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A eficiência do concessionário e a proporção em que os ganhos devem ser compartilhados entre as partes

4. A REVISÃO DOS CONTRATOS DE CONCESSÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA POTÁVEL E ESGOTAMENTO SANITÁRIO

4.3. A revisão ordinária dos contratos de concessão de abastecimento de água e esgotamento sanitário e o compartilhamento dos ganhos

4.3.2. O compartilhamento de ganhos

4.3.2.1. A eficiência do concessionário e a proporção em que os ganhos devem ser compartilhados entre as partes

A definição da proporção em que o compartilhamento dos ganhos deve ocorrer, ou seja, qual parcela desses ganhos caberá ao concessionário e qual deve ser revertida para a modicidade tarifária é, com certeza, a questão mais tormentosa a

ser enfrentada pelo titular dos serviços quando do planejamento da concessão, considerando que a Lei de Concessões e a Lei Nacional de Saneamento Básico nada tratam sobre o tema.

Ademais, conforme destaca Estela B. Sacristán, estabelecer uma relação direta entre a eficiência e os ganhos extraordinários não é tarefa das mais simples:

[...] pode-se notar que, em princípio, do ponto de vista econômico, há uma eficiência interna que se relaciona com o melhor esforço dado um output, ao contrário de eficiência alocativa, o que torna um output ideal um esforço dado. O observador externo à empresa pode ver os custos desta, mas não sua eficiência interna, isto é, como são seus melhores esforços dado um output. Nessa situação, poderia ser argumentado que, em condições de qualidade esperada, os resultados aparentemente excessivos recolhidos pela empresa podem ser devido a causas tão diferentes como um esforço ótimo dentro da empresa, uma gestão acima do normal, ou pode ser devido à sua boa sorte.

A assimetria de informações operaria assim em favor da empresa, pois durante a execução do contrato o regulador - observador - pode não saber, de forma inequívoca, a que se devem esses ganhos extraordinários, o que obstaria a determinação de uma causalidade exclusiva108.

Assim, antes de se definir a proporção em que os ganhos serão compartilhados, é necessário verificar como a eficiência do concessionário pode ser aferida nos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário, que possui suas peculiaridades, pois é dessa análise que se constatará a existência, ou não, de ganhos decorrentes da elevação da remuneração ou da redução de custos.

Em setores em que há concorrência entre os prestadores, a expansão do número de usuários, a qualidade dos serviços e o valor da tarifa praticada podem ser parâmetros a ser utilizados para aferir a eficiência do concessionário, tendo em vista a comparação possível entre os prestadores e uma maior flexibilidade da estrutura tarifária. Como os usuários são beneficiados pela melhor qualidade dos serviços, a apropriação de uma parcela maior dos ganhos pelo concessionário mais

108 No original: “[...] puede señalarse que, em principio, y desde el punto de vista económico, existe uma eficiencia interna que se relaciona com el esfuerzo óptimo dado um output, a diferencia de la eficiencia asignativa, que hace al output óptimo dado um esfuerzo. El observador externo a la empresa puede ver lós costos de ésta, pero no su eficiencia interna, este es, cuán óptimo sus esfuerzos dado um output. En esta situación, podría afirmarse que, bajo condiciones de calidad esperada, las ganancias aparentemente excesivas recogidas por la firma pueden deberse a causas tan disímiles como um óptimo esfuerzo interno de la empresa, un management por encima de lo normal, o incluso pueden deberse a su buena fortuna.

La información asimétrica operaría así a favor de la empresa, pues durante la ejecución del contrato el regulador – observador – no puede saber, inequivocamente, a qué se deben aquellas ganancias extraordinarias, lo cual obstaría a la determinación de uma relación de causalidad exclusiva.” Régimen de las tarifas de lós servicios públicos: aspectos regulatorios, constitucionales y procesales. Buenos Aires: Depalma, 2007. p. 327- 328.

eficiente incentivará os demais concessionários a também buscar uma eficiência maior e a prestar um serviço mais adequado.

No caso dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário, as tarifas são estruturadas pelo modelo denominado de “custo dos serviços” ou “custo dos investimentos”, no qual “é estabelecida a taxa de retorno sobre os ativos e são autorizados proveitos destinados a cobrir os custos de exploração e a remuneração do capital investido”.109 Por esse modelo, todos os gastos do concessionário são integralmente compensados pela remuneração advinda da tarifa, o que desestimula a adoção de qualquer medida para redução dos custos.

As tarifas são fixadas pela proposta comercial vencedora e reajustadas periodicamente por meio de fórmula paramétrica ou índice oficial que não preveem qualquer fator de produtividade como critério para definição dos novos valores a serem praticados. Ademais, a ausência de competidores dificulta a comparação objetiva da qualidade e eficiência da prestação dos serviços.

A Lei Nacional de Saneamento Básico, complementando a Lei de Concessões, se preocupou, ainda que de forma tímida, com a análise da eficiência dos concessionários e expressamente admitiu a inclusão de fatores de produtividade como mecanismo para preservar o equilíbrio econômico-financeiro e a modicidade tarifária:

Art. 22. São objetivos da regulação: [...]

IV - definir tarifas que assegurem tanto o equilíbrio econômico e financeiro dos contratos como a modicidade tarifária, mediante mecanismos que induzam a eficiência e eficácia dos serviços e que permitam a apropriação social dos ganhos de produtividade.

Art. 38 [...]

§ 2o Poderão ser estabelecidos mecanismos tarifários de indução à

eficiência, inclusive fatores de produtividade, assim como de antecipação de metas de expansão e qualidade dos serviços.

§ 3o Os fatores de produtividade poderão ser definidos com base em

indicadores de outras empresas do setor.

Nos termos da lei, portanto, a eficiência do concessionário pode ser aferida, por exemplo, pela qualidade dos serviços e pela antecipação de metas de expansão. No mesmo sentido, a modernidade e atualidade das técnicas e a gestão dos recursos

109 Egon Bockmann Moreira. Direito das concessões de serviços públicos: inteligência da Lei 8.987/1995 (Parte Geral). São Paulo: Malheiros, 2010. p. 362.

materiais e humanos também são critérios aptos a aferir a produtividade e eficiência do concessionário.

Para auxiliar o titular dos serviços na fixação dessas metas e serviços a lei permite a utilização de informações e dados de outras empresas do setor. Compatibilizando esses indicadores com as especificidades dos serviços, cria-se uma empresa hipotética, conhecida como “empresa-sombra” ou shadow firm, a qual possui parâmetros de desempenho, custos e tarifas que são almejados na concessão e que servirão como critério para a avaliação da produtividade do concessionário e da qualidade de seus serviços.

Esse é o modelo denominado de regulação de desempenho ou yardstick

regulation, que, conforme Egon Bockmann Moreira, tem por objetivo

atenuar as assimetrias de informações, instalar a concorrência virtual e estimula a eficiência econômica (com redução de cursos e preços e controle de qualidade). Os dados obtidos numa determinada empresa servirão de medida para a regulamentação das outras (e vice-versa). O que se dá é a utilização de informações externas ao contrato.110

Não é o único modelo existente, mas nos parece que é o mais adequado para os serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário, tendo em vista as peculiaridades já mencionadas.

Assim, a qualidade do tratamento da água e do esgoto, as perdas no sistema, as metas de expansão, o índice de inadimplemento, o número de reclamação dos usuários, o tempo para solução das reclamações, a qualidade do atendimento ao usuário e seu nível de satisfação, a solidez econômica e financeira do concessionário, a tecnologia e equipamentos utilizados, a lucratividade, a formação dos profissionais, os custos incorridos com a prestação, enfim, esses e outros parâmetros compõem essa “empresa-sombra” e, quando da revisão ordinária, devem ser analisados pelo poder concedente.

Apenas a título de exemplo, a ARSESP, na Nota Técnica Final nº RTS/01/2012, ao definir a metodologia para o processo de revisão tarifária dos contratos da SABESP, aponta diversos elementos que podem se prestar à análise da qualidade dos serviços e eficiência do prestador, destacando-se dentre eles:

110 Direito das concessões de serviços públicos: inteligência da Lei 8.987/1995 (Parte Geral). São Paulo: Malheiros, 2010, p. 363-364.

 Projeção de demanda, de investimentos e dos custos operacionais

 Cumprimento de metas físicas  Erros nas estimativas originais

 Realização de investimentos não previstos  Nível de perdas

 Custos com Energia elétrica

 Custos com Materiais de tratamento  Despesas Fiscais e Impostos

 Insumos: despesas operacionais, despesas com pessoal próprio, estoque de capital, despesas totais, extensão da rede de água, extensão da rede de esgoto, quantidade de pessoal.

 Produtos: ligações de água, ligações de esgoto, volume de água produzida, volume de água faturada, volume de esgoto recoletado, volume de esgoto tratado, economias de água, economias de esgoto.

 variáveis ambientais: densidade populacional, proporção de clientes não residenciais, fonte superficial e água subterrânea, perdas de água, distância da fonte de água aos consumidores, precipitação média, temperatura média, densidade da rede (ligações por km de rede), topografia, tipo de solo, consumo de eletricidade por ligação, regulamentos locais.

Destaque-se que a obrigatoriedade de se constituir uma entidade reguladora vai ao encontro dessa análise da eficiência do concessionário e da qualidade dos serviços, pois a existência de uma entidade fiscalizadora com conhecimento técnico e econômico do setor possibilita uma aferição mais adequada do desempenho do concessionário.

No caso do concessionário, em virtude de sua produtividade, atingir ou superar os parâmetros de qualidade e eficiência fixados e isso acarretar um aumento de seus ganhos, surge, então, a possibilidade de compartilhá-los com os usuários, revertendo uma parcela desses ganhos para a modicidade tarifária.

Diz-se possibilidade porque o ganho extraordinário pode ser pequeno e insuficiente para proporcionar uma redução no valor das tarifas, sendo que, ao invés de compartilhar esses ganhos, novas obrigações podem ser impostas ao concessionário ou outros investimentos exigidos, com vistas a equilibrar, novamente, o contrato.

Da mesma forma, a fixação da periodicidade em que as revisões ordinárias ocorrerão influencia o percentual de ganhos do concessionário, sendo que quanto maior o período de análise também maiores são as possibilidades de se extrair melhor proveito econômico da prestação dos serviços.

Verificada a existência de ganhos decorrentes da eficiência aptos a serem compartilhados, qual parcela deve ser apropriada pelo concessionário e qual deve ser revertida para a modicidade tarifária? Em que proporção esse compartilhamento de ganhos deve ocorrer?

Para Dinorá Adelaide Musetti Grotti, inexistindo disciplina legal específica, há “liberdade para as partes, concessionária e poder concedente, adotarem a solução que reputarem mais adequada, mediante contrato, por tratar-se de cláusula econômica da concessão.”111 Karina Harb também defende que a proporção do compartilhamento dos ganhos deve ser “definida caso a caso no contrato, conforme os estudos de planejamento que o antecedem”.112

Realmente, impossível se estabelecer, de forma geral, uma proporção para o compartilhamento dos ganhos, visto que cada serviço e cada contrato têm suas peculiaridades. No caso da telefonia, por exemplo, em que existe competição, um percentual maior de ganhos pode ser apropriado pelo concessionário, com vistas a estimular sua eficiência. Já nos serviços de abastecimento de água potável e esgotamento sanitário, as concessões, via de regra, possuem caráter de exclusividade, sendo que os ganhos podem ser apropriados em maior proporção pelos usuários.

A Lei Geral de Telecomunicações (Lei 9.472/1997) traz disciplina que pode se prestar a essa finalidade norteadora da atuação administrativa:

Art. 108. Os mecanismos para reajuste e revisão das tarifas serão previstos nos contratos de concessão, observando-se, no que couber, a legislação específica.

[...]

§ 2° Serão compartilhados com os usuários, nos termos regulados pela Agência, os ganhos econômicos decorrentes da modernização, expansão ou racionalização dos serviços, bem como de novas receitas alternativas.

§ 3° Serão transferidos integralmente aos usuários os ganhos econômicos que não decorram diretamente da eficiência empresarial, em casos como os de diminuição de tributos ou encargos legais e de novas regras sobre os serviços.

Com propriedade estabelece a lei que os ganhos decorrentes da diminuição de encargos e de novas regras sobre os serviços devem ser integralmente apropriados pelos usuários, visto que as vantagens econômicas do concessionário serão

111 O serviço público e a Constituição Brasileira de 1988. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 248. 112 A revisão na concessão de serviço público. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 182.

advindas de eventos aleatórios para os quais ele não concorreu. Isso caracterizaria um locupletamento indevido, o que não é admitido por nosso ordenamento jurídico.

Partindo-se da premissa de que somente são compartilhados os ganhos extraordinários que decorram diretamente da eficiência empresarial do concessionário e que esses ganhos são auferidos pela exploração de um serviço público de titularidade estatal, a apropriação equânime pelos usuários e pelo concessionário nos parece medida que ao mesmo tempo estimula a eficiência e permite a redução das tarifas.

Raciocínio semelhante deve ser utilizado no caso das receitas acessórias ou extraordinárias. O art. 11 da Lei de Concessões estabelece que essas receitas devem favorecer a modicidade tarifária, entretanto, revertê-las integralmente para essa finalidade desestimulará o concessionário em buscá-las, razão pela qual esses benefícios também devem ser compartilhados de forma equânime entre as partes.

Outro percentual pode ser fixado pelas normas de regulação e pelo contrato, sendo que, em qualquer hipótese, a escolha da proporção deve estar fundamentada e expressamente motivada. É contrária, contudo, ao regime jurídico dos serviços públicos qualquer disposição que preveja a apropriação integral desses ganhos por uma ou outra parte.

Tudo quanto acima exposto aplica-se, frise-se, ao compartilhamento dos ganhos decorrentes da eficiência do concessionário. Entretanto, Benedicto Porto Neto destaca que esses ganhos também podem advir da aplicação no contrato de tecnologia desenvolvida pela própria sociedade, sendo que, nessa hipótese, conclui, com acerto, que

[...] as vantagens econômicas serão fruto de eventos aleatórios, para os quais a concessionária não terá concorrido. Devem reverter para a sociedade os benefícios decorrentes da tecnologia por ela desenvolvida. Neste caso, há simples álea econômica extraordinária, que demanda a recomposição da remuneração da concessionária pelos critérios antes apontados. Os ganhos econômicos decorrentes da tecnologia superveniente não lhe são atribuídos.113

A definição dos parâmetros para análise da eficiência do concessionário e da proporção em que os ganhos serão compartilhados não é, como se vê, tarefa das

113 Concessão de serviço público no regime da Lei n. 8.987/95: conceitos e princípios. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 117.

mais simples, exigindo um planejamento adequado114 e uma regulação eficiente, devendo o poder concedente se valer de todas as prerrogativas legais para obter do concessionário as informações técnicas e econômicas necessárias para aferir sua produtividade.

É possível que durante a execução contratual o poder concedente proceda à alteração dos parâmetros de análise da eficiência do concessionário, considerando a nova realidade fática e as peculiaridades do serviço, devendo, para isso, proceder à alteração das normas de regulação e do contrato, por meio de termo aditivo, concedendo prazo para que as adaptações possam ocorrer e as novas metas sejam atendidas.

Imprescindível que os motivos que ensejaram a alteração dos parâmetros de análise de eficiência e dos ganhos de produtividade sejam apresentados no momento da alteração, a fim de que possa ser exercido o controle do ato pelo concessionário, pelo usuário e pelos órgãos competentes.

A revisão ordinária é, portanto, instrumento apto a preservar o equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão dos serviços públicos de abastecimento de água e esgotamento sanitário e, para tanto, deve estar previsto no edital, no contrato e nas normas de regulação.

Essa revisão pode se prestar a compartilhar os ganhos abusivos do concessionário decorrentes de sua eficiência, devendo todos os parâmetros e condições ser definidos ainda no planejamento da concessão e refletidos nos instrumentos que disciplinam a concessão, sendo que na ausência de previsão quanto a essa possibilidade, os ganhos serão apropriados integralmente pelo concessionário, que assume o risco do negócio.