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1. INTRODUÇÃO

1.3 Justificação da tese

2.2.2 Problemática do ambiente térmico

2.2.2.2 Efeitos e consequências nos trabalhadores

O ambiente térmico tem uma vasta e diversificada influência nos seres humanos que a ele se encontram expostos. Diversos autores se têm debruçado sobre o tema, resultando clara a influência desse fator no estado geral de saúde dos trabalhadores e nos seus comportamentos, em matéria de segurança ocupacional e produtividade, conforme adiante se demonstrará. Com efeito, alterações metabólicas e de resposta orgânica ao ambiente, conduzem a efeitos ‘colaterais’ que reduzem as capacidades motoras e cognitivas dos envolvidos, colocando-os numa situação de maior debilidade e risco, o que não é, nem deve ser, negligenciado.

Considerando a importância da segurança ocupacional e da produtividade, enquanto temas centrais a incorporar no modelo de relacionamento com o ambiente térmico a desenvolver no presente trabalho, essas matérias serão objeto de apresentação individualizada e detalhada no ponto 2.2.4. Assim, tais conteúdos não serão aqui relatados, evitando-se a sua duplicação e remetendo-se para o referido ponto os respetivos desenvolvimentos.

Nesse pressuposto, apresenta-se aqui apenas o conjunto de referências sobre a influência do ambiente térmico no estado de saúde dos trabalhadores, na tentativa de descrever e concretizar a multiplicidade de aspetos a considerar nesse plano.

Frio Calor Zona de Conforto / Desconforto Térmico Zona de Stresse Térmico Zona de Stresse Térmico Temperatura

Comece-se por referir que o ambiente térmico local conduz a situações de conforto, desconforto ou stresse térmicos, como se evidenciou na exposição relativa a esses conceitos (ver ponto anterior, 2.2.2.1).

Evidentemente, cada situação têm um impacte diferente no trabalhador, podendo variar entre uma situação desejável (conforto), a outra, intolerável (stresse).

Será nas situações de desconforto e, particularmente, nas de stresse térmico que o organismo será ‘pressionado’ negativamente, sendo as suas consequências tão mais graves, quanto mais agressivo for o ambiente, em termos de intensidade e/ou duração.

Aparte a severidade das consequências, as doenças motivadas pelo calor são relativamente frequentes nas minas da Africa do Sul e Austrália, conforme indica Donoghue (2004) e este setor de atividade é referido por Balbus e Malina (2009), no estudo que efetuaram nos Estados Unidos, como integrante do conjunto de indústrias onde os trabalhadores mais sofrem com o calor.

Também sobre o problema do trabalho em ambientes quentes e reportando-se às alterações climáticas na India, Dash e Kjellstrom (2011) referem que ‘é tempo de reconhecer a importância do stresse térmico como uma questão de saúde pública e conduzir estudos de caráter científico, (…) para formular diretrizes quanto às medidas de segurança a adotar’. Nesse sentido, é de indicar que vários autores têm abordado, em termos gerais, os problemas de saúde decorrentes da exposição a ambientes térmicos adversos (quentes), de que são exemplos, a identificação dos aspetos e fatores de risco relacionados (Schulte e Chun 2009), (Bates 2005) (Guedes, Baptista e Diogo 2011), a indicação de perturbações e doenças associadas ao calor (DREC 2000)35, (DeVaul 2008) ou os seus efeitos no trabalhador (Wagner 2001).

Estudos de âmbito mais específico são dirigidos, por exemplo, à identificação dos efeitos do trabalho no ritmo cardíaco de trabalhadores permanentemente expostos ao calor, durante os seus turnos regulares (Gertner 1984); ou apontam as consequências cardiovasculares do impacte térmico e a consequente tolerância do indivíduo ao exercício, em função do vestuário (Fogarty, et al. 2004); ou explicam as características únicas das doenças relacionadas com o calor, na força de trabalho agrícola de origem latino-hispânica, perspetivando uma visão geral dos problemas de hidratação e de exposição ao calor, associados à cultura desta população (Culp, et al. 2011).

Outros estudos incidem sobre a ocorrência deste tipo de problemas em setores ou áreas de atividade específicas, como sejam, a atividade das equipas de emergência (Varley 2004), ou dos bombeiros (Barr, Gregson e Reilly 2010), ou na atividade mineira, onde Gancev (2006) e Donoghue (2005) enumeram o choque térmico, a exaustão térmica, as cãibras térmicas e a 'miliária rubra', como sendo os problemas de saúde relacionados com o excesso de calor, naquele contexto.

Quanto aos efeitos produzidos nos trabalhadores, Donoghue, Sinclair e Bates (2000) referem as consequências da exaustão térmica. Paralelamente, a análise do risco de

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Direção Regional de Educação do Centro (DREC): “Ambiente termico”, disponível em http://www.prof2000.pt/users/eta/Amb_Termico.htm, acedido a 17 de novembro de 2010.

surgimento desse problema é efetuada, em função do índice de massa corporal (BMI) e do consumo máximo de oxigénio no interior de minas profundas, por Donoghue e Bates (2000a) e em relação às condições térmicas prevalecentes na superfície, em Donoghue e Bates (2000b).

Complementarmente, Sá (1999) lista os tipos de problemas ocasionados pelo stresse térmico e a respetiva sintomatologia produzida nos indivíduos. Essa informação encontra- se sintetizada no quadro 2.4.

Quadro 2.4 – Consequências do stresse térmico

Designação Consequências

Choque térmico

(Subida continua da temperatura)

− Convulsões e alucinações; − Coma (42 – 45o

C); − Morte.

Colapso térmico

(Aumento acentuado da pressão arterial, incremento do fluxo sanguíneo)

− Vertigens, tonturas; − Transpiração muito intensa; − Dores de cabeça fortes.

Desidratação

(Perda de água excessiva, taxa de sudação muito elevada)

− Diminuição da capacidade mental; − Diminuição da destreza;

− Aumento do tempo de reação.

Desmineralização

(Perda de sais não compensada, ingestão de água não compensada)

− Cãibras térmicas.

Fonte: Sá, Ricardo (1999)

Da observação das consequências indicadas por Sá (1999), ressalta a perceção de que os efeitos são muito diversos, produzindo diferentes níveis de gravidade que, nos casos extremos, se traduzem por convulsões, coma e morte.

Caracterizados os tipos de perturbações orgânicas produzidos pelos ambientes térmicos quentes, segue-se a análise de incidência dessas situações nos ambientes normais de trabalho.

Como anteriormente se mencionou, as doenças associadas ao calor são relativamente frequentes. Já na década de 70, as taxas de mortes e outras doenças associadas á exposição excessiva ao calor foram analisadas por Martinson (1977). Mais recentemente, Donoghue (2004) fez o levantamento dessas situações, nas minas dos EUA, no período compreendido entre 1983 e 2001, durante o qual foram reportados 538 casos e, concluiu, que a taxa de incidência deste problema é maior em minas metálicas subterrâneas36 do que nas de carvão.

Num outro estudo, igualmente aplicado aos EUA, Quinney et al. (2002) analisam os acidentes mortais que tiveram como causa queimaduras térmicas, ocorridos nos locais de trabalho entre 1992 e 1999, cujo valor indicam ter atingido o número de 1.189. As

categorias profissionais com as maiores taxas registadas foram as "ocupações extrativas" (ex.: mineiros, trabalhadores de explosivos) e "transporte e movimentação de materiais" (ex.: motoristas de viaturas pesadas).

Também para quantificar o impacte dos problemas térmicos, Kampmann e Piekarski (2005) apresentam um estudo realizado entre 1995-1999, nas minas de carvão na zona de Ruhr (Alemanha), onde indicam que durante esse período, 442 turnos de mineiros foram interrompidos devido a distúrbios relacionados com o calor.

Quanto ao impacte económico das lesões e doenças ocupacionais associadas a esta problemática, Leigh, Waehrer et al. (2004) baseando-se nos registos correspondentes ao ano de 1993, analisam os custos desse tipo de ocorrências.

Após identificação e quantificação da incidência do problema, segue-se a descrição das propostas de solução para o obviar.

Inicia-se este excerto da exposição, aludindo às considerações expressas em Hermanus (2002): “a higiene ocupacional representa na indústria mineira a 1ª e mais importante linha de defesa contra os riscos ambientais na saúde. Face á vasta panóplia de aspetos relacionados com a saúde e segurança nas minas, a contratação de técnicos qualificados, nessa área, deve ser vista como um assunto crítico e crucial para o desempenho da empresa”, numa clara referência à importância e nível de exigência que o tratamento do problema coloca. Outras medidas de organização e formação são propostas, como sejam:

 A melhoria do estado geral de saúde, através da mudança do estilo de vida, envolvendo formação nas áreas: dieta alimentar, gestão da fadiga, qualidade do sono e equilíbrio entre vida profissional e familiar (Shiftwork training improves bottom line, study finds 2005);

Na mesma linha da proposta anterior, Crawford et al. (2010) indicam que os trabalhadores mais velhos apresentam alterações nas suas capacidades físicas e psicológicas. Essas alterações podem ser moderadas com a prática de exercício físico, intelectual e outros fatores associados ao estilo de vida. A pesquisa sugere que a intervenção na área da saúde ocupacional pode reduzir o risco de pré-reforma do local de trabalho e intervenções de promoção da saúde são vistas como positivas por esses trabalhadores;

 Estabelecimento de um programa para prevenir as doenças nos trabalhadores expostos a temperaturas e humidades elevadas, associadas ao clima de Abu Dhabi (UAE)37. Na sua aplicação, em duas empresas que aderiram ao programa, obtiveram- se decréscimos de 79.5% no número de casos registados e de 50% no número de casos graves, segundo relatam Joubert, Thomsen e Harrison (2011), mentores do programa.

Um outro conjunto de medidas para limitar o problema dirigem-se, por exemplo, ao controlo dos parâmetros ambientais dos espaços (temperatura, humidade) (DREC)38 ou à

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United Arab Emirates.

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“Ambiente termico”, disponível em http://www.prof2000.pt/users/eta/Amb_Termico.htm, acedido a 17 de novembro de 2010.

definição de estratégias de arrefecimento em minas profundas, propostas em Wagner (2001), através da intervenção e controlo dos sistemas de ventilação.

Na proposta de Bates (2005), são conjugados os dois tipos de medidas anteriores (organização/formação e controlo parâmetros ambientais). Segundo este autor, as estratégias para reduzir os efeitos do meio ambiente sobre os trabalhadores são dirigidas às duas vertentes:

1. Intervenções de engenharia, para melhorar as condições ambientais e reduzir o stresse térmico (ex.: ventilação);

2. Trabalho segundo protocolos definidos, com disposições para identificar situações de risco e procedimentos a serem adotados nessas situações, o que pressupõe a prévia formação dos trabalhadores.

Um último grupo de propostas de atuação incide diretamente sobre os trabalhadores, nomeadamente:

 A reposição de fluidos, considerada essencial para um funcionamento metabólico adequado (em condições de exposição a ambientes quentes) e para prevenir doenças provocadas pelo calor (Clapp, et al. 2000). Estes autores reforçam, ainda, que a desidratação normalmente compromete a produtividade e segurança do trabalhador;

A visão geral, exposta em Culp et al. (2011), sobre os problemas de hidratação e de exposição ao calor, associados à cultura da população de origem Latino-Hispânica, em trabalhos agrícolas;

 A importância da hidratação dos trabalhadores, especialmente aqueles que operam em ambientes quentes e a necessidade de novas recomendações de ingestão de líquidos antes, durante e após o trabalho (Kenefick e Sawka 2007);

 A aclimatação ao calor melhora a tolerância térmica, o que aumenta a segurança e conforto durante o exercício e diminui as condições que conduzem a stresse térmico (Wingo, et al. 2008), (Tian, et al. 2011);

 As características e utilização de vestuário de proteção (Taylor 2006), (Yang, Stapleton, et al. 2012) e a sua repercussão, em termos de termorregulação humana (Magalhães, et al. 2002);

 O efeito da ingestão de bebidas frias (4ºC) e termo neutras (37ºC) na termorregulação e desempenho humano em ambientes quentes é analisado em Burdon et al. (2010). Concluem que o consumo de bebidas frias durante o exercício prolongado ao calor melhora a temperatura corporal e o desempenho, pelo que propõem a utilização de bebidas frias na hidratação, por razões de desempenho e segurança.

Para percecionar a situação de equilíbrio ou desequilíbrio térmico dos trabalhadores e, consequentemente, o nível de risco em que eles se encontram, é necessária a medição de parâmetros metabólicos individuais que possibilitem essa análise. Sobre o tipo de avaliações a realizar, são expressas diversas abordagens, destacando-se os seguintes grupos e exemplos:

 na avaliação do stresse fisiológico em mineiros (Saha, Samanta e Dey 2010);

 num estudo que envolveu 71 mineiros que operam máquinas com e sem ar condicionado nas cabinas, ficando demonstrados os benefícios do uso de cabinas com ar condicionado (AC), para reduzir os efeitos do microclima quente. Verificou-se que os valores médios de ritmo cardíaco registados são significativamente mais elevados no grupo que opera sem AC (Tuminska, et al. 2010);

 na determinação simples de um valor seguro para o limite de tempo de exposição (Meyer, et al. 2001);

A temperatura corporal foi medida ou estimada através de:

 temperatura da pele, medida em 10 segmentos do corpo (Choi e Loftness 2012);

 cálculo da temperatura média da pele (Xu, et al. 2009), valor já anteriormente associado ao critério para limitar o stresse térmico (Stewart e Van Rensburg 1977), em ambientes de minas de ouro, na África do Sul;  temperatura auricular, a utilizar como previsão da temperatura retal e

interna (Muir, et al. 2001). O autor indica ter obtido um elevado desvio padrão, sugerindo investigação futura sobre essa correlação, em condições ambientais diversas;

 temperatura esofágica e ritmo cardíaco, relacionados com a sensação térmica e taxa de esforço percebida (Kenny 2011);

 temperatura interna, através de sensores de temperatura ingeríveis, que comunicam dados para um recetor externo, via ondas de rádio (tecnologia wireless) (Mc Caffrey, et al. 2008).

O consumo metabólico: utilizado conjuntamente com o índice de stresse térmico WBGT (Wet Bulb Globe Temperature)39 (Kenny, Vierula, et al. 2012);

A taxa de evaporação do suor: como parâmetro base na definição do tempo de trabalho seguro (McLean, et al. 2007) ou;

A taxa de recuperação: baseada numa aplicação real (construção civil, em Hong Kong, durante os meses de julho e agosto) em que essa taxa é avaliada pelo Physiological Strain Index (PSI), com o objetivo de determinar o tempo ótimo de recuperação dos trabalhadores expostos ao calor (Chan, et al. 2012).

Dos exemplos expostos, é possível constatar que existem diversos modos de quantificar o ‘estado’ do indivíduo, uns diretos e outros indiretos. Na aplicação prática a desenvolver, será privilegiada a medição direta da temperatura corporal interna, através da ingestão, pelos voluntários, de um sensor de temperatura, do tipo indicado em Mc Caffrey et al. (2008). Esta solução permite obter valores reais, sem necessidade de estabelecer correlações ou estimativas que, normalmente, introduzem ‘ruído’ e perda de qualidade nos resultados.

Para finalizar a exposição deste ponto, sobre os aspetos relacionados com a saúde, referem- se alguns estudos que integram e comparam alguns dos fatores acima enunciados, com o propósito de materializar relações que se possam concretizar em instrumentos de atuação, orientados para a minimização de riscos térmicos nos trabalhadores. Para esse propósito, vejam-se os seguintes exemplos:

 Relação entre a temperatura interna do corpo humano e a incidência de exaustão provocada pela tensão térmica, em pessoas vestindo roupas de proteção, comparando com dados anteriormente publicados e relativos a pessoas nuas (Montain, et al. 1994). Estes autores também determinam a influência da intensidade de exercício, nível de vestuário de proteção e clima, na tolerância fisiológica ao stresse térmico;

 Comparação dos ambientes de trabalho e suas consequências, em termos de problemas de saúde, entre trabalhadores de uma fundição e do setor de produção de bebidas no Dubai (Gomes, Lloyd e Norman 2002);

Para diferentes situações de exercício, ambiente térmico e vestuário, Cadarette et al. (1999) apresentam e comparam os resultados obtidos com três modelos distintos, de previsão da temperatura interna do corpo humano: ARIEM40, HSDA41, e ARIEM- EXP42;

 Comparação entre dois aparelhos de fornecimento de oxigénio (líquido e comprimido) a dez voluntários, que integram as equipas mineiras de emergência. Os autores (Leigh, Griffits e Ellis 1998) concluíram ser claramente superior e preferível o uso do aparelho de oxigénio líquido, pois melhora a troca evaporativa de calor, baixando significativamente as taxas de incremento da temperatura retal e do ritmo cardíaco;

 Comparação entre os valores e a tendência estatística das doenças ocupacionais entre mineiros chineses e americanos, nos últimos 10 anos (Chen, et al. 2013);

 Identificação dos dados antropométricos de soldados norte americanos, no período compreendido entre 1988 e 2004, considerando que esses aspetos afetam o desempenho e a segurança. O estudo, conduzido por Yokota, Bathalon e Berglund (2008), compara as respostas fisiológicas, numa situação de simulação de stresse térmico, para cada estereótipo de soldados (altos e gordos, baixos e magros,…) e conclui não haver diferenças nos resultados obtidos para cada grupo considerado. Concluída a descrição das consequências dos ambientes térmicos quentes no estado geral de saúde dos trabalhadores, recorda-se que esse tipo de ambiente também se repercute na produtividade e segurança ocupacionais, o que não foi abordado neste ponto por se ter optado pelo seu tratamento posterior, de forma individualizada e específica, conforme inicialmente mencionado.

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Army Research Institute of Environmental Medicine (ARIEM).

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Health Services and Development Agency (HSDA).