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A INTER-RELAÇÃO ENTRE O BIOLÓGICO, PSICOLÓGICO E SOCIAL: Como Compreender o Suicídio

1.3. As Teorias Psicanalíticas (Psicológicas):

1.3.5. Edwin Shneidman

Edwin Shneidman foi o fundador, em 1968, da American Association of Suicidology e é tido como o instituidor da suicidologia moderna. Ele também foi o co- diretor do Centro de Prevenção ao Suicídio de Los Angeles, além de ter escrito, editar e ser co-editor de diversos livros sobre o suicídio, e de ter ensinado em grandes universidades americanas.

Para Shneidman, a natureza do suicídio é essencialmente psicológica.

A imagem de uma arbórea pode ser útil: veja a árvore; aquela árvore. Há uma química da terra em que a árvore vive. A árvore existe num clima sociocultural. O estado bioquímico de um indivíduo, por exemplo, são suas raízes, figurativamente falando. O método de um indivíduo cometer suicídio, os detalhes do evento, o conteúdo das cartas dos suicidas, e assim por diante, são metaforicamente as ramificações, o fruto imperfeito, e as folhas camufladas. Mas o componente psicológico, a escolha consciente do suicídio como aparentemente a melhor solução para o problema percebido, é o tronco principal. 184

Foi Shneidman que criou o termo “psychache”185

, que seria a causadora do suicídio. Para ele,

Psychache refere-se à ferida, angústia, sofrimento, dor, tormento psicológico na psique, a mente. Ele é intrinsecamente psicológica – a dor de excessiva vergonha, ou culpa, ou humilhação, ou solidão, ou medo, ou angústia, ou pavor de envelhecer ou de morrer horrivelmente, ou qualquer que seja. Quando ele ocorre, sua realidade é introspectivamente inegável. Suicídio ocorre quando o psychache é considerado pela pessoa como insuportável. Isto significa que o suicídio também tem ligação com diferentes limiares individuais para suportar a dor psicológica. 186

A falha em tentar correlacionar ou relacionar o suicídio à outras variáveis, tais como: idade, raça, gênero, socioeconômico, categorias psiquiátrica, deve-se simplesmente pelo fato que os estudiosos esquecem a variável que realmente importa, que seria a psychache, pois só esta possui a capacidade de se relacionar ao suicídio.

183 BAECHLER, Jean. Suicides. Op. cit, p. 122. 184

SHNEIDMAN, Edwin. The Suicidal Mind. New York: Oxford University Press, 1998, pp. 5-6.

185 SHNEIDMAN, Edwin. “Suicide as Psychache”. Journal of Nervous and Mental Disease 181: 147-149,

1993. In: MALTSBERGER, John T; GOLDBLATT, Mark J. (editors). Essential Papers on Suicide. New York: New York University Press, 1996.

59 A satisfação às necessidades psicológicas de uma pessoa consiste no propósito da maioria de suas atividades. As necessidades psicológicas estão ligadas as dores psicológicas. Então, o suicídio seria relacionado àquelas, tendo em vista que consiste numa necessidade acabar com dor psicológica intolerável. “Além do mais, o que causa a dor é o bloqueio, impedimento, ou frustração de certas necessidades psicológicas que a pessoa considerava ser vital para continuar vivendo.” 187

Segundo Shneidman, “o suicídio não é adaptativo, mas ajustado no sentido que ele serve para reduzir tensão da dor relacionada às necessidades bloqueadas.” 188

O suicídio também está relacionado à felicidade, contudo, quando esta se refere aquela felicidade sentida somente numa infância favorável e não a felicidade relacionada à posse de objetos. Visto que a felicidade que se vivencia na infância, funciona como um conforto, anestesia psicológica e a anulação da dor, ou seja, como o autor menciona, esta forma de felicidade funciona como uma forma de êxtase.

Shneidman, digamos, criou um meio de se detectar a dimensão da psychache, que seria feito ao classificar a personalidade de um indivíduo com base nas suas necessidades, ou mais precisamente, em 20 necessidades. Com estas feitas, deve-se atribuir a cada necessidade um valor, desde que somando as 20 necessidades tenha-se um total de 100.

Deste modo, o suicídio estaria relacionado a dois sets de disposição ou do set do peso relativo das necessidades, que seriam as necessidades modais e as necessidades vitais – quando o indivíduo está sob ameaça ou coação, estes entram em jogo. Nos suicídios cometidos pode-se observar que estes foram cometidos devido à frustração de dois ou três de suas necessidades. Portanto, para se prevenir o suicídio, deve-se observar as necessidades psicológicas frustradas e tentar mudar isto, ou seja, “acalmar a psychache”.

Apesar da aparente associação do suicídio com a depressão, para Shneidman isto não é verdadeiro. Enquanto que a depressão possui causas fisiológicas, biológicas e genéticas, o seu tratamento consiste na utilização de medicamentos, já o suicídio é um evento fenomenológica, que não possui tratamento, mas meios de auxiliar a tempestade pela qual a mente passa, que seria a terapia e trocas de ambientes.

Além do mais, apesar de em todos os suicídios observa-se que os indivíduos estavam perturbados – não necessariamente sendo doentes psiquiátricos -, o suicídio

187

SHNEIDMAN, Edwin. “Suicide as Psychache”. Op. Cit. P. 634.

60 não consiste numa doença psiquiátrica. “Depressão nunca causa suicídio, mais propriamente o suicídio resulta de psychache severa, acoplada com mal-estar, constrição da capacidade perceptiva, e a idéia de morte preferível a vida.” 189 Então, pode-se notar que a depressão não é mortal. O mesmo não se pode dizer da psychache severa.

Concluindo, Shneidman comenta que nos seus 40 anos de estudos da suicidologia, ele possuí certas crenças sobre o suicídio:

1. A explicação do suicídio na humanidade é a mesma que a explicação do suicídio de qualquer humano em particular. Suicidologia, o estudo do suicídio humano, e a autopsia psicológica (de um caso particular) são idênticas nos seus objetivos: para mordiscar o quebra-cabeça da auto- destruição humana.

2. O fato mais evidente sobre a suicidologia e eventos suicidas é que eles são multidimensionais, multifacetados, e multidisciplinar, [...].

3. Da visão dos fatores psicológicos do suicídio, o elemento chave em todos os casos é a dor psicológica: psychache. [...].

4. Indivíduos possuem diferentes limiares para aguentar e tolerar dor; assim, a decisão individual de não suportar a dor é também diretamente relevante. 5. Em todos os casos, a dor psicológica é criada e alimentada pela frustração das necessidades psicológicas. [...].

6. Há necessidades psicológicas modais com que a pessoa vive e há as necessidades psicológicas vitais cuja frustração não pode ser tolerada. Dentro do indivíduo, estes dois tipos de necessidades são psicologicamente constantes um com o outro, porém não necessariamente o mesmo que o outro.

7. A remediação (ou terapia) do estado suicida encontra-se no endereçamento e acalmando as necessidades vitais frustradas. [...]. Frequentemente, apenas uma pequena suavização das necessidades frustradas do paciente podem mudar o balanço vital suficientemente para salvar a vida. 190

1.3.6. Beck

Aaron T. Beck, atualmente, é professor de psiquiatria da University of Pennsylvania, tendo contribuído para os estudos do suicídio, mas, principalmente, para os estudos do desenvolvimento da terapia cognitiva, em especial, da depressão. 191

A tese de Beck sobre comportamento suicida incorpora dois temas que ocorrem no levantamento histórico do suicídio; a saber, o conceito de que a desesperança (hopelessness) é um agente catalítico e que a razão debilitada possui um papel importante na maioria dos casos de desesperança e, consequentemente, no comportamento suicida. O principal impulso no argumento de Beck é que o comportamento suicida de pacientes depressivos é derivado de distorções cognitivas específicas: o paciente sistematicamente ignora suas experiências de um modo negativo e, sem base objetiva, antecipa o resultado negativo de qualquer tentativa de atingir seus objetivos maiores ou metas. 192

189 SHNEIDMAN, Edwin. “Suicide as Psychache”. Op. Cit. p. 637. 190

Idem, pp. 637-638.

191 MALTSBERGER, John T; GOLDBLATT, Mark J. (editors). Essential Papers on Suicide. New

York: New York University Press, 1996, p. 331.

192

BECK, Aaron T.; KOVACS, Maria; WEISSMAN, Arlene. “Hopelessness and Suicidal Behavior”. Jornal of the American Medical Association 234: 1146-1149, 1975. In: MALTSBERGER, John T;

61 A teoria cognitiva de Beck:

Considera o modo como a unidade estrutural e organizacional que contém determinados esquemas como uma suborganização específica dentro da organização da personalidade que incorpora os componentes básicos da mesma: componentes cognitivos, afetivos, comportamentais e motivacionais.

193

Devido aos inúmeros e contraditórios termos utilizados para designar e classificar os atos suicidas, Beck e colegas, em conjunto com um comitê do Centro de Estudos de Prevenção do Suicídio, prepararam uma novo nosologia ao comportamento suicida. A classificação baseou-se na quantificação da intenção ao suicídio e, assim, chegaram a três categorias: suicídio consumado; tentativa de suicídio; e ideação suicida.

194

Com relação à questão da desesperança e a intenção suicida195, Beck mostrou que aquela consiste numa indicação mais forte da intenção suicida, do que realmente a depressão. Logo,

As implicações deste achado para a terapia de indivíduos suicidas são importantes. A cognitiva e fenômeno atitudinais da desesperança são importantes sintomas alvos em tratando de indivíduos suicidas. O clínico é mais provável para controlar a situação ao direcionar a desesperança do paciente do que lidando com seus atos de manifestação autodestrutivos. Ao focalizar na redução da desesperança do paciente, o profissional poderá possivelmente aliviar crises suicidas mais efetivamente do que no passado. 196

Assim, a formulação da desesperança de Beck possibilitou uma lógica cognitiva e abordagens para se corrigir as concepções errôneas presentes nas atitudes suicidas. “Quando as expectativas negativas são relacionadas aos vários fatores reais da vida, o presente achado pode auxiliar na identificação do ponto de partida para os profissionais cuja suprema meta é mudança social construtiva.” 197

GOLDBLATT, Mark J. (editors). Essential Papers on Suicide. New York: New York University Press, 1996, p. 333.

193 CORRÊA, Humberto; BARRERO, Sérgio Perez. “As Teorias do Suicídio”. In: CORRÊA, Humberto;

BARRERO, Sérgio Perez. Suicídio: Uma Morte Evitável. São Paulo: Atheneu, 2006, p. 43.

194 BECK, Aaron T.; KOVACS, Maria; WEISSMAN, Arlene. Op. cit.

195 “Intenção Suicida foi conceituado em termos do peso relativo do desejo de viver do paciente e do

desejo de morrer, seu impedimento psicológico contra ceder aos desejos suicidas, e o grau a que ele tem transformado seus desejos suicidas em um plano concreto ou ato efetivo orientado para a morte.” BECK, Aaron T.; KOVACS, Maria; WEISSMAN, Arlene. Op. cit, p. 334.

196

BECK, Aaron T.; KOVACS, Maria; WEISSMAN, Arlene. Op. cit, p. 339.

62 Em resumo, como se pode observar pela literatura apresentada, que não há um consenso sobre a causa do suicídio, mas uma grande variedade e diversificação das teorias e das visões para se explicar o fato. Onde há consenso, porém, é que como o suicídio consiste num fenômeno complexo, o seu entendimento só pode ser multidimensional, como bem mostra Edwin Shneidman:

O fato mais evidente sobre a suicidologia e eventos suicidas é que eles são multidimensionais, multifacetados, e multidisciplinar, contendo, como fazem, concomitantemente biológico, sociológico, psicológico (interpessoal e intrapsíquico), epidemiológico, e elementos filosóficos. 198

Apesar do auxílio que todos nos campos de estudo do suicídio pode nos trazer, neste trabalho o suicídio será abordado, principalmente, pela visão sociológica. Isto porque a nossa fonte de estudo será feita, sobretudo, de dados estatísticos, elaborados a partir das notícias dos jornais.

Vale observar, que as notícias, sobre os casos de suicídios e de tentativas de suicídio nos jornais, não apresenta uma uniformidade quanto as suas reportagens. As notícias apesar de trazerem o meio utilizado para o intento e, geralmente, o nome do indivíduo, algumas delas podem ou não trazer certos dados, tais como: o motivo; a idade do indivíduo; em que hora foi praticado; raça; estado civil; emprego; etc.

A visão sociológica também virá a trazer um melhor entendimento da relação entre modernidade e o suicídio presente no Recife na década de 1920. Tendo em vista que a modernidade trouxe mudanças bruscas no cotidiano da cidade, afetando com isto as relações sociais dos seus habitantes. Isto será abordado ao longo dos próximos capítulos.

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CAPÍTULO 2