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2.3 Tratamento e profilaxia de crises de enxaqueca

2.3.1 Triptanos

Os triptanos são um grupo de fármacos que tem como base molecular a triptamina e que possuem a farmacologia baseada no agonismo seletivo dos receptores de 5- HT1B/1D, por apresentarem interação potente com esses receptores e fraca ou

ausente com outros subtipos de 5-HT, ou com receptores α1/α2-adrenérgicos, β- adrenérgicos, dopaminérgicos, colinérgicos muscarínicos e benzodiazepínicos. São utilizados no tratamento de primeira escolha da enxaqueca com cefaleia moderada a grave, com ou sem aura, ou para pacientes com sintomas leves que não respondem aos analgésicos simples, sendo eficazes para dor e náusea em mais de 75% dos casos. Entretanto, os triptanos não são indicados para o tratamento profilático da enxaqueca (BARTLESON; CUTRER, 2010; FERRARI et al., 2008; JHEE et al., 2001; SANDERS-BUSH; HAZELWOOD, 2012; PATEL et al., 2012).

Objetivando desenvolver vasoconstritores seletivos da circulação extracraniana, a introdução dos triptanos na década de 1990 revolucionou o tratamento da

enxaqueca, trazendo melhor tolerância e maior e mais duradouro alívio para dor e náusea, em contrapartida aos efeitos adversos intensos observados com os alcalóides do esporão-do-centeio (CHEN et al., 2006; FERRARI et al., 2008; SANDERS-BUSH; HAZELWOOD, 2012). Sumatriptano (SUM), o primeiro dessa classe, tornou-se disponível para uso clínico nos Estados Unidos em 1992 e, desde então, vários outros triptanos foram aprovados. A segunda geração de triptanos tem maior biodisponibilidade oral. Os compostos disponíveis incluem SUM, naratriptano, rizatriptano, zolmitriptano, almotriptano, eletriptano e frovatriptano, sendo que o SUM também é comercializado em associações em dose-fixa com NAP (FERRARI et al., 2008; JHEE et al., 2001; MCLOUGHLIN et al., 1996; SANDERS-BUSH; HAZELWOOD, 2012).

Considerando a hipótese consolidada de que a 5-HT é um mediador chave na patogênese da enxaqueca, e de que os receptores vasculares da 5-HT do tipo 1B, expressos nas células do músculo liso dos vasos sanguíneos intracranianos, e 1D, expressos nas fibras sensoriais do nervo trigêmeo, desempenham um papel importante na mediação da vasoconstrição, os triptanos tornaram-se a base para o

tratamento agudo das crises de enxaqueca (BOULTON; DUNCAN;

VACHHARAJANI, 2003; CHEN et al., 2006; HABERER et al., 2010; JHEE et al., 2001; SANDERS-BUSH; HAZELWOOD, 2012; PATEL et al., 2012; TROY, 2005).

O mecanismo de ação dos agonistas dos receptores 5-HT1B/1D tem sido

exaustivamente estudado, levando a algumas hipóteses. A teoria mais relevante considera que os triptanos agem como vasoconstritores dos vasos sanguíneos intracranianos dilatados durante uma crise de enxaqueca, incluindo as anastomoses arteriovenosas, promovendo o alívio da dor. Outra hipótese relevante baseia-se na observação de que ambos os receptores 5-HT1B e 5-HT1D atuam como

autorreceptores pré-sinápticos, modulando a liberação de neurotransmissores das terminações neuronais. Os triptanos podem bloquear a liberação de neuropeptídeos pró-inflamatórios no nível da terminação nervosa, no espaço perivascular, reduzindo a transmissão dos impulsos para o núcleo caudal do trigêmeo, e consequentemente a dor (CHEN et al., 2006; GE et al., 2004; HABERER et al., 2010; SANDERS-BUSH; HAZELWOOD, 2012; PATEL et al., 2012).

A escolha do triptano adequado para tratamento de crises de enxaqueca em um determinado paciente deve considerar não apenas a eficácia, mas também início da ação, recorrência da cefaleia, tolerância e via de administração. O tratamento deve iniciar o mais rápido possível após o início da crise de enxaqueca. As formas farmacêuticas orais dos triptanos são as mais convenientes para uso, mas podem não ser práticas em pacientes com náuseas e vômitos associados à enxaqueca. Nenhum dos triptanos pode ser utilizado concomitantemente, em um intervalo de 24 horas, com um alcalóide do esporão-do-centeio ou com outro triptano, e o uso excessivo pode levar a cefaleias. Triptanos administrados por via oral podem causar parestesias, astenia e fadiga, rubor, sensação de pressão, aperto ou dor no peito, pescoço e mandíbula, sonolência, tonturas, náuseas e sudorese (BARTLESON; CUTRER, 2010; JHEE et al., 2001; SANDERS-BUSH; HAZELWOOD, 2012).

A elevada taxa inicial de absorção e os altos níveis plasmáticos atingidos até 2 horas após a administração parecem ser o foco da eficácia terapêutica dos triptanos, uma vez que impactam sobre a farmacodinâmica e a neurobiologia das crises de enxaqueca. Se o fármaco chega rapidamente e em concentrações suficientes aos seus sítios de ação específicos, a sensibilização central e, portanto, toda a sintomatologia típica das crises de enxaqueca é evitada. Os perfis farmacocinéticos distintos dos triptanos oferecem ajustes no tratamento de acordo com o perfil do paciente (FERRARI et al., 2008; JHEE et al., 2001; TFELT-HANSEN, 2007).

2.3.1.1 Succinato de sumatriptano

Succinato de sumatriptano (succinato de 3-[2-(dimetilamino)etil]-N-metil-1H-indol-5- metanossulfonamida) foi o primeiro fármaco aprovado especificamente desenvolvido para o tratamento de crises de enxaqueca. Estruturalmente semelhante ao neurotransmissor 5-HT, SUM (Figura 1) se liga seletivamente aos receptores 5- HT1B/1D, promovendo a constrição dos vasos sanguíneos cranianos dilatados durante

a cefaleia da enxaqueca, aliviando a dor. Essa propriedade faz com que SUM seja altamente eficaz para o tratamento agudo da enxaqueca e definido como fármaco de escolha primária no tratamento da enxaqueca moderada a grave (BARBANTI; LE PERA; CRUCCU, 2007; BOULTON; DUNCAN; VACHHARAJANI, 2003; CHENG et al., 1998; DUNNE; ANDREW, 1996; DUQUESNOY et al., 1998; GE et al., 2004;

JHEE et al., 2001; SHESHALA; KHAN; DARWIS, 2012; SRINVASU et al., 2000; XU; BARTLETT; STEWART, 2001).

Figura 1 – Estrutura química de SUM.

SUM é comercialmente disponível em formulações orais, subcutâneas e intranasais. A dose oral recomendada é de 25 a 100 mg, podendo ser repetida após 2 horas, até uma dose total de 200 mg/dia. Após tratamento com SUM, o funcionamento cognitivo normal é atingido de 0,5 a 2,25 horas após a administração e a recorrência da cefaleia ocorre em 25 a 40% dos pacientes, em geral, 15 horas após a primeira dose (BERGES et al., 2010; BRASIL, 2013a; EDWARDS et al., 2012; JHEE et al., 2001; SANDERS-BUSH; HAZELWOOD, 2012; SHESHALA; KHAN; DARWIS, 2012; SRINVASU et al., 2000; XU; BARTLETT; STEWART, 2001).

Succinato de SUM é um pó branco a esbranquiçado, facilmente solúvel em água, solução salina e clorofórmio, levemente solúvel em metanol e praticamente insolúvel em hidrocarbonetos. De acordo com a literatura consultada, possui dois valores de pKa: pKa1 de 9,63 e pKa2 maior que 12 e log Poctanol/água de 0,65 (SHESHALA;

KHAN; DARWIS, 2012; TROY, 2005).

SUM é extensivamente metabolizado no fígado pelo metabolismo de fase I via monoaminoxidase do tipo A, dando origem a um análogo do ácido indolacético, farmacologicamente inativo, além de outros metabólitos minoritários. SUM e seus metabólitos são conjugados pelo metabolismo de fase II a ácido e éster glicurônico. Embora esse fármaco seja uma conquista significativa no tratamento da enxaqueca, após administração oral, apenas 14% alcança a circulação sistêmica devido ao metabolismo de primeira passagem pelo fígado e à absorção incompleta. É

N H N C H3 S N H C H3 O O CH3

rapidamente absorvido após administração oral e é distribuído principalmente nos tecidos, não atravessando a barreira hemato-encefálica, provavelmente devido à baixa lipofilicidade, mas ligando à melanina, podendo acumular em órgãos ricos nesse pigmento, como o olho. No entanto, nenhuma reação adversa dessa propriedade tem sido observada em seres humanos. Além disso, SUM é recuperado intacto no leite materno em baixas concentrações. O volume de distribuição de SUM é de 2,4 L/Kg (CHENG et al., 1998; JHEE et al., 2001; SANDERS-BUSH; HAZELWOOD, 2012; SRINVASU et al., 2000; TFELT-HANSEN, 2007; TROY, 2005).

A farmacocinética de SUM é linear após administração oral de até 400 mg, com exceção da taxa de absorção, que possui um aumento dose-dependente com o tempo. O perfil farmacocinético não é significativamente afetado por crise de enxaqueca, idade ou gênero. A alimentação não tem efeito sobre a biodisponibilidade, mas retarda o Tmáx por 0,5 horas, sendo que em condições

normais esse parâmetro é de 1 a 3 horas. Em níveis terapêuticos, cerca de 10 a 21% de SUM está ligado às proteínas plasmáticas. A T1/2 é de 1 a 2 horas e a

eliminação ocorre principalmente por rotas não renais, sendo a depuração renal de SUM e de seus metabólitos de apenas 20% da depuração total. No entanto, mesmo com uma taxa baixa, eles excedem a taxa de filtração glomerular, indicando secreção tubular renal ativa (JHEE et al., 2001; SANDERS-BUSH; HAZELWOOD, 2012; SRINVASU et al., 2000; TFELT-HANSEN, 2007).

Os valores farmacocinéticos obtidos após administração de 25 mg de SUM por via oral foram: Cmáx de 16,5 ng/mL obtida após 1,5 horas, T1/2 de 1,7 horas e área sob a

curva do tempo zero ao infinito (extrapolada) (ASC0 - ∞) de 8,7 ngxh/mL

(DUQUESNOY et al., 1998). Já após administração de 100 mg de SUM por via oral, os valores farmacocinéticos obtidos foram: Cmáx de 43,10 ng/mL obtida após 1,6

horas, T1/2 de 1,2 horas e ASC0 - ∞ de 171,87 ngxh/mL (FERRARI et al., 2008). Após

administração oral de 300 mg de SUM, a Cmáx é de 112 ng/mL (TFELT-HANSEN,

Os efeitos adversos comuns causados por SUM incluem aperto ou pressão no peito, pescoço e/ou garganta, falta de ar, palpitações e ansiedade. SUM é fortemente contra indicado em pacientes com doença arterial coronária pré-existente e em pessoas com fatores de risco para essa doença, como hipertensão, hipercolesterolemia e diabetes. A incidência de interações medicamentosas entre SUM e outros fármacos é muito comum, uma vez que é amplo o uso simultâneo a outros medicamentos adicionais, como analgésicos, antidepressivos e sedativos. Entretanto, em geral, a tolerabilidade do SUM não é afetada pelo uso simultâneo de inibidores seletivos da recaptação da 5-HT, antidepressivos tricíclicos, contraceptivos orais, medicamentos cardiovasculares e respiratórios, NAP e alcalóides do esporão-do-centeio. Já foram descritas interações farmacocinéticas de SUM com propranolol, flunarizina, butorfanol, pizotifeno e etanol (JHEE et al., 2001; SRINVASU et al., 2000; Imigran®; TROY, 2005).