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2.1 Quantificação de fármacos em matrizes biológicas

2.1.3 Efeito matriz na ionização por electrospray

Embora a CLAE-EM/EM seja uma técnica robusta, seletiva e com alta sensibilidade, o potencial para ocorrência de efeito matriz na utilização da IES é a principal limitação na análise de matrizes biológicas complexas, principalmente plasma. Esse efeito é caracterizado pela supressão ou indução do sinal analítico em decorrência de interferentes da matriz coeluídos com o analito, e pode comprometer seriamente a precisão, exatidão, sensibilidade, seletividade e linearidade do método bioanalítico, sendo de fundamental importância sua avaliação detalhada durante o desenvolvimento e a validação (BHASKAR et al., 2013; CHAMBERS et al., 2007; DEVANSHU et al., 2010; GILART et al., 2012; GONZALEZ-COVARRUBIAS et al., 2013; HOPFGARTNER; BOURGOGNE, 2003; KRUVE et al., 2011; LEVERENCE et al, 2007; MATUSZEWSKI; CONSTANZER; CHAVEZ-ENG, 2003; MEI et al., 2003; NIESSEN, 2006; TAN et al., 2007; TAYLOR, 2005; TRUFELLI et al., 2010; VAN ECKHAUT et al., 2009; XU et al., 2007).

Uma ampla variedade de substâncias pode induzir a ocorrência de efeito matriz, especialmente se estiverem presentes em concentrações elevadas no extrato final. Essas substâncias podem ser constituintes da própria matriz ou de diversas fontes externas que entraram em contato com a amostra durante a coleta, preparo ou análise. Os principais agentes endógenos causadores de efeito matriz são sais, surfactantes, substâncias polares, excipientes da formulação e várias moléculas orgânicas, tais como carboidratos, aminas, lípideos, proteínas, peptídeos, fármacos coadministrados, PIs e metabólitos com estrutura química semelhante a do analito. Já os interferentes exógenos mais comuns são anticoagulantes, resíduos de

polímeros, agentes plastificantes dos utensílios de plástico (tubos de coleta, ponteiras, tubos, etc), ftalatos, reagentes para pareamento iônico, ácidos orgânicos, tampões e materiais extraídos dos cartuchos de EFS (CHAMBERS et al., 2007; DEVANSHU et al., 2010; HOPFGARTNER; BOURGOGNE, 2003; KELLER et al., 2008; LEVERENCE et al, 2007; MEI et al., 2003; NIESSEN, 2006; SMERAGLIA; BALDREY; WATSON, 2002; TAYLOR, 2005; TRUFELLI et al., 2010; VAN ECKHAUT et al., 2009; XU et al., 2007; ZHOU et al., 2005).

Embora o efeito matriz ocorra devido à presença desses agentes no extrato final, a natureza química do analito é determinante de sua susceptibilidade aos impactos da presença de interferentes, culminando na supressão ou indução do sinal analítico. Substâncias polares são mais afetadas pelo efeito matriz de supressão. Esse fato pode ser explicado através do modelo de equilíbrio de partição dentro das gotas, as quais possuem duas fases distintas: fase superficial com alta concentração de cargas; e fase neutra no interior da gota, constituída por moléculas do solvente, eletrólitos e analitos mais polares neutralizados. A maior afinidade por contra-íons faz com que as moléculas polares sejam neutralizadas, ficando “aprisionadas” no interior da gota, o que reduz a concentração de íons gasosos dessas substâncias e, consequentemente, o sinal analítico (HOPFGARTNER; BOURGOGNE, 2003; TAYLOR, 2005; TRUFELLI et al., 2010; XU et al., 2007; SØRENSEN, 2011).

A compreensão dos mecanismos envolvidos na ocorrência de efeito matriz na IES é fundamental para estimar o potencial de supressão ou indução iônica que a matriz pode apresentar e para propor quais são os possíveis agentes causadores de efeito matriz. Embora diversos grupos de pesquisadores tenham discutido e proposto mecanismos para o efeito matriz, o caminho exato ainda não é totalmente compreendido. Qualquer evento que possa reduzir ou aumentar as taxas de formação de gotículas e de íons gasosos pode levar à supressão ou indução iônica, de tal modo que os mecanismos propostos podem ser divididos entre aqueles que ocorrem na fase líquida ou na fase gasosa (BHASKAR et al., 2013; KING et al., 2000; TRUFELLI et al., 2010; VAN ECKHAUT et al., 2009).

Substâncias coeluídas podem reduzir o sinal do analito na fase líquida por meio de quatro mecanismos: competição entre analito e interferentes com mesma carga pelo acesso a superfície das gotículas; aumento da viscosidade e da tensão superficial das gotas; formação de partículas sólidas com o analito pela presença de aditivos não voláteis; e ocorrência de pareamento iônico dos íons da matriz ou da FM com íons do analíto previamente formados. Todos esses mecanismos dificultam a transferência de íons para a fase gasosa, reduzindo o sinal analítico. Algumas propriedades físico-químicas, como polaridade e ação surfactante (atividade de superfície) são essenciais para determinar se um interferente irá competir com o analito. Em matrizes biológicas, a alta concentração de compostos endógenos leva a uma saturação da gota, dificultando o acesso do analíto à superfície, além de favorecer o aumento da viscosidade e da tensão superficial do líquido. Já na fase gasosa a supressão iônica pode ocorrer devido à perda da carga por meio de reações de neutralização ou de transferência para moléculas polares e neutras (BHASKAR et al., 2013; CHAMBERS et al., 2007; CHIN; ZHANG; KARNES, 2004; DEVANSHU et al., 2010; KING et al., 2000; MATUSZEWSKI; CONSTANZER; CHAVEZ-ENG, 2003; NIESSEN, 2006; TAYLOR, 2005; TRUFELLI et al., 2010; VAN ECKHAUT et al., 2009).

Os mecanismos da indução iônica são ainda menos esclarecidos que na supressão, provavelmente como consequência do menor índice de incidência desse efeito. Uma proposta para a ocorrência do efeito matriz de indução consiste no excesso de analitos na superfície da gota e no acúmulo de cargas, facilitando a transferência dos íons para a fase gasosa. Esse efeito pode ocorrer como consequência das propriedades físico-químicas dos interferentes e do analito, como no caso de interferentes que não são ionizados, ou tem menor facilidade de ionização no modo utilizado para análise (positivo ou negativo), os quais favorecem o posicionamento do analito na superfície. Dependendo das condições da fonte e do processo de evaporação, a competição pelas cargas disponíveis e pelo acesso à superfície das gotículas pode favorecer a ionização do analito (CHAMBERS et al., 2007; LEVERENCE et al., 2007; MATUSZEWSKI; CONSTANZER; CHAVEZ-ENG, 2003; TAYLOR, 2005; ZHOU et al., 2005).

Existem dois principais tipos de efeito matriz: translacional e rotacional. O efeito matriz translacional é constante durante toda a faixa de trabalho utilizada no método, de modo que as curvas de calibração preparadas em matriz e em solução são paralelas, diferindo apenas no intercepto (coeficiente linear). O paralelismo observado é resultado de um efeito matriz causado apenas por influência de interferentes, sem envolvimento do analito. Em um gráfico indicativo de supressão iônica, a curva preparada em matriz está localizada abaixo da curva em solução e, na indução as posições são invertidas. Por outro lado, o efeito matriz rotacional é completamente dependente da concentração do analito, sendo mais expressivo nas concentrações mais altas. Esse efeito pode ser explicado por dois principais mecanismos: saturação da superfície das gotas nos últimos níveis da curva, quando são utilizadas faixas de trabalho muito extensas, dificultando a transferência de todos os íons do analito para a fase gasosa; ou produção dos agentes causadores a partir de interações entre interferentes da matriz e o analito, de modo que quanto maior for a concentração do analito, maior será o efeito supressor ou indutor. No efeito matriz rotacional as inclinações das curvas são diferentes, de modo que na supressão o coeficiente angular da curva em matriz é menor que o da curva em solução e na indução é maior. Os efeitos translacional e rotacional podem ocorrer simultaneamente em decorrência de mais de um tipo de interferente presente, afetando tanto o intercepto quanto a inclinação da curva (CHAMBERS et al., 2007; HOPFGARTNER; BOURGOGNE, 2003; KING et al., 2000; KRUVE et al., 2011; KUSHNIR et al. 2005; TRUFELLI et al., 2010; VAN ECKHAUT et al., 2009).

Algumas das diversas alternativas disponíveis para minimizar ou eliminar o efeito matriz incluem: alteração da técnica de preparo de amostra para tornar a amostra mais limpa; modificação das condições cromatográficas, para aumentar a separação entre analito e interferentes; alterações nas condições de ionização (modo positivo para negativo, temperaturas e voltagens); troca por outro tipo de fonte (IES por IQPA), de forma a favorecer a obtenção dos íons gasosos; diluição ou injeção de menor volume da amostra; uso de PI (isótopo do analito ou um análogo estrutural) com TR semelhante ao analito para compensar o efeito matriz; redução do fluxo de entrada na fonte; troca da marca dos cartuchos para EFS e eliminação das fontes de interferentes, como troca dos utensílios de plástico por vidro, escolha adequada dos

frascos para coleta, detergentes para limpeza de vidrarias, tipo de anticoagulante, materiais de limpeza do laboratório, etc (ARDREY, 2003; CHAMBERS et al., 2007; CHIN; ZHANG; KARNES, 2004; DEVANSHU et al., 2010; GILART et al., 2012; HOPFGARTNER; BOURGOGNE, 2003; KRUVE et al., 2011; LEVERENCE et al., 2007; MATUSZEWSKI; CONSTANZER; CHAVEZ-ENG, 2003; MEI et al., 2003; NIESSEN, 2006; SMERAGLIA; BALDREY; WATSON, 2002; TAYLOR, 2005; TRUFELLI et al., 2010; VAN ECKHAUT et al., 2009; ZHOU et al., 2005).