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A INTER-RELAÇÃO ENTRE O BIOLÓGICO, PSICOLÓGICO E SOCIAL: Como Compreender o Suicídio

1.3. As Teorias Psicanalíticas (Psicológicas):

1.3.2. Karl Menninger

Karl Menninger (1893-1990) foi um psicanalista, que estabeleceu a instituição

Menniger Clinic (Clínica Menninger) em Kansas, EUA e escreveu o livro “Man against

himself”, que em português foi traduzido por “Eros e Tânatos: O homem contra si próprio”. Segundo Shneidman, Menninger foi um dos dois melhores vendedores das idéias de Freud 135

132

LITMAN, Robert. “Sigmund Freud on Suicide.” Op. cit., p. 213.

133 Idem, p. 214.

134 CORRÊA, Humberto; BARRERO, Sérgio. “As Teorias do Suicídio”. Op. cit., p. 40. 135

SHNEIDMAN, Edwin S. Comprehending Suicide: Landmarks in 20th – Century Suicidology. Washington, DC: American Psychological Association, 2007.

44 Ele veio a criticar a simplicidade com a qual justificavam a concepção do suicídio como uma fuga da realidade, uma doença mental; pela desgraça, pela pobreza; pela frustração; pelo amor não correspondido; etc. Para Menninger o suicídio consiste na morte de si próprio, cujo assassino é o si próprio, ou seja, a pessoa é ao mesmo tempo o assassinado e o assassino. Como nos assassinatos há motivos dos mais diversos, pode- se observa no suicídio, então, o desejo de ser morto. 136

Assim, “nós devemos pensar o suicídio, então, como um tipo peculiar de morte que requer três elementos: o elemento de morrer, o elemento de matar; e o elemento de ser morto.” 137

Aparentemente esses três elementos possuem diferentes pesos em muitos dos suicídios, ou seja, um destes três elementos encontra-se, em vários casos, mais fortes do que o outro. Cada um destes elementos consiste num ato pela qual existem motivos, inconscientes e conscientes.

Será visto a seguir cada um destes três elementos, pois para Menninger estes requerem análises separadas:

a. O desejo de matar:

“Por todo o universo, da qual nós somos parte, aparece existir em constante conflito e oposição as duas forças de criação e destruição.” 138

Este paralelo encontra-se nos propósitos do inconsciente humano, na qual os desejos assassinos destrutivos surgem na infância, com aumentos e declínios durante toda a infância da criança. Contudo, estes desejos destrutivos podem se tornar externos ou mesmo serem neutralizados no interior da personalidade.

Menninger explica que o impulso da auto-preservação pode tornar-se contra a si próprio devido ao fenômeno da introjeção com deslocamento.

É quase axiomático na psicanálise que um objeto de amor ou ódio que é perdido ou escapa além o alcance do ego pode ser recuperado e retido pelo processo de introjeção com o deslocamento das emoções adequado do objeto original para o objeto introjetado, que é, a pessoa dentro da pessoa. Consequentemente uma pessoa inconscientemente odiada pode ser destruída ao identificar a si própria com a pessoa, ou mais acurado, identificando aquela pessoa com o eu, e destruindo o eu. 139

136 MENNINGER, Karl A. “Psychoanalytic Aspects of Suicide”. International Journal of Psychoanalysis

14: 376-390, 1933. In: MALTSBERGER, John T; GOLDBLATT, Mark J. (editors). Essential Papers on

Suicide. New York: New York University Press, 1996.

137 Idem, p. 23. 138

Idem, p. 24.

45 Quando os impulsos de destruição são frustrados, quando isto se dirige a um objeto externo, torna-se, então, necessário a introjeção e o deslocamento. Esta frustração pode ocorrer por diversas circunstâncias, que Menninger define como:

(1) a resistência oferecida pela realidade pode ser muito grande; (2) o objeto ao invés de ser oprimido pode ser meramente elusivo; (3) o ataque pode ser inibido por várias circunstâncias internas, principalmente medo e a sensação de culpa; (4) falha do ataque pode ocorrer por um excessivo enfraquecimento de sua força por mistura de elementos eróticos adventícias. [...]. O resultado é que a hostilidade não pode ser sublimado pelo erotismo. O ego consequentemente deve tomar para estes indivíduos uma oscilação ou atitude ambivalente tal modo o amor e ódio têm expressões alternadas, ou outro o ódio deve ser deslocado como no primeiro caso. (5) O exato oposto de (4) ocorre quando elementos eróticos do objeto relacionado são bruscamente eliminados, [...]. 140

A melancolia é um sinal deste último mecanismo, na qual o suicídio é uma característica comum a melancolia, que foi bastante estudado por Freud. O desgosto inconsciente pela perda do objeto amado acaba dirigindo-se agora conscientemente ao mesmo objeto, que agora está incorporado e disfarçado no ego. O amor ao objeto acaba se transformando em tendências hostis.

Gratificação da agressão hostil pela introjeção é feita mais facilmente pelo fato que aparenta ao ego de ser menos perigoso atacar o objeto de fantasia do que o objeto de realidade. Mas quando o objeto da fantasia é identificado com o si, i.e. quando a odiada-amada pessoa é identificada com o ego, a agressão serve de duas saídas, [...]. Por isso a reflexão do (si) impulso destrutivo volta sobre si mesmo aparenta se acompanhado com o aumento da força, para que o instinto de vida não possa mais segurá-los na seleção, exceto pela formação da reação (sintomas). Se isto não pode ser realizado, atual destruição do si ocorre. 141

Todavia, a hostilidade e a agressão destrutiva direcionada contra a pessoa, que é ao mesmo tempo amada e odiada, pode ocorrer de outras formas sem ser o ataque direto. Assim, o ataque destrutivo contra a pessoa odiada-amada pode dirigir a outro objeto, desde que este seja querido à pessoa. Deste modo, o suicídio pode ser uma forma de ataque contra algo que seja relacionado à vida do suicida, podendo este algo ser um indivíduo ou mesmo uma sociedade.

b. O Desejo de Ser Morto:

O desejo de ser morto, segundo Menninger, consiste na extrema forma de submissão, assim, como o assassinato consiste na extrema forma de agressão. O sentimento de culpa com o de punição consiste no resultado de indulgência de atos de

140

MENNINGER, Karl A. “Psychoanalytic Aspects of Suicide”. Op. Cit. P. 25

46 agressão, logo, nota-se que o desejo de destruir e a destruição são muito equivalentes. Deste modo, o indivíduo que nutre desejos assassinos também, muito provavelmente, sente a necessidade de punição, em vista a estes seus desejos, destarte, segundo o autor, nota-se a verdade na idéia de Freud de que vários suicídios consistem em assassinatos disfarçados. “O suicídio é, portanto, a pena de morte auto- infligida.” 142

A técnica utilizada para a prática do suicídio possui significados inconscientes. Conforme Menninger, o estudo psicanalista do suicídio sem atenção aos instrumentos utilizados seria incompleto. Nas suas palavras:

Isto é fortemente determinado e sobre-determinado pelas tendências inconscientes da vítima, nós temos boas razões para acreditar em dois motivos: primeiro, por analogia com atos similares em outros pacientes com resultados menos sérios; em outras palavras, a estabelecida significância “geral” de certos atos; segundo, a muito mais evidência definitiva em tentativas frustradas de suicídios em pacientes que em seguida, ou depois, passa por tratamento e estudo da psicanálise. 143

As escolhas também estão relacionadas ao papeis do gênero na vida, tendo em vista que os homens escolhem mais o tiro, enquanto as mulheres, veneno e gás.

c. O Desejo de Morrer:

Aparenta haver um paradoxo no suicídio, pois há casos em que alguém deseja se matar, mas ao mesmo tempo não deseja morrer. Assim,

Um deve distinguir também entre o desejo consciente e o desejo inconsciente de morrer ou não morrer, o posterior sendo, como nós temos visto, o resultado de co-operação e fatores conflitantes. Um vê este inconsciente desejo não de morrer em frequentes tentativa de suicídio que se revelam sem sucesso devido às técnicas defeituosas. 144

Há possivelmente outras razões para se explicar este fato, porém pode-se notar que nas tentativas de suicídios frustradas havia um elemento em que a pessoa não estava realmente desejando morrer, fazendo supor que nestes casos o instinto de vida ainda conseguia manter-se acima do instinto de morte.

“Eu acho que devemos reconhecer, entretanto, ainda que a teoria do instinto de morte e, portanto, o elemento „o desejo de morrer‟ no suicídio é apenas uma hipótese em contraste com o fato demonstrado da existência dos outros dois elementos.” 145

142 MENNINGER, Karl A. “Psychoanalytic Aspects of Suicide”. Op. cit, p. 28. 143 Idem, p. 31.

144

Idem, p. 33.

47 Concluindo, para Menninger, as tendências de auto-destruição são composta de pelo menos dois elementos: o desejo de matar e o desejo de morrer, sendo o primeiro um elemento agressivo e o segundo, submisso. Aos dois elementos, ainda pode ser adicionada a variável do desejo de morrer, contudo, este ainda sem evidências definitivas.

Estes três elementos seriam derivados do ego (desejo de matar), do super-ego (desejo de morrer) e do Id (desejo de morrer), sendo que estes três elementos são variáveis, sem uma proporção exata, pois em cada caso de suicídio, um destes elementos encontra-se em maior proporção do que os outros. Razão esta pela qual o suicídio pode ser: diretamente ou indiretamente concluído, ou ainda ser completo ou incompleto.