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JUSTIFICAÇÃO E FUNDAMENTOS SECÇÃO

5. A eficácia dos direitos fundamentais Caso particular da eficácia horizontal

A ampla inserção do sigilo bancário no catálogo da proteção constitucional do direito fundamental da reserva sobre a intimidade da vida privada, impõe, desde logo, a necessidade de abordagem do tema referente à irradiação dos direitos fundamentais, sobretudo na órbita da relação intersubjetiva dos sujeitos privados.

A eficácia dos direitos fundamentais na órbita das autoridades públicas, incluindo o Estado como seu

destinatário imediato e primordial, não suscita qualquer dúvida (na chamada eficácia vertical)248.

Iremo-nos concentrar na questão da eficácia dos direitos fundamentais nas relações entre sujeitos de direito privado, sendo que a mesma tem suscitado algumas complexidades legais, estruturais e

245 Para uma catalogação dos direitos fundamentais em Portugal desde 1933 e em outras legislações avulsas, ver Jorge Miranda, «Direitos Fundamentais e Ordem Social (na Constituição de 1933)», Revista da Faculdade de Direito da

Universidade de Lisboa (separata), Vol. XLVI, n.º 1, Lisboa, Coimbra Editora, 2005, p. 271 e ss.

246 Cf. Telmo José Macedo Alves, «O Sigilo Bancário – Uma Perspectiva Constitucional em Matéria Tributária», in Jorge de Figueiredo Dias et. al., (Org.), Studia Juridica 92 - Ars Iudicandi. Estudos em Homenagem ao Prof, Doutor António

Castanheira Neves. Vol. III: Direito Público, Direito Penal e História do Direito, Coimbra, Coimbra Editora, 2008, p. 18 e

ss. 247

Cf. Jorge Bacelar Gouveia, Manual de Direito Constitucional, vol. II, 2ª ed., Coimbra, Almedina, 2007, p. 1117. 248 Cf. Ibidem, p. 1100 e ss. Refere-se que a vinculação das entidades públicas traduz-se na essência de tais direitos fundamentais. No entanto, é de realçar que a irradiação dos direitos de liberdade e garantias não fica acantonada numa estreita relação entre os indivíduos e o Estado, mas deve-se considerar outras entidades públicas, numa perspetiva omnicompreensiva, para abranger como sujeitos passivos, a saber: a legislação/legislador não deve contrariar os preceitos e garantir a conformidade com a Constituição da República; a administração, pelo respeito à legalidade e constitucionalidade dos atos; a jurisdição, traduzida nas atividades dos tribunais, considerando o Juiz, no célebre dizer de Charles Montisquieu, “a boca que pronuncia as palavras da lei…”, no sentido de respeito escrupuloso ao direito aplicável conforme os direitos, liberdades e garantias.

funcionais, sobretudo perante o evidente desequilíbrio de poder entre os sujeitos sociais de direito privado e uma quase verticalidade análoga - por vezes quase idêntica – que se encontra nas relações entre os indivíduos e o Estado.

Deste modo, referimo-nos à eficácia dos direitos fundamentais nas relações entre particulares – o

designado “efeito ou eficácia horizontal” na literatura jurídica portuguesa249.

Com efeito, a resposta para esta preocupação deve ser aquilatada no âmbito constitucional. Neste

sentido, a CRGB250 pauta por uma formulação pouco venturosa e próxima da adotada, por exemplo, na

CRP, art. 18º e na Lei Fundamental Alemã, art. 1º, relativamente à irradiação dos efeitos dos direitos fundamentais na esfera jurídica privada. Este fundamento é baseado no facto de incluir expressamente os particulares no rol dos sujeitos e das entidades vinculadas aos direitos fundamentais, não excluindo, na nossa apreciação, a possibilidade de vinculação dos direitos fundamentais aos particulares. No mesmo sentido, o art. 5º, 1º parágrafo da Constituição Federal Brasileira, além de reconhecer expressamente a vinculação às entidades estatais, não afasta, segundo a doutrina maioritária, a sua vinculação e eficácia em relação aos particulares. Esta é sustentada por uma construção dogmática elaborada por Claus-Wilhelm Canaris, com fundamento substancial na teoria dos deveres de proteção estatais, e na sustentação da existência - salvo previsão constitucional direta como no caso de Portugal -, de uma eficácia geral indireta.

Contudo, parece indiscutível a defesa da tese de eficácia mediata dos direitos fundamentais nas relações entre particulares, sobretudo na óptica da Lei Fundamental (LF) alemã, dado que esta, no art. 1º, n.º 3, dispõe que “os direitos fundamentais que se seguem vinculam a legislação, poder executivo e

a jurisdição como direito imediatamente vigente”. Decorre expressamente desta as vinculações das

autoridades públicas aos órgãos jurisdicionais nas interpretações e aplicações dos direitos

249 Em regra, irradiação dos direitos, liberdades e garantias não tem a virtualidade de se aplicar nas relações jurídico- privadas, apenas tendo por destinatário possível e original o poder público. Entretanto, a dogmática da eficácia horizontal dos direitos fundamentais é configurada, em geral, conforme as duas tendências seguintes: a de vinculação imediata, que toma em consideração a dimensão objetiva dos direitos fundamentais, como normas e repositórios de valores, não carecendo, por isso, de qualquer interposição, podendo o seu beneficiário, invocá-los aos seus semelhantes como se estivessem a invocá-los a uma entidade pública; já, entretanto, o contrário acontece na vinculação mediata, em que se toma em conta a necessidade de garantia de operacionalidade de tais direitos fundamentais através do Direito Privado, das suas cláusulas gerais de boa-fé, abuso do direito, a ordem pública, os bons costumes, etc… Cf. José Carlos Vieira de Andrade, «Os Direitos Fundamentais nas Relações entre Particulares», Documentação e Direito Comparado, n.º 5, 1981, p. 233 e ss. José Carlos Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição portuguesa de 1976, 5ª ed., Coimbra, Almedina, 2012, p. 205 e ss; Vasco Pereira da Silva, «A Vinculação das Entidades Privadas pelos Direitos, Liberdades e Garantias»,

Revista de Direito e Estudos Sociais, ano XIX, II, n.º 2, 1987, p. 259; José João Nunes Abrantes, «Direito de Trabalho e a

Constituição», Estudos de Direito do Trabalho, Lisboa, AAFDL, 1990, p. 80 e ss. 250

fundamentais, nomeadamente numa perspetiva jurídico-prático - tendo a justa composição de quaisquer litígios - assim como a vinculação do legislador do direito público e de direito privado aos

direitos fundamentais251. Estes não dependem de quaisquer intermediações, são imediatas, no sentido

de vincular os seus atos e procedimentos aos direitos fundamentais252. As autoridades públicas e o

legislador ordinário devem tomar os direitos fundamentais como guião e referências às suas atuações,

quer abstendo-se de intervir, quer protegendo-os, e os tribunais253 devem interpretar e aplicar os

direitos nos casos concretos, sujeitos à sua jurisdição, de modo a não provocar efeitos nocivos ou ofensivos aos conteúdos dos direitos fundamentais.

Assim sendo, de acordo com o artigo 2º e ss., da LF alemã, apenas os poderes estatais - e não os sujeitos de direito privado - estão vinculados aos direitos fundamentais como direitos imediatamente vigentes. Neste sentido, Canaris, seguido por Jorg Neuner, escreve que a defesa da tese da eficácia direta horizontal dos direitos fundamentais suprimiria a diferenciação categorial entre Estado e sociedade. Com efeito, “uma vinculação abrangente ao enunciado da igualdade do art. 3º da LF seria pura e simplesmente incompatível com uma sociedade pluralista”, devendo-se declinar perante a tese

de eficácia horizontal254.

Generalizando, e não obstante registarmos algumas resistências por parte de um setor da doutrina, tem sido aceite a tese da eficácia direta dos direitos fundamentais nas relações entre particulares por parte de setor significante da doutrina e jurisprudência estrangeira, sobretudo com respaldo e seguimento nas

251 Pois a vinculação imediata do legislador ordinário do direito privado aos direitos fundamentais decorre da letra dos arts. 1º, n.º 3, e art. 93º, n.º 1, al. 4ª, da LF alemã, e também da afloração da primazia da lex superior (Constituição) sobre a lei inferior – ordinária. Assim os direitos fundamentais influenciam e vinculam o legislador ordinário do direito privado no âmbito das suas funções normais, como proibições de intervenção e imperativos de proteção.

252 Para mais desenvolvimentos sobre esta matéria na LF alemã, veja-se: Claus-Wilhelm Canaris, Direitos Fundamentais e

Direito Privado, op. cit., p. 22 e ss.; Idem, «A Influência dos Direitos Fundamentais sobre o Direito Privado na Alemanha», in Ingo Wolfgang Sarlet (org.), Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado, 3ª ed., Porto Alegre, Livraria do

Advogado Editora, 2010, p. 218.

253 Igualmente, retira-se do art. 1º, n.º 3º, da LF alemã, que o órgão jurisdicional do Estado, representado pelos tribunais, vinculam de forma imediata aos direitos fundamentais, sobretudo na efetividade ou concretização desses direitos fundamentais, de cujas violações ou errada aplicação constitui o seu titular no direito de petição constitucional com fundamento em violação de seu direito fundamental como violações de proibições de intervenções e de imperativos de proteção.

254 Cf. Jorg Neuner, «A Influência dos Direitos Fundamentais…», op. cit., p. 226. A propósito, o Tribunal de Reich (Reinchsgericht) equacionou esta questão já em 1925, sobre a Lei de Deflação, na qual recorreu, de entre outros critérios, ao do art. 153º da Constituição de Weimar, tendo antecipado, além disso, a tese da eficácia jurídico-privada indireta dos direitos fundamentais de uma associação como violações nos seus direitos fundamentais, em que se concretizou a regra constante do 242 do BGB (138º do BGB) mediante os deveres fundamentais dos artigos 153º, III, e 155º, III, da Constituição da República alemã. Todavia, sem pôr de lado as evidências relativas àquelas normas constitucionais consagradoras de direitos fundamentais de conteúdos e enunciados programáticos, desprovidos de quaisquer eficácia jurídica direta e imediata, nem perante a entidade estatal.

diversas ordens jurídicas, v.g., Portuguesa255, Espanhola256, Argentina, Colombiana, etc.

255 Em Portugal parece existir um consenso relativamente à questão da eficácia direta e imediata dos direitos fundamentais nas relações entre particulares, todavia não é pacífico a questão de fixação de parâmetros e termos em que se processam a vinculação de entidades privadas. Com efeito, a CRP procurou no art. 18º solucionar um problema que a CR da Guiné- Bissau, a CR Federativa do Brasil, a CR Alemã, não resolveram, todavia acabou por dar azo a uma outra margem de dúvida sobre em que medida tal vinculação direta de privadas se deve estabelecer, dado que não faz qualquer sentido a equiparação entre as entidades públicas e as privadas para o efeito da referida vinculação. Perante a declinação da solução formalista, que conduz a uma equiparação da atuação privada em sede do direito privado às das entidades públicas, e na declinação da tese, que se tem vindo a defender, que os direitos fundamentais são dirigidos aos particulares, minando por completo a razão e fim último para o que realmente os direitos fundamentais existem, senão, enquanto direitos subjetivos, de cariz público, se opõem prima facie ao poder público, i.e., existem para limitar as atuações do poder público. Para solucionar esta questão, a doutrina portuguesa pugnou por vias diferenciadoras, declinando-se perante a indiferença transposta na “teoria da convergência estatística”, que informa que a atuação dos particulares no exercício da autonomia privada é sempre produto de uma autorização estatal, e todas as ofensas aos direitos fundamentais “partem do Estado”, uma vez que a este incumbe um dever de proteger os direitos fundamentais em geral. Neste sentido, foi mais longe ainda, Paulo Mota Pinto, ao reconhecer a dificuldade em aceitar a referida tese de equiparação que parece resultar formalmente da CRP, tendo, por isso, recusado admissão de uma generalizada eficácia horizontal imediata, “com transformação global da Constituição no estatuto imediato das relações entre particulares”. O que nos conduziria à produção imediata de consequências jurídicas ao nível constitucional, com substituição dos regimes jurídico - privados, v.g., Código Civil, saldando-se, na óptica deste autor, designadamente, “na cominação de nulidade, por inconstitucionalidade, de todos os atos e negócios jurídicos privados celebrados contra direitos, liberdades e garantias, e na ilicitude, para efeito civil, designadamente, a responsabilidade civil, dos atos que ofendessem esses direitos”. Na tentativa de se encontrar soluções diferenciadoras face à margem de dúvidas deixadas pelo art. 18º da CRP, relativo à não precisão de modus vinculandi, Gomes Canotilho avançou com a “metódica de diferenciação”, na qual patenteia uma solução diferenciadora que atende à existência de um “poder privado” ou de uma situação de desigualdade. A maioria prefere o critério concreto para a extensão e graduação da referida eficácia, distinguindo relações dentro dos grupos, com os poderes instituídos, relações entre particulares e poderes sociais de facto e relações entre particulares em igualdade. Já Pereira da Silva prefere uma solução de vinculação próxima à do Estado, embora distinga entre uma “vinculação a título principal”, das entidades privadas dotadas de poder, com um dever ativo de cooperação, e uma “vinculação a título secundário” de todo e qualquer indivíduo, como terceiro sobre quem impende um dever geral de respeito. Neste sentido, J. J. Abrantes defende que na vinculação entre entidades em situação de igualdade, a garantia dos direitos fundamentais resumir-se-ia ao núcleo duro, enquanto entre sujeitos desiguais são aplicáveis os mesmos termos que para as entidades públicas. Já para Paulo Mota Pinto, seguindo a solução equacionada por Claus-Wilhelm Canaris, defende que “ (…) À perspetiva da eficácia horizontal direta perante poderes sociais é, pois, para lá daquele núcleo essencial, preferível a impostação com base na função dos direitos fundamentais enquanto imperativos de tutela”. Assim “os deveres de proteção destes direitos – e igualmente dos direitos económicos e sociais – obrigarão, pois, as entidades públicas a intervir nas relações entre particulares, evitando-se a rigidificação e inflexibilidade da vida jurídico- privada (…), sem deixar, porém, de obter, com uma conciliação de interesses diferenciadora na situação concreta, níveis de proteção adequados às exigências dos direitos fundamentais”. Cf. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa

Anotada, Vol. I, Coimbra, Coimbra Editora, 2005, p. 157; José Carlos Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 3ª ed., Coimbra, Almedina, 2004, p. 259; J. J.Gomes Canotilho, op. cit., p. 448 e ss.;

José Joaquim Gomes Canotilho e Vital Moreira, op. cit., p. 147 e ss.; Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Vol. IV – Direitos Fundamentais, 3ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2000, p. 320 e ss.; António Menezes Cordeiro,

Tratado de Direito Civil Português, I – Parte Geral, tomo I, 3ª ed., Coimbra, Almedina, 2007, p. 204 e ss.; Vasco Pereira

da Silva, op. cit., p. 259 e ss.; Paulo Mota Pinto, «O direito ao livre desenvolvimento da personalidade», Studia Juridica, nº40, Coimbra, Coimbra Editora, 2000, p. 227 e ss; Idem, «A Influência dos Direitos Fundamentais sobre o Direito Privado Português», in AA. VV., Direitos Fundamentais e Direito Privado. Uma Perspectiva de Direito Comparado, Coimbra, Almedina, 2007, p. 155 e ss.; Idem, «O direito à reserva sobre a intimidade da vida privada», Boletim da Faculdade de Direito, nº69, Coimbra, Universidade de Coimbra, 1993. Marcelo Rebelo de Sousa e José de Melo Alexandrino,

Constituição da República Portuguesa Comentada, Lisboa, Lex, 2000, p. 97 e ss.; Claus-Wilhelm Canaris, op. cit., p. 41 e

ss. Acrescentamos que a questão dos efeitos horizontais imediatos dos direitos fundamentais foi equacionada com bastante acuidade do ponto de vista da jurisprudência do Tribunal Constitucional Português, não merecendo por isso um tratamento consentâneo e claro, como podemos ver pelo Acórdão do TC N.º 198/85, Pub. DR, II, Série, N.º 217, de 19 de Setembro de 1992, que além de reconhecer a eficácia entre as partes de certos direitos fundamentais, v.g., do segredo de correspondência, ainda dispõe que “independentemente do significado exato que venha a ser dado, em geral ou por outros direitos fundamentais, ao âmbito da força vinculativa destes direitos também pelas entidades privadas, por exemplo nas relações jurídicas privadas”. Parece seguir este entendimento da eficácia horizontal dos direitos fundamentais o Acórdão do TC n.º 1/84, Pub. DR, I Série, de 17 de Abril de 1984, e o Acórdão do TC n.º 93/92, Pub. DR, I – A Série, 123, de 28 de Maio de 1992. Em boa verdade, a questão do efeito horizontal dos direitos fundamentais aparece no Tribunal Constitucional como uma questão indireta ou incidental, por isso, este tribunal na apreciação da questão de inconstitucionalidade que lhe foi pedida para decidir, acaba por se pronunciar sobre a vinculação das entidades privadas aos direitos fundamentais. Com efeito, o TC nas decisões que toma, muitas vezes se confronta nas situações evidentes de conflitos entre exercícios dos direitos fundamentais de pessoas privadas nas suas relações, v.g., Acórdão do TC n.º 359/91, Pub. DR, I-A, de 9 de Julho de 1991. Por conseguinte, o Acórdão do TC n.º 275/2002, Pub. DR, II, Série, de 14 de Julho de 2002, decretou a inconstitucionalidade da exclusão do direito dos familiares (pelo queixoso não ser casado) de reclamar compensação por danos morais no caso de homicídio doloso de um parente, baseando-se no argumento dos princípios da proteção da família e da proporcionalidade. Ainda, o Acórdão do TC n.º 153/90, Pub. DR, II série, de 3 de Maio de 1991, julgou inconstitucional a norma regulamentar dos Correios que incluía as condições contratuais com os clientes, nos quais os Correios não deviam nenhuma compensação ao consumidor pelo lucro cessante no caso de atraso na entrega de cartas ou de um vale postal, dado que esta norma conflitua com o direito do consumidor previsto no art. 60º da CRP. Recentemente, o Acórdão do TC n.º 657/2006, não julgou inconstitucional a norma que resulta da conjugação do disposto na alínea a) do n.º 1 e do n.º 2 do art. 824º do CPC, na redacção dada pelo DL n.º 180/96, de 25 de Setembro, no entendimento de que permite a “penhora de qualquer percentagem no salário de executados quando tal salário é inferior ao salário mínimo nacional ou quando, sendo superior, o remanescente disponível para os mesmos, após a penhora, fique aquém do salário mínimo nacional”.

256 Na ordem constitucional espanhola, a questão de efeito direto “horizontal” dos direitos fundamentais nas relações entre particulares é profundamente debatida entre os juristas da área pública e privada. Com efeito, uma larga maioria inclina-se pela positiva, i.e., ao admitirem a referida eficácia direta à luz da CR espanhola. Neste sentido, de forma mais explícita e aprofundada veja-se, Juan María Bilbao Ubillos, «La Eficacia Frente a Terceros de los Derechos Humanos en el Ordenamento Espanhol», in AA. VV., Direitos Fundamentais e Direito Privado. Uma Perspectiva de Direito Comparado, Coimbra, Almedina, 2007, p. 165 e ss.; Idem, «En qué medida vinculan a los particulares los derechos fundamentales?», in Ingo Wolfgang Sarlet (org.), Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado, 3ª ed., Porto Alegre, Livraria do Advogado Editora, 2010, p. 280 e ss. De igual modo, este autor procura mostrar que a mesma questão foi objeto de discussão na doutrina norte americana, sobretudo a dificuldade crescente gerada com a construção da doutrina de “state

action”, que estabelece uma espécie de alternativa a “Drittwirkung” (a questão da eficácia dos direitos fundamentais na

ordem jurídica privada) e limite de atuação do Estado, colocando assim entrave na configuração e defesa da tese de eficácia direta dos direitos fundamentais nas relações entre particulares. Cf. José Joaquim Gomes Canotilho, «Dogmática de Direitos Fundamentais e Direito Privado», in Ingo Wolfgang Sarlet (org.), Constituição, Direitos Fundamentais e Direito

Privado, 3ª ed., Porto Alegre, Livraria do Advogado Editora, 2010, p. 295 e ss. De igual modo, Christian Courtis, adverte

que os direitos humanos se dirigem ao Estado enquanto primeiro obrigado aos diplomas legais e normas internacionais positivadoras dos direitos humanos, mas não afasta a possibilidade de vincular os particulares a respeitar os direitos humanos nas suas relações, v.g., respeito requerido aos direitos humanos dos trabalhadores migrantes, e a proibição de descriminação decorrente da norma de jus cogens, etc. Cf. Christian Courtis, «La Eficacia de los Derechos Humanos en las Relaciones entre Particulares», in Ingo Wolfgang Sarlet (org.), Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado, 3ª ed., Porto Alegre, Livraria do Advogado Editora, 2010, p. 345 e ss.

Neste mesmo sentido, seguindo a orientação de Ingo Sarlet, face à Constituição Federal Brasileira257, podemos dizer que o reconhecimento da eficácia direta ou indireta das normas dos direitos fundamentais na CRGB, art.30º/1, nomeadamente nas relações entre particulares, deve ser entendida e equacionada de forma diferenciada, seguindo o postulado de diversidade de efeitos jurídicos. Com efeito, a garantia de uma eficácia social dos direitos fundamentais, como fenómeno complexo, exige a consideração coordenada de uma multiplicidade de aspetos fácticos e técnico-jurídicos, de tal sorte que somente uma metódica suficientemente diferenciada se revela apta a dar conta das diversas facetas do

problema258.

Assim sendo, na nossa CR, seria plausível configurar uma solução legal e constitucional adequada, que visasse reconhecer não apenas a eficácia direta prima facie dos direitos fundamentais às entidades públicas, mas também as relações puramente privadas, relegando a questão de determinação de condição, mecanismo e parâmetro dessa eficácia e vinculação dos direitos fundamentais nas relações de foro privado, para posteriores ponderações casuísticas nos termos e em conformidade com o critério

atrás enunciado259.

Ainda no domínio da eficácia direta “horizontal” dos direitos fundamentais, acrescentamos que esta

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