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Segundo Castells (2004b), a sociabilidade “é a problemática com mais carga ideológica da análise da Internet.” (p.233)

A Internet é um meio de comunicação que gera sociabilidade. É uma maneira muito fácil de fazer amigos. No entanto, o facto de os indivíduos utilizarem a Internet, enquanto meio de comunicação, tem provocado alguma preocupação.

O estudo dos seus efeitos na sociabilidade são numerosos, embora não se verifique unanimidade nos resultados.

Com o surgimento da Internet ocorreram muitas mudanças sociais que alguns autores apoiam e das quais outros discordam, isto é, alguns salientam os aspectos positivos destas mudanças e, contrariamente, outros realçam os seus aspectos negativos.

Tem-se discutido e perguntado se a Internet pode provocar na sociedade actual situações de isolamento social, diminuir a comunicação face a face ou até levar o indivíduo a situações extremas de depressão e suicídio. Estas questões têm sido muito comentadas nos média, são recorrentes, acontecem sempre que uma nova tecnologia de informação e comunicação surge (Cardoso, 2003). Para o autor “Trata-se de perplexidades renovadas ao longo da história do Homem e da comunicação em sociedade”. (p.89)

Quanto à influência da Internet na sociabilidade, como a velocidade com que ocorrem as transformações sociais e tecnológicas não têm permitido que a produção de estudos empíricos pela sociedade académica se mantenha actualizada, como acontece em períodos de rápidas mudanças sociais, e existindo um vazio de investigações fiáveis, a ideologia e os rumores fazem sentir-se na compreensão deste fenómeno nas nossas vidas. Por vezes, ocorrem profecias, enfatizando as consequências sociais das maravilhas tecnológicas produzidas pela ciência e pela engenharia. Noutros casos, ocorrem críticas, que difundem os possíveis efeitos alienantes e negativos da Internet. Os meios de comunicação, na sua ânsia de informar um público ávido e desprovido de capacidade intelectual autónoma para avaliar as tendências sociais resultantes da Internet com rigor, flutua entre dar-nos uma

imagem de um futuro excepcional, ou seguir o princípio fundamental que rege o jornalismo – só as más notícias são notícia. (Castells, 2004a)

Para Castells (2004b), a problemática da sociabilidade “está dominada pelas fantasias dos futurólogos e de jornalistas mal informados, embora haja jornalistas muito bem informados.” (p. 233). O autor profere estas palavras face à questão extremamente comentada de a Internet provocar isolamento, depressões e até de conduzir as pessoas ao suicídio para alguns; e, para outros, ela ser considerada “um mundo extraordinário, de liberdade, desenvolvimento, no qual todos querem estar, no qual todos formam uma comunidade.” (p. 234)

É nossa opinião que, embora, no início do aparecimento da Internet, estes receios até pudessem fazer algum sentido, constata-se agora que, de acordo com algumas investigações que Castells (2004a) dá a conhecer, esses receios iniciais não têm qualquer fundamento, a Internet não provoca o isolamento das pessoas, antes pelo contrário, vem completar o relacionamento.

Castells et al., Welman e Haythorth Waite, conforme referenciados por Cardoso (2005), consideram que as pesquisas desenvolvidas sobre a Internet em vários países têm demonstrado que ela possui o efeito de multiplicar os contactos estabelecidos entre os seus utilizadores e a família e os amigos, independentemente do local onde se encontrem, e que é entre os seus utilizadores que se verifica a ocorrência de menos episódios de depressão e sentimentos de isolamento.

Para alguns autores, a Internet tem o efeito de reforçar as relações sociais de dois espaços diferentes – o espaço real e o espaço virtual. Tal situação é um dos resultados do aparecimento e utilização da Internet e, consequentemente, uma característica própria da sociedade em rede. A coexistência destas formas de relacionamento – a presencial e a virtual – é uma das grandes mudanças que se fica a dever à Internet, no sentido de acumulação e não de substituição de uma pela outra. (Cardoso et al. 2005)

Segundo uma investigação levada a cabo em Portugal em 2003, pelo CIES7, sobre o uso da

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Internet e a estabilidade emocional dos portugueses, em que são analisados os indicadores “desespero” “isolamento” e “depressão”, questiona-se se a Internet em Portugal constitui um elemento de perigo, conduzindo ao isolamento social, depressão individual ou a sensações de desespero.

De acordo com os resultados obtidos nesta investigação, pode concluir-se que a Internet não tem um efeito negativo sobre a sociabilidade no dia-a-dia dos portugueses. Nos indicadores analisados, não surgiram efeitos de isolamento social, nem a disponibilidade dos cibernautas portugueses para com a sua família, amigos ou outras actividades, decresceu como resultado do uso da Internet. Pelo contrário, os relacionamentos sociais tendem a fortalecer-se entre os utilizadores da Internet. (Cardoso et al., 2005). Os autores deste estudo são da opinião de que os resultados vão ao encontro dos obtidos em pesquisas internacionais sobre a utilização da Internet e seus efeitos na sociabilidade.

Contudo, os analistas mais cépticos da Internet e algumas reportagens dos meios de comunicação, fundamentando-se em estudos realizados por investigadores académicos, advogam a ideia de que a penetração em larga escala da Internet está a conduzir ao isolamento social e familiar, porquanto os indivíduos se refugiam no anonimato e praticam uma sociabilidade casual, pondo de lado a interacção face a face em espaços reais.

Na opinião de Castells, este tipo de discurso sofre de três grandes limitações: primeira – os estudos sobre os efeitos da Internet na sociabilidade foram realizados antes da difusão generalizada da Internet, pelo que os seus resultados foram construídos com base nas experiências dos primeiros utilizadores, aumentando assim a distância social entre os utilizadores da Internet e a sociedade no seu conjunto; segunda – a ausência de um substancial corpo de investigação empírica sobre os verdadeiros usos da Internet; terceira – estes estudos eram constituídos por perguntas simplistas e enganosas, nomeadamente, sobre a ideologia contraditória entre a harmoniosa comunidade local inerente a um passado idealizado e a alienada existência do solitário utilizador da Internet. (Castells, 2004a) O autor citado faz referência a outros estudos realizados por vários investigadores sobre os efeitos do uso da Internet na sociabilidade. De alguns destes estudos, pode concluir-se que o uso da Internet potencia a sociabilidade, como referido por Castells (2004a) “A Internet

parece ter um efeito positivo na interacção social e tende a aumentar o grau de exposição a outras fontes de informação.” (p. 151)

Porém, Castells faz alusão a dois relatórios que dão a conhecer opiniões divergentes sobre os efeitos do uso da Internet na sociabilidade, que são referência nos EUA e que demonstram os efeitos negativos da Internet na sociabilidade, nomeadamente no isolamento dos indivíduos. Um destes casos tem a sua justificação e explicação na existência de outros motivos que contribuíram para a sobrecarga, stress e desencanto das famílias estudadas. Refere Castells (2004a), “No caso do estudo de Nie e Erdring (2000), a perda de sociabilidade detectada dizia respeito somente aos utilizadores mais frequentes da Internet, a partir do qual a interacção on-line afecta negativamente a sociabilidade off-line.” (p. 154) Os estudos, desenvolvidos por Di Magio, Hargittai, Newman e Robinson (2001) e referidos pelo mesmo autor, demonstram que os utilizadores da Internet não sofrem nenhuma perda da sociabilidade, mas, a partir de um certo limiar de utilização, o uso da Internet pode começar a substituir outras actividades. (Castells, 2004a)

Segundo o autor citado, “o conjunto de dados disponíveis não sustenta a tese de que a utilização da Internet conduz a uma menor interacção e a um maior isolamento social. Mas existem alguns indícios de que, em determinadas circunstâncias, o seu uso pode agir como substituto de outras actividades sociais. (p.154)

Cardoso et al. (2005), de acordo com os numerosos estudos já efectuados, é da opinião que “hoje em dia a hipótese mais testada e validada em todas as pesquisas é a de que a web favorece as relações de sociabilidade, ao contrário do que se pensava até há bem pouco tempo.” (p. 179)

De acordo com estas linhas de pensamento, é nossa opinião que os utilizadores da Internet, só pelo facto de serem utilizadores, não demonstram uma perda de sociabilidade na generalidade. No entanto, há indícios de que tal pode acontecer a partir de um elevado limite de tempo de utilização on-line. Neste caso, pode existir uma descida do nível de sociabilidade e o uso da Internet começa a substituir outras actividades, tais como tarefas

domésticas e escolares, a família, o sono, a atenção, as saídas com amigos, etc., em vez de as complementar.

Assim, a Internet, como forma de estabelecer relações e comunicações, sem deixar de representar numerosas vantagens e comodidades, deve estar subordinada ao que se entende por “relações normais”, isto é, relações físicas, face a face, na rua, na praça, e, de forma alguma, deverá actuar como substituta das mesmas, pelo menos de forma permanente, mas sim, como forma de reforçar ou complementar as relações ditas normais.

Porém, há situações em que os jovens vivem isolados por variadíssimos motivos (enfermidades, fobias sociais, porque os pais não os deixam sair ou por serem novos numa cidade e não conhecerem ninguém); para estes, a Internet pode ser uma grande ajuda, desde que os jovens não percam a perspectiva do real. Como refere Gordo López (2006), nesta situação “se señala el uso praticamente “terapéutico” de Internet”. (p. 151)

Se tivermos em linha de conta o crescente aumento do número de indivíduos que utilizam a Internet e o tempo médio de uso diário (6 a 7 horas por dia nalguns casos), podemos afirmar que, actualmente, um número expressivo de utilizadores da Internet é constituído por indivíduos que procuram escapar à solidão em que vivem no mundo real, sintoma de um dos fenómenos mais comuns na sociedade actual. Nas situações referidas, o uso da Internet tem um efeito terapêutico, na medida em que pode ajudar esses indivíduos e concorrer para os aliviar do isolamento social em que vivem. Consideramos que, para quem se encontra, sob o ponto de vista social, isolado por motivos de ordem vária, a utilização da Internet pode ser uma forma de combater esse isolamento.

Nora (1997) concluiu que um número significativo de deficientes físicos encontrou na Internet um espaço no qual resgataram uma sociabilidade perdida ou, como ainda afirmou esta jornalista do Nouvel Observateur, “certaines catégories de personnes a retrouvé une forme de sociabilité qui leur était interdite” (p. 424); nas relações que estabelecem on-line, as suas deficiências físicas não são visíveis.(Marcelo, 2001, p. 96)

O autor atrás referido considera que a Internet, sendo uma forma de socialização, se transformou num instrumento de grande utilidade para combater a solidão de muitas pessoas, daquelas que “(…) encontraram, no novo espaço – o ciberespaço – um local onde

podem afirmar a sua dignidade como seres humanos e que se manifesta nas relações que estabelecem na rede”. (p. 97)

No entanto, há indivíduos que se auto-excluem da sua vivência off-line para viverem ligados à Internet e que apenas estabelecem amizades cibernéticas. Comungamos da opinião de Gordo López (2006) ao dizer que “las personas que centran sus estrategias socializadoras en el uso de Internet y sus posibilidades, serán vista bajo un prisma con dos tendencias: los freaks o asociales, o las personas con auténticos problemas para relacionar-se “cara a cara”.” (p.155)

Nesta situação, em que as pessoas se relacionam apenas através da Internet, podemos dizer que estamos perante usos perniciosos da Internet, que, em termos médicos ou psiquiátricos, tendem a considerar-se como patológicos.

Guilhermo Rendueles, como mencionado por Gordo López (2006), refere que: “la clave para establecer que una persona mantiene una relación patológica con su ordenador es que su tiempo de vida se reparta de forma desigual entre el espacio virtual y el real. Cuando se invierte más tiempo, atención y afecto en las identidades virtuales y las relaciones electrónicas que en el yo social, resulta más que probable una deriva hacia un trastorno neonarcisista de la personalidad.” (p. 155)

Nesta situação, face ao exposto, podemos considerar que uma pessoa terá uma relação patológica com o seu computador se passar mais tempo no espaço virtual do que no real. Nesta sociedade, na actualidade, é tácito que é na rua, nos bares, com os amigos, de noite e aos fins-de-semana, que os jovens têm de desenvolver as suas principais estratégias de relacionamento. O espaço Internet, como espaço de ócio e de desenvolvimento de relações, é perfeitamente compatível. No entanto, ocupar todo o tempo de ócio, junto ao computador, deixando de desenvolver qualquer outra actividade, parece ser próprio de quem tem problemas de sociabilidade face a face. Neste caso estamos perante um mau uso da tecnologia. Tudo o que diz respeito a estes maus usos é aceite como uma forma não adequada de passar os momentos de ócio à noite durante a semana, ou durante as manhãs e tardes dos fins-de-semana.

Tentemos agora perceber melhor o que são os bons e os maus usos da tecnologia, mais propriamente da Internet, segundo Gordo López (2006). Este refere que o problema não reside no tempo sentado frente ao computador, mas no que podemos chamar, em termos económicos, o custo de oportunidade desse tempo. Es decir, qué dejo de hacer por estar empleando el tiempo en el ordenador, tiempo que se considera (de novo siguiendo el símil económico), como de inversión en redes de oportunidades (más contactos, más información, más posibilidades de ocio y trabajo… “por si acaso”). (Op. cit., 2006, p.103) Face ao exposto, os bons ou maus usos não têm muito a ver com os conteúdos ou utilizações que se dão à Internet, exceptuando naturalmente aqueles usos que são considerados de ética duvidosa por exemplo, mas sim com o deixar de fazer determinadas coisas que correspondem ao que seriam ou deveriam ser as relações e os comportamentos socialmente aceites como normais. (Gordo López, 2006)

Segundo o autor referido (2006) são maus usos da tecnologia e da Internet “aquellos que, en lugar de reforzar o complementar las redes sociales y de oportunidades, pasan a sustituirlas”. (p. 155).

Consideramos então que são maus usos da Internet deixar de sair com os amigos, deixar de estar fisicamente com os amigos, deixar de fazer algo importante, deixar de estudar, para ficar diante do computador a conversar através de Chats ou a jogar, nos momentos em que a norma, o imaginário social do adolescente, interpreta que o natural seria estar na rua, estar com gente, estar a fazer algo de outra natureza.