diante. Mas no caso da tecnologia, ela é entendida como mediação não apenas porque ela transmite, é um canal, mas porque condiciona a própria produção da informação. Existe uma linguagem própria para a televisão, para o rádio, para o jornal, que limita ou fortalece as formas de expressão das pessoas e inclusive cria novas condições de aprendizagem.

Estão aí os blogs e seus “posts”, os facebooks e seus “compartilhamentos”, os Ipads e seus “Instagrans”, o Fantástico e seu “disque 800”, mas, proporcionalmente ao número destes recursos disponíveis no mundo, parece-me diminuta a mediação efetiva das relações entre grupos ativistas e a sociedade. Contrário a este movimento, soa-me tão alto o grau de fragmentação da sociedade moderna que me dificulta perceber relações sadias entre minorias e sociedade.

Quem sabe não seja esta a importância da Educomunicação e de todas as perspectivas que se abrem por meio dela... Algumas questões quanto a este ramo do conhecimento precisam ser tomadas como prioridade e dentre elas destacam-se, segundo Neto (2006, pp.14 e 15. In: MELO, 2006):

[...] Encontrar caminhos para incorporar na formação de professores, inicial e continuada, as preocupações com os processos comunicacionais presentes no ato educativo, de forma inclusive a superar uma certa atitude negativista que persiste em relação às mídias e que dificulta encontrar caminhos criativos para explorar as contribuições que as mesmas podem dar ao processo humano de desenvolvimento;

Pensar a formação dos educadores [...] considerando os processos comunicacionais na perspectiva de novos paradigmas em ciência e educação [...]

A partir desta realidade, percebida intensa e claramente neste século pós-moderno, é que o legado utópico do visionário Mario Kaplún torna-se cada vez mais contemporâneo e indiscutível, pois dialoga com Celestin Freinet (1896-1966) ao concordar sobre a construção coletiva da aprendizagem; com Paulo Freire (1921-1997) se identifica no plano do processo autônomo e do descobrimento social que uma educação ativa proporciona; e com Lev Vigotsky (1896-1934) compartilha a questão da aprendizagem como processo social, da interação de um sujeito com outros. É o próprio Kaplún (1998, p.19) quem afirma que pensamentos convergentes entre educação e comunicação devem ser

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[...] no tanto para lós contenidos que van a ser comunicados ni para los efectos em término de comportamiento, cuanto para La interación dialéctica entre las personas y su realidad; y especialmente para el desarrollo de sus capacidades intelectuales y su conciencia social.

E foi a partir deste olhar pioneiro de Kaplún (1998), baseado, essencialmente, na cidadania e não no mercado, que Soares ampliou o olhar sobre o termo “Comunicação Educativa”. O Núcleo de Comunicação e Educação da USP (NCE-ECA) chamou de “Ação Educomunicativa” o trabalho realizado nas ‘áreas de intervenção’ assim descritas: a) educação para a comunicação (procura discutir a relação entre emissores e receptores no processo de comunicação e a formação de receptores autônomos da área da educação); b) mediação tecnológica na educação (intenta compreender como a comunidade educativa pode ter acesso às tecnologias na condição de expressões comunicativas); c) expressão comunicativa através das artes (concentra-se no esforço de produção cultural como meio de auto-expressão individual e coletiva); d) gestão comunicativa (relaciona-se à criação de quaisquer ecossistemas educativos, incluindo planejamento, execução e avaliação de programas de intervenção social no diálogo entre Comunicação/Cultura/Educação; e) reflexão epistemológica sobre a inter-relação Comunicação/Educação (detém nos estudos sobre a natureza do fenômeno da inter-relação entre Comunicação/Educação). Sobre tais “áreas de intervenção”, no artigo intitulado “Educom.rádio, na trilha de Mario Kaplún” (In: MELO, José Marques. Et al. (org), 2006, p.181) Soares pondera que

A confirmação da hipótese de que o campo da educomunicação possa ser compreendido pela aproximação destas cinco áreas, representou, na verdade, o primeiro resultado da investigação [sobre Educomunicação]. [...] As cinco áreas não são excludentes, nem são únicas. Representam, apenas, um esforço de síntese, uma vez que parecem aglutinar as várias ações possíveis no espaço da inter-relação em estudo.

Como exemplos pontuais do movimento da Educomunicação no país, seguem três projetos que têm sido realizados no Brasil - lembrando que os textos explicativos foram retirados integralmente dos sites das instituições responsáveis pelos respectivos programas, com a citação do endereço eletrônico de cada um, além da informação do Estado em que atuam. Afora as propostas citadas abaixo, outras podem ser consultadas no Anexo 6 deste trabalho:

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