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HOMICÍDIO

3.3.1. Suicídio e as Teses Médicas:

O suicídio consiste num tema que pode abranger diversas áreas do conhecimento, desde a filosofia até a literatura; do direito à medicina. Foi com Esquirol que o suicídio começou a ser estudado e analisado pela ótica médica da psiquiatria.

No Brasil, o suicídio começou como tema de estudos médicos desde o século XIX. O suicídio nos discursos médicos durante os oitocentos foi alvo de estudo da tese em história de Fábio Henrique Lopes151, que a realizou utilizando as teses médicas da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e também de algumas teses médicas francesas.

150 SANTOS, Ruy. Da Euthanasia nos Incuraveis Dolorosos. Op. Cit. P. 80. LAPEH

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170 Lopes analisou o suicídio dos discursos médicos a partir de quatro temas, que seriam: a dimensão patológica; o suicídio como conseqüência das paixões; as diferenças de gênero entre os suicídios e a influência da literatura na ocorrência dos suicídios.

Referente à dimensão patológica, o autor observou que os médicos observaram o suicídio por duas dimensões, uma que seria que a causa deste devia-se as alterações do juízo e por sofrer das faculdades mentais; a outra seria a existência de duas formas de suicídio: a voluntária e a involuntária, sendo aquela quando havia a reflexão e esta por ter sido ocasionada por alguma doença mental. Estes discursos médicos abordaram a questão usando Esquirol como a principal referência, apropriando-se dos estudos e das análises deste.

Quanto às causas, [...], os médicos brasileiros também entreviam uma pluralidade delas: excessos das paixões, vícios como o álcool, abusos sexuais, a diferença sexual, idade, a leitura de certos romances, a cobertura detalhada por parte da imprensa, a miséria, entre tantas outras causas. 152

Com relação ao tema das paixões, os médicos por ele analisado, notaram que estes eram um fator de perigo para a ocorrência dos suicídios, como também para a desordem e descontrole, devido às possíveis consequências ocasionadas pelo amor passional. Lopes também notou a questão do meio social como fator de influência, isto porque, o “meio foi visto [...] como facilitador ou indutor de suicídio, por permitirem o surgimento e a proliferação de uma gama quase infinita de paixões, como também de instintos irrefreáveis sobre a razão.”153

Dentre o meio que mais facilitavam eram as grandes cidades, pois causavam a proliferação das paixões, dos vícios e dos abusos.

Tratando-se das diferenças entre os gêneros e os suicídios, os médicos do século XIX diziam, segundo Lopes, que as mulheres se suicidavam menos, pois não tinham forças para praticar o ato, porém enlouqueciam mais do que os homens. Os homens se suicidavam mais devido ao fato de escolherem instrumentos mais violentos e terem a mente decidida quanto ao realizar o ato. Esta diferença também devia-se que o homem era a figura do intelecto, do possuidor da razão, o ser corajoso e possuidor da força, enquanto que as mulheres eram seres emotivas, com inferioridade tanto mental como física e intelectual, além de serem fracas, débil e dóceis.

Por fim, a influência da literatura, esta foi vista pelos médicos como um perigo, em especial, a literatura romântica dada a sua capacidade de exercer efeitos nocivos aos indivíduos, além de serem agentes de contágios ao suicídio.

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LOPES, Fábio Henrique. A Experiência do Suicídio. Op. Cit. p. 91.

171 Desta forma, o autor notou que,

Caminhos diferentes foram propostos pelos médicos para a compreensão do suicídio. Alguns analisavam as alterações físicas/patológicas como causas diretas; outros começaram, principalmente ao longo da segunda metade do século XIX, a observar e estudar outras possíveis causas, presentes e produzidas pelo meio social no qual o indivíduo estava inserido. 154

Esta mudança justifica o fato do suicídio ser abordado pelo lado social nas teses médicas do século XX, em especial, da década de 1920. Tanto que os médicos deste período que abordaram, como tema principal das suas teses o suicídio, pela ótica da medicina legal. Todavia, vale observar que este fato também pode ser justificado pelo predomínio da Medicina Legal na Faculdade de Medicina da Bahia, instituição de onde obtivemos estas teses médicas.

Contudo, vale observar que o suicídio também foi abordado em outras teses médicas, porém sem ser o objeto principal do estudo. Como exemplo, podemos observar a tese de Attilio Bruni155 sobre a melancolia. Nesta ainda observamos a influência de Esquirol, que modificou o uso do termo melancolia, que passou a “designar não só os delírios tristes, mas todos os delírios parciais, tristes e alegres, houve por bem chamar monomania aos delírios parciais e lipemania aos delírios tristes. Esta última denominação foi substituída mais tarde por aquela de melancolia.”156

Bruni aborda diversos tipos de melancolia, mas a que aqui nos interessa é a melancolia ansiosa, cuja característica é uma extrema ansiedade, pois os seus portadores “são muito ativos, (Melancolia ativa de Esquirol). O doente anda de um lado para outro, ora queixando-se amargamente, ora gesticulando desesperadamente.”157 Neste tipo, devido a perturbação na cenestesia158, ocorre uma alteração nas trocas orgânicas e circulatórias, causando uma sensação dolorosa na área torácica que situa sobre o coração, fator de tormento aos por ele atingidos. Como conseqüência disto, o suicídio e a auto-mutilação tornam-se frequentes nos indivíduo melancólicos ansiosos.

Aparentemente, o suicídio não é só típico da melancolia ansiosa, pois,

A manifestação concomitante da melancolia, funesta, é a tentativa de suicídio que raramente falta.

Essa tendência para ser a conseqüência das idéias do doente, por não se achar mais digno do perdão de Deus, por ter causado a ruína de muitos. Quase sempre as idéias de suicídio aparecem momentaneamente, de um modo

154 LOPES, Fábio Henrique. A Experiência do Suicídio. Op. Cit. p. 203.

155 BRUNI, Attilio. Melancolia. Tese de Medicina. (Cadeira de Psiquiatria). Faculdade de Medicina do

Paraná, Novembro de 1921. LAPEH

156 Idem, PP. 5-6. 157 Idem, PP. 12-13. 158

Cenestesia consiste “Sensibilidade interna que nos informa sobre o estado de nossos órgãos.”. Fonte: Dicionário Michaelis Online.

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impulsivo e também as vezes, no período de convalescença. Todo o melancólico por isso deve ser vigiado, porque, apesar de sempre negar a vontade do suicídio, é capaz de tentá-lo ... e depois da tentativa de nada se lembra. 159

Segundo Bruni, muitos dos suicídios dos indivíduos melancólicos não possuem outra explicação. O suicídio pode ser fruto da evolução da psicose, nos casos em que não houve a cura ou melhoras, isto porque enquanto alguns sintomas somem, outras se definem, havendo uma baixa na excitabilidade afetiva e consequentemente um amento dos delírios, que podem causar as automutilações, demência e suicídio.

Ao se tratar um melancólico, há diversos tratamentos que podem ser utilizados, contudo, um precisa ser realizado com cuidado, que seria a psicoterapia. Esta forma de tratamento exige que o psicoterapeuta torne-se amigo do indivíduo melancólico, buscando evitar a ocorrência de todas as emoções e perturbações, pois caso contrário, pode ocorrer o suicídio num êxtase melancólico.

Voltando-se a questão do suicídio por um viés mais social, encontramos as teses de Quintino da Costa160, “Do Suicídio e sua prophylaxia”; Florival Seraine161, “Suicídio e Mimetismo”162

; e José Souza163, “Do suicídio por envenenamento, principalmente na Bahia”. Todas foram elaboradas pela ótica da Cadeira de Medicina Legal.