• Nenhum resultado encontrado

5. A REVISÃO EXTRAORDINÁRIA DOS CONTRATOS DE CONCESSÃO DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA E ESGOTAMENTO SANITÁRIO

5.3. As principais áleas extraordinárias dos contratos de concessão dos serviços públicos de abastecimento de água e esgotamento sanitário

5.3.2. O fato do príncipe

A alteração da legislação tributária, que eleve ou reduza os custos do concessionário, é a hipótese de fato do príncipe mais comum e possui expressa disciplina legal, como já visto, inexistindo, assim, dúvidas de que esse risco deve ser alocado no poder concedente.

A respeito desse tema, inclusive, o Tribunal de Contas da União possui entendimento consolidado, retratado no acórdão nº 325/2007,146 no sentido de que o Imposto de Renda e a Contribuição sobre Lucro Líquido não devem ser incluídos

146 “Ora, conforme exposto nos parágrafos acima, o IRPJ e a CSLL, por serem tributos diretos, não permitem a transferência do seu encargo financeiro para outra pessoa, ou seja, a pessoal legalmente obrigada ao seu pagamento suportará efetivamente o ônus. Dessa forma, considera-se inadequada a inclusão do IRPJ e da CSLL na composição do LDI.” (TCU, Ac. nº 325/2007 , Plenário, rel. Min. Guilherme Palmeira)

como despesas indiretas, sendo que alteração de suas alíquotas não enseja reequilíbrio econômico-financeiro do contrato.

Apenas a título de exemplo, no caso dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário, a cobrança pelo uso dos recursos hídricos, iniciada em 2004 no Estado do Rio de Janeiro e em 2007 no Estado de São Paulo, na bacia dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí,147 foi uma das principais alterações legislativas que causou impacto econômico na prestação dos serviços.

E no caso dos Municípios, também é comum a realização de alterações legislativas, em especial quando, antes da concessão, o serviço era prestado diretamente e, assim, gozava de isenção tributária. Quando se opta pela concessão, o Município faz incidir sobre a prestação o Imposto Sobre Serviços – ISS, a fim de incrementar a arrecadação, o que pode desequilibrar o ajuste.

Para que possa ser realizada uma análise adequada a respeito do impacto das alterações tributárias no contrato de concessão, medida recomendável é se exigir a discriminação pormenorizada dos tributos e das alíquotas consideradas pelo concessionário para o oferecimento de sua proposta, facilitando, assim, o confronto entre as informações.

No entanto, não somente a alteração da legislação tributária pode ocasionar um desequilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão. A legislação ambiental, por exemplo, de competência concorrente de todos os entes federativos, tem sofrido grandes modificações nesses últimos anos, em especial as normas técnicas referentes aos equipamentos e à qualidade da água para consumo e do esgoto lançado na natureza, causando impacto nos contratos de concessão dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário.

Importante haver previsão no contrato a respeito dos efeitos dessas alterações na prestação dos serviços, sendo que nem toda atualização de norma técnicas, por exemplo, causam impacto econômico no contrato e outras, ainda que elevem os custos, podem ser enquadradas como áleas ordinárias, uma vez que o serviço adequado compreende a necessária observância aos padrões de qualidade.

Outro fator importante que deve ser considerado pelo titular dos serviços quando elabora o plano de saneamento básico e o estudo de viabilidade econômico-

147 Informações obtidas no “Boletim sobre a cobrança pelo uso de recursos hídricos – Bacias Hidrográficas dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí; Paraíba do Sul e São Francisco - exercício 2010. Disponível em: <http://arquivos.ana.gov.br/institucional/sag/CobrancaUso/Cobranca/Boletim_Cobranca_2010.pdf>. Acesso em; 22 set. 2012.

financeira é a existência ou instituição de uma tarifa social, aplicável aos usuários de baixa renda.

Se já existe na localidade uma tarifa social, deve-se deixar clara qual a parcela da população beneficiada, sendo dever do concessionário obedecer a essa legislação específica. Plenamente possível alocar como risco do concessionário a alteração, durante a execução contratual, na quantidade de usuários enquadrados nessa categoria.

Situação distinta ocorre quanto a tarifa social é instituída durante a execução do contrato de concessão. Nesse caso, a inclusão superveniente dessa nova categoria de usuários pode impactar no equilíbrio econômico-financeiro do contrato e ensejar uma revisão extraordinária, visto que caracterizado o fato do príncipe.

Também a instituição ou majoração da taxa de regulação deve ser objeto de atento estudo pelo titular. Nos termos da Lei Nacional de Saneamento Básico, a existência de uma entidade reguladora é condição de validade dos contratos de concessão de abastecimento de água e esgotamento sanitário, sendo comum instituir-se uma taxa para o exercício dessa atividade de regulação, a qual é cobrada das pessoas jurídica a ela submetidas.

A título de exemplo, no Estado de São Paulo, a Lei Complementar nº 1.025, de 07 de dezembro de 2007, instituiu a taxa a ser cobrada dos prestadores de serviços submetidos à regulação da Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo – ARSESP, correspondente a 0,50% (cinquenta centésimos por cento) do faturamento anual do prestador, conforme determinado o art. 30, §1º:

Artigo 30 - A taxa de regulação, controle e fiscalização será determinada pelo volume de atividades da ARSESP relativas ao prestador, calculada pelo porte de suas operações.

§ 1º - A taxa será de 0,50% (cinquenta centésimos por cento) do faturamento anual diretamente obtido com a prestação do serviço, subtraídos os valores dos tributos incidentes sobre o mesmo.

Se o titular optar por uma entidade de regulação local, é imprescindível que o valor a ser cobrado a título de taxa de regulação esteja definido anteriormente à instauração da licitação, de forma que o montante respectivo faça parte do equilíbrio econômico-financeiro inicial do ajuste, evitando impactos futuros.

A Lei Nacional de Saneamento Básico, contudo, foi editada apenas em 2007, já existindo, à época, diversas concessões de serviços de abastecimento de água e

esgotamento sanitário com contratos já em execução, os quais não previam a existência de uma entidade reguladora e precisam se adaptar à nova disciplina legal. Assim, a instituição dessa entidade e da respectiva taxa de regulação em momento posterior à assinatura do contrato é evento caracterizado como fato do príncipe, sendo de responsabilidade do poder concedente proceder ao reequilíbrio econômico-financeiro do contrato em situações como essa.

A alteração das normas de regulação também é outra álea extraordinária que pode ser enquadrada como fato do príncipe e cujos riscos devem ser considerados no planejamento da concessão.

A atividade reguladora, em especial em matéria de saneamento básico, tem se mostrado muito intensa. Mais uma vez tomada como exemplo, a ARSESP, apenas no ano de 2012, já editou uma dezena de “Deliberações”, as quais, em menor ou maior grau, afetam as condições da prestação dos serviços.

Essas normas não podem ter o mesmo tratamento de alterações legislativas em matéria tributária, visto que, nos termos do art. 23 da Lei Nacional de Saneamento Básico, é inerente à atividade da entidade reguladora a expedição de “normas relativas às dimensões técnica, econômica e social de prestação dos serviços”.

Por essa razão, é importante que o contrato discipline adequadamente os riscos que serão assumidos pelo poder concedente e pelo concessionário em virtude da alteração, pela entidade reguladora, das normas que disciplinam a prestação dos serviços, considerando que é dever de ambos manter um serviço adequado e que adequações dessa espécie são esperadas.

Também como hipóteses de fato do príncipe, podemos destacar as ações judiciais que são propostas em face do contrato de concessão148, das mais diversas espécies. Toda concessão de serviços públicos está sujeita a esse tipo de contratempo, em especial em virtude da atuação dos órgãos do Ministério Público.

Nos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário, essas demandas judiciais podem envolver (i) a suspensão de cobrança de serviços

148 Considerando os conceitos específicos de cada álea extraordinária, parece-nos que as ações judiciais que, de alguma forma, convulsionam a execução contratual, com reflexos no equilíbrio econômico-financeiro do contrato, são melhor compreendidas na teoria do fato do príncipe, uma vez que a determinação judicial é proferida no exercício da função jurisdicional do Estado, ou seja, em competência diversa daquele exercida no âmbito da relação contratual. Não obstante, é possível enquadrar esse tipo de medida na teoria da imprevisão, sendo que, de qualquer forma, poderá dar ensejo à revisão extraordinária.

complementares, como a troca de hidrômetros, (i) discussões sobre a suspensão dos serviços por inadimplência, (iii) a concessão de isenções tarifárias, (iv) danos ambientais, dentre outras que podem culminar em uma ordem judicial com efeitos deletérios no equilíbrio econômico-financeiro149.

Se forem decisões esparsas e adotadas em casos específicos, ainda que haja um desequilíbrio, esse pode ser suportado pelo concessionário. Mas se as decisões acarretarem uma alteração nas condições da execução contratual, com redução significativa dos valores tarifários percebidos mensalmente, será necessária uma revisão extraordinária do ajuste, tendo em vista que a execução contratual, da forma como prevista pelo poder concedente se mostrou inviável.

Independentemente das questões judiciais serem tratadas como fato do príncipe, certo é que sérios empecilhos à prestação dos serviços podem delas advir, sendo recomendável que haja uma disciplina contratual específica.