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A INTER-RELAÇÃO ENTRE O BIOLÓGICO, PSICOLÓGICO E SOCIAL: Como Compreender o Suicídio

1.2. As Teorias Sociológicas:

1.2.1. Karl Mar

Karl Marx publicou, em janeiro de 1846, um artigo intitulado Peuchet: vom

Selbstmord, que recebeu em português o título Sobre o Suicídio49. O artigo em si consiste em excertos de Jacques Peuchet – antigo diretor dos Arquivos da Polícia -, mas que também trazem escritos e modificações de Marx.

Para ele, o suicídio consiste num sintoma da organização deficiente da sociedade moderna, pois as taxas de suicídio, que são tidas com uma média normal e periódica, variam “na época da paralisação e das crises da indústria, em temporadas de encarecimento dos meios de vida e de invernos rigorosos, esse sintoma é sempre mais evidente e assume um caráter epidêmico.” 50

Para Marx a maior causadora do suicídio seria a miséria, contudo faz a observação que o suicídio também se encontra presente em todas as classes, inclusive “entre os ricos ociosos como entre os artistas e os políticos. A diversidade das suas causas parece escapar à censura uniforme e insensível dos moralistas.” 51

A razão pelo suicídio dos ricos seria para Marx o seguinte:

As doenças debilitantes, contra as quais a atual ciência é inócua e insuficiente, as falsas amizades, os amores traídos, os acessos de desanimo, os sofrimentos familiares, as rivalidades sufocantes, o desgosto de uma vida monótona, um entusiasmo frustrado e reprimido são muito seguramente razões de suicídio para pessoas de um meio social mais abastado, e até o próprio amor à vida, essa força enérgica que impulsiona a personalidade, é frequentemente capaz de levar uma pessoa a livrar-se de uma existência detestável. 52

Contudo,

É verdade que, quanto mais nossa época de comércio progride, mais raros se tornam esses nobres suicídios da miséria, que cedem lugar à hostilidade consciente, ao passo que ao miserável são brutalmente impostas as

48

DIAS, Maria Luiza. Suicídio. Op. Cit. p. 24.

49 MARX, Karl. Sobre o Suicídio. São Paulo: Boitempo, 2006. 50 Idem, p. 24.

51

Ibidem.

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oportunidades do roubo e do assassinato. É mais fácil arranjar a pena capital do que algum trabalho. 53

Marx defende que o suicídio não é antinatural, como Madame de Staël54 havia determinado o suicídio. Isto porque o suicídio ocorre diariamente na sociedade, logo, devido a isto, “está na natureza de nossa sociedade gerar muitos suicídios”. Contudo, os produtos variam de sociedade para sociedade e “é [isto] o que precisamos ter em mente para trabalharmos na reforma de nossa sociedade e permitir-lhe que se eleve a um patamar mais alto [do destino do gênero humano].” 55

Para Marx:

Tudo o que se disse contra o suicídio gira em torno do mesmo círculo de idéias. A ele são contrapostos os desígnios da Providência, mas a própria existência do suicídio é um notório protesto contra esses desígnios ininteligíveis. Falam-nos de nossos deveres para com a sociedade, sem que, no entanto, nossos direitos em relação a essa sociedade sejam esclarecidos e efetivados, e termina-se por exaltar a façanha mil vezes maior de dominar a dor ao invés de sucumbir a ela, uma façanha tão lúgubre quanto a perspectiva que ela inaugura. Em poucas palavras, faz-se do suicídio um ato de covardia, um crime contra as leis, a sociedade e a honra. 56

A verdade é, segundo o autor, o homem consiste num próprio mistério para ele mesmo, tanto que é mais fácil censurá-lo do que conhecê-lo.

Quando se vêem a forma leviana com que as instituições, sob cujo domínio a Europa vive, dispõem do sangue e da vida dos povos, a forma como distribuem a justiça civilizada com um rico material de prisões, de castigos e de instrumentos de suplício para a sanção de seus desígnios incertos; quando se vê a quantidade incrível de classes que, por todos os lados, são abandonadas na miséria, e os párias sociais, que são golpeados com um desprezo brutal e preventivo, talvez para dispensar-se do incômodo de ter que arrancá-los de sua sujeira; quando se vê tudo isso, então não se entende com que direito se poderia exigir do indivíduo que ele preserve em si mesmo uma existência que é espezinhada por nossos hábitos mais corriqueiros, nossos preconceitos, nossas leis e nossos costumes em geral. 57

Para ele, as penalidades e as infâmias aplicadas aos suicidas não possui finalidade na contenção do suicídio, visto que os suicidas, geralmente, não estão preocupados com isto. As únicas mudanças, para se evitar o suicídio, só teriam êxito caso houveste uma reforma total da ordem social.

Segundo Karl Marx,

O suicídio não é mais do que um entre os mil e um sintomas da luta social geral, sempre percebida em fatos recentes, da qual tantos combatentes se

53 MARX, Karl. Sobre o Suicídio. Op. Cit. p. 44. 54

Madame Staël ou Germanine de Staël (1766-1817) foi uma literária, que manteve um célebre salão em Paris dos anos 1790.

55 MARX, Karl. Sobre o Suicídio. Op. Cit. p. 25. 56

Idem, p. 26.

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retiram porque estão cansados de serem contados entre as vítimas ou porque se insurgem contra a idéia de assumir um lugar honroso entre os carrascos. 58

Para o autor, “a classificação das diferentes causas do suicídio deveria ser a classificação dos próprios defeitos de nossa sociedade.” 59

O suicídio, em si, consiste no último recurso contra os incômodos da vida privada, tendo em vista a carência de algo melhor.

Concluindo, para Marx:

O suicídio elimina a pior parte da dificuldade, o cadafalso ocupa-se com o resto. Somente com uma reforma de nosso sistema geral de agricultura e indústria pode-se esperar por fontes de recursos e por uma verdadeira riqueza. Nos pergaminhos, podemos facilmente proclamar constituições, o direito de todo cidadão à educação, ao trabalho e, sobretudo, a um mínimo de meios de subsistência. Mas, com isso, não se fez tudo; ao se escreverem esses desejos generosos sobre o papel, persiste a verdadeira tarefa de fazer frutificar essas idéias liberais por meio de instituições materiais e inteligentes, por meio de instituições sociais. 60