• Nenhum resultado encontrado

A enxaqueca é uma desordem neurovascular crônica, recorrente e complexa que, geralmente tem início na infância, adolescência ou início da vida adulta. Essa doença, que afeta de 10% a 20% da população mundial, é uma fonte significativa de custos médicos e indiretos, como a redução da produtividade profissional durante uma crise. A frequência de ocorrência de enxaqueca é cerca de três vezes maior em mulheres do que nos homens (BARTLESON; CUTRER, 2010; CHEN et al., 2006; INTERNATIONAL HEADACHE SOCIETY, 2004; MICHAEL et al., 2012; SANDERS- BUSH; HAZELWOOD, 2012; SHESHALA; KHAN; DARWIS, 2012; PATEL et al., 2012;TROY, 2005).

A enxaqueca é caracterizada por dor de cabeça latejante ou pulsante, moderada a grave e, em geral, unilateral, com duração variável de horas a dias e seguida por intervalos livres de dor prolongada. A frequência das crises de enxaqueca geralmente varia de 1 a 2 por ano a 1 a 4 por mês. Outros sintomas normalmente presentes na enxaqueca são náusea, vômito, fotofobia, hiperacusia, falta de apetite, poliúria, diarreia, visão turva, congestão nasal, palidez, sudorese, inchaço ou sensibilidade no couro cabeludo, rigidez na nuca e aura. A intensidade da dor geralmente aumenta gradualmente, sendo agravada por esforços físicos, luz, som e odores, e reduzida em estados de repouso e sono. Embora a cefaleia unilateral seja prevalente, em mais de 40% dos casos de enxaqueca há dor de cabeça bilateral e irradiada para o pescoço, principalmente nos casos sem aura (AMINOFF; SIMON; GREENBERG, 2009; CHEN et al., 2006; INTERNATIONAL HEADACHE SOCIETY, 2004; MICHAEL et al., 2012; SANDERS-BUSH; HAZELWOOD, 2012; SHESHALA; KHAN; DARWIS, 2012; PATEL et al., 2012; TROY, 2005).

A aura é um fenômeno neurológico transitório de origem cerebral ou tronco cerebral que ocorre antes ou durante a dor de cabeça, com duração de até 60 minutos, atingindo de 15 a 30% dos pacientes. Os sintomas da aura podem ser visuais, sensoriais ou motores, sendo os visuais mais frequentes, ocorrendo em até 99% dos casos de aura. Em mais de 50% dos casos não há efeitos sensoriais ou motores. Os sintomas visuais são expressos como escotomas cintilantes: áreas de alteração no

campo de visão que piscam, começando perto do centro de visão e, em seguida, espalhando para as laterais como linhas em ziguezague pretas e brancas ou, em alguns casos, coloridas. Pode ocorrer também a indefinição ou perda de parte do campo de visão (hemianopsia). A aura sensorial é o segundo tipo mais comum, ocorrendo em 30% a 40% dos casos. É expressa como uma sensação de formigamento com pontadas que se inicia em um lado da mão e do braço e se espalha para a região do nariz e boca, progredindo para uma fase de dormência. Distúrbios da fala, vertigem e problemas motores são sintomas menos comuns (AMINOFF; SIMON; GREENBERG, 2009; INTERNATIONAL HEADACHE SOCIETY, 2004; OLESEN; WELCH; TFELT-HANSEN, 2006; TROY, 2005).

Existem quatro estágios de desenvolvimento da crise de enxaqueca possíveis de ocorrer, mas não obrigatoriamente presentes em todas as crises (INTERNATIONAL HEADACHE SOCIETY, 2004). O primeiro estágio, denominado pródromo ou estágio prévio, ocorre em aproximadamente 60% dos casos de enxaqueca precedendo a cefaleia ou a aura em horas ou dias por meio de sintomas tais como, alterações de humor (irritação, depressão ou euforia), fadiga, desejo por certos alimentos, rigidez muscular (especialmente no pescoço), constipação ou diarreia e sensibilidade a odores e sons (AMINOFF; SIMON; GREENBERG, 2009; BECKER, 2012; BUZZI et al., 2005; LYNN; NEWTON; RAE-GRANT, 2004; ROSSI; AMBROSINI; BUZZI, 2005; SAMUELS; ALLAN, 2009). O estágio de aura precede a cefaleia característica da enxaqueca, exceto nos casos de enxaqueca silenciosa, em que não ocorre dor (OLESEN; WELCH; TFELT-HANSEN, 2006). Após o estágio de aura ocorre o estágio de cefaleia, em que os sintomas mais característicos da enxaqueca, como dor de cabeça latejante unilateral, são expressos (INTERNATIONAL HEADACHE SOCIETY, 2004). O quarto e último estágio de uma crise (pósdromo) consiste em um conjunto de sintomas persistentes por dias após o fim da dor de cabeça principal, tais como sensação dolorida na região da cefaleia durante a crise, dificuldades cognitivas, redução de raciocínio, cansaço, fraqueza, sensação de ressaca, desconforto gastrintestinal e alterações de humor, variando de bem estar e euforia a depressão e mal estar (KELMAN, 2006; TROY, 2005).

As causas da enxaqueca ainda não estão consolidadas, havendo apenas hipóteses, sendo algumas sólidas e outras pouco embasadas. Entretanto, acredita-se que a

ocorrência de enxaqueca está relacionada a uma combinação entre fatores genéticos e ambientais. Os fatores estão presentes em cerca de dois terços dos casos de enxaqueca, principalmente nas enxaquecas com aura. Diversos outros fatores podem agir como gatilhos desencadeadores das crises. Os fatores mais impactantes são os fisiológicos, como estresse, fome, fadiga, influências hormonais (período menstrual, menarca, uso de contraceptivos orais, gravidez, perimenopausa e menopausa), seguidos pelos psicológicos (depressão, ansiedade e transtorno bipolar), alimentares e ambientais (qualidade do ar e iluminação) (AMINOFF; SIMON; GREENBERG, 2009; BARTLESON; CUTRER, 2010; FRIEDMAN; DE VER DYE, 2009; OLESEN; WELCH; TFELT-HANSEN, 2006; TROY, 2005).

O mecanismo biológico completo da cefaleia que ocorre durante uma crise de enxaqueca ainda não está completamente estabelecido, embora haja várias teorias já consolidadas abordando alguns mecanismos (JHEE et al., 2001; OLESEN et al., 2009). As hipóteses existentes consideram a influência de potenciais mudanças na circulação cefálica e vascular, a inflamação cerebral localizada e o papel da serotonina (5-hidroxitriptamina, 5-HT) e seus receptores (BARTLESON; CUTRER, 2010; HABERER et al., 2010; JHEE et al., 2001; SANDERS-BUSH; HAZELWOOD, 2012; OLESEN; WELCH; TFELT-HANSEN, 2006).

Na proposta prevalente para a etiologia da enxaqueca, os pontos chave são os vasos sanguíneos extracerebrais e intracranianos que nutrem, dentre outros tecidos, as meninges. Durante uma crise de enxaqueca, esses vasos dilatam e o aumento do fluxo sanguíneo expande intensamente os vasos de menor calibre das meninges. Esta dilatação vascular ativa os receptores nociceptivos dos nervos sensoriais perivasculares originando a dor pulsante. Além disso, a dilatação dos vasos sanguíneos das meninges desencadeia a liberação de peptídeos vasoativos, que promovem a sensibilização das fibras sensoriais trigeminais, induzindo a resposta inflamatória neurogênica. Com isso, estímulos antes inócuos, como as pulsações dos vasos sanguíneos e as alterações da pressão intracraniana, são percebidos como dolorosos, intensificando a cefaleia e outros sintomas da enxaqueca, como náuseas, vômitos e fotofobia (DULÉRY et al., 1997; JHEE et al., 2001; MCLOUGHLIN et al., 1996;OLESEN et al., 2009; TROY, 2005).

Há diversas evidências firmando o papel da 5-HT como mediador chave da enxaqueca. Dentre elas, as mais significativas são: a variação das concentrações da 5-HT no plasma e nas plaquetas durante as fases da crise de enxaqueca; a elevação das concentrações urinárias da 5-HT e de seus metabólitos durante a maior parte das crises; e o desencadeamento da enxaqueca por fármacos, como reserpina e fenfluramina, que liberam esse mediador nos sítios de armazenamento intracelulares (DULÉRY et al., 1997; SANDERS-BUSH; HAZELWOOD, 2012).

A 5-HT é um neurotransmissor do sistema nervoso central (SNC), um regulador do músculo liso no sistema cardiovascular e no trato gastrintestinal e um ativador da agregação plaquetária, influenciando o controle sobre temperatura corporal, contração muscular, humor, ritmo circadiano, sono, apetite, memória, regulação hormonal e função sexual. Essa multiplicidade de funções dificulta a definição de um mecanismo preciso para a etiologia da enxaqueca e mesmo sendo conhecida a participação da 5-HT em processos fisiológicos, os sítios e modos de ação ainda não estão completamente estabelecidos. A 5-HT é rapidamente metabolizada e é encontrada em altas concentrações nas células enterocromafins ao longo do trato gastrintestinal, em grânulos de armazenagem das plaquetas e em todo o SNC. Várias classes e subclasses de receptores da 5-HT tem sido identificados, totalizando quatorze subtipos. De todos os receptores já identificados, dois, em particular, estão envolvidos na etiologia da enxaqueca: o 5-HT1B e o 5-HT1D. Esses

receptores, que atuam como autorreceptores em terminações axônicas inibindo a liberação de 5-HT e favorecendo a vasoconstrição, são o foco de diversas pesquisas sobre enxaqueca e de vários fármacos seletivos. O desenvolvimento de fármacos que agem seletivamente em um ou mais subtipos dos receptores 5-HT vem crescendo progressivamente, aumentando a eficácia terapêutica e minimizando os efeitos adversos no tratamento da enxaqueca (DULÉRY et al., 1997; JHEE et al., 2001; MCLOUGHLIN et al., 1996; SANDERS-BUSH; HAZELWOOD, 2012).