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3. O REAJUSTE DAS TARIFAS DOS CONTRATOS DE CONCESSÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA POTÁVEL E

3.5. O procedimento para aplicação de reajustes

Afirmou-se acima que o reajuste é um mecanismo que atualiza, de forma automática, o valor das tarifas. Segundo Eugênia Cristina Cleto Marolla,

a aplicação automática de reajuste dispensa as partes de realizarem levantamentos sobre a ocorrência de fatos e os seus reflexos sobre a economia do contrato, em razão da presunção absoluta de quebra da equação econômico-financeira inicial. Dessa forma, o concessionário

80 Remuneração do concessionário: concessões comuns e parcerias público-privadas. Belo Horizonte: Fórum, 2010. p. 138.

não precisa demonstrar que houve inflação e que esta repercutiu sobre os valores contratuais.81

Realmente, a comprovação de impacto da inflação na equação financeira do contrato é desnecessária, todavia, isso não desincumbe o poder concedente da obrigação de incluir no edital e no contrato o procedimento que deverá ser adotado para a aplicação do reajuste, com a fixação de prazos e demais condições. Em contratos de concessão dos serviços de água e esgoto é muito comum constar, apenas, o índice ou a fórmula de reajuste e a data de referência.

Ocorre que nos termos do art. 29, inc. V, da Lei nº 8.987/9582 o reajuste de tarifa deve ser homologado pelo poder concedente, ou seja, depende da expedição de um ato administrativo formal, a homologação, que, segundo Celso Antônio Bandeira de Mello é o “ato vinculado pelo qual a Administração concorda com ato jurídico praticado, uma vez verificada a consonância dele com os requisitos legais condicionadores de sua válida emissão”.83

A ausência de definição, no contrato de concessão, de prazo para a prática desse ato administrativo pode trazer empecilhos à aplicação de reajustes, pois muitos administradores, na maioria dos casos mal intencionados, se valem dessa indefinição contratual para se omitir em produzir o ato de homologação do reajuste, desestabilizando a relação contratual e obrigando o concessionário a buscar uma solução judicial. Infelizmente, esse tipo de procedimento não é raro em concessões de serviços de água e esgoto.

Junia Verna Ferreira de Souza aponta:

O Direito Administrativo, dissemo-lo já, é um direito de garantia. E uma das garantias é a que se refere à segurança jurídica de que deve haver nas relações entre administrados e Administração. Se, dado um pedido ou uma situação a respeito dos quais a Administração deve pronunciar-se formalmente, através de um ato, este silêncio, por sem dúvida, gera a instabilidade, a insegurança no meio dos administrados, afastando-se, destarte, o Direito Administrativo, de um dos valores que persegue. Todavia, verdade é que são registradas inúmeras situações gente às quais a

81 Concessões de serviços públicos: a equação econômico-financeira dos contratos. São Paulo: Verbatim, 2011. p. 105.

82 Art. 29. Incumbe ao poder concedente: [...]

V - homologar reajustes e proceder à revisão das tarifas na forma desta Lei, das normas pertinentes e do contrato;

Administração omite-se, anos a fio, levando este silêncio, incerteza e desassossego aos administrados.84

Assim, é extremamente importante que todos os prazos e medidas que devem ser adotadas pelas partes para a aplicação do reajuste estejam devidamente definidos e especificados no edital e no contrato, consubstanciando em verdadeiro processo administrativo formal, com prazos e responsabilidades recíprocas, de maneira a permitir o efetivo controle dos atos e dando concretude aos ditames legais.

Destaque-se que a omissão legislativa em definir o processo a ser seguido pelo poder concedente ou entidade reguladora para aplicação de reajuste – e também para se proceder à revisão do contrato – pode ocasionar problemas durante a execução contratual, pois, na maioria dos casos, os Municípios não possuem uma lei de processo administrativo, de forma que se não houver essa disciplina específica no contrato o direito do concessionário pode ser violado, principalmente por ausência de responsabilidades quanto ao descumprimento das obrigações ou dos prazos.

Já existindo no contrato a definição do índice ou da fórmula a ser aplicada, esse procedimento deve se iniciar com a manifestação do concessionário, que, antes de encerrar o período de 12 meses contados da data-base do reajustes, realiza os cálculos e os apresenta, formalmente, à entidade reguladora ou, caso ela ainda não esteja constituída, ao próprio poder concedente.

Por ser um dever do poder concedente, o procedimento para reajuste das tarifas pode ser iniciado, também, pela própria Administração, haja vista que os cálculos são simples e os dados extraídos do próprio contrato.85

Recebendo esse pedido formal, a entidade reguladora deve, dentro de prazo razoável, analisá-lo e homologá-lo para que produza seus legais e contratuais efeitos. Conforme afirmam Eurico de Azevedo Andrade e Maria Lúcia Mazzei de Alencar:

84 Forma e formalidade do ato administrativo como garantia do administrado. Revista de Direito Público, São Paulo, v. 81, p. 151-165, jan./mar.1987, p. 159.

85 Entendimento compartilhado por Marcus Vinicius Corrêa Bittencourt: “Quanto à homologação de reajustes e revisão de tarifas, o Estado não detém total liberdade para conceder ou negar tais reformas, pois, uma vez presentes os requisitos legais e contratuais, caberá ao poder concedente realizar as modificações necessárias, seja aumentando ou diminuindo tais valores. O poder concedente não poderá omitir-se nem precisa aguardar a provocação do concessionário, se presentes as condições necessárias. Poderá sponte propria implementar as novas tarifas.” (Controle da concessões de serviço público. Belo Horizonte: Fórum, 2006. p. 153).

a homologação do reajuste exigido pela lei (art. 29, V) deve ter prazo curtíssimo fixado pelo contrato. Homologação é ato administrativo de controle, e a verificação da correção do índice aplicado à tarifa é algo que pode ser feito rapidamente por qualquer computador.86

Vislumbra-se apenas duas hipóteses possíveis nas quais a entidade reguladora pode deixar de homologar o reajuste. Em caso de erro matemático no cálculo, quando o concessionário deve ser intimado para reapresentá-lo ou para se manifestar quanto ao cálculo correto realizado pela entidade, ou na hipótese de ainda não ter transcorrido o interstício mínimo para a aplicação de reajuste, sendo que as razões devem vir acompanhadas dos respectivos motivos.

Por ser a homologação um ato vinculado, como visto acima, essas hipóteses devem também estar expressamente previstas no contrato, orientando, assim, a prática do ato controlador pela entidade reguladora.

Mais de uma vez já se afirmou que o reajuste das tarifas é um direito do concessionário e um dever do poder concedente, de forma que qualquer outro motivo utilizado como fundamento para não se homologar o reajuste é ilegal e atenta contra a finalidade do instituto, que é recompor, de forma automática, o valor real da tarifa, haja vista a presunção de desequilíbrio.

Como dito alhures, não há necessidade de prova da ocorrência do desequilíbrio. Se o poder concedente entende que os valores reajustados das tarifas estão elevados ou não condizentes com a equação econômico-financeira inicial deve se valer do procedimento de revisão contratual, seja ordinário ou extraordinário, para alterar os parâmetros econômicos, mas não simplesmente se negar a homologar o reajuste.

Nesses casos, a solução mais adequada é homologar o reajuste e instaurar, concomitantemente, um procedimento de revisão contratual para reduzir o valor das tarifas. Posição distinta é a defendida por Antônio Carlos Cintra do Amaral87 e Jacintho Arruda Câmara,88 que entendem que o poder concedente pode deixar de homologar o reajuste e compensar o concessionário com outras medidas, tais como o pagamento de indenização ou a autorização para exploração de um projeto associado.

86 Concessões de serviços públicos: comentários à Lei 8.987 e 9.074 (Parte Geral) com as modificações introduzidas pela Lei 9.648, de 27.5.98. São Paulo: Malheiros, p. 77.

87 Concessão de serviço público. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 99. 88 Tarifa nas concessões. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 182.

Por outro lado, decorrido o prazo fixado para a homologação da entidade reguladora sem qualquer manifestação, deve-se considerar tacitamente aprovado o pedido, conferindo-se ao silêncio da administração89 um efeito positivo.

O estudo do silêncio administrativo e de seus efeitos na esfera de direito dos administrados, apesar de incipiente na doutrina nacional, não é recente. Celso Antônio Bandeira de Mello assevera:

[...] nos casos em que a lei atribui dado efeito ao silêncio, o problema já está de per si resolvido. Com efeito, se o efeito legal previsto era concessivo, o administrado está atendido; se era denegatório, poderá demandar judicialmente que a Administração se pronuncie, se o ato omitido era de conteúdo discricionário, pois faz jus a uma decisão

motivada; se, pelo contrário, o ato era de conteúdo vinculado e o

administrado fazia jus a ele, demandará que o juiz supra a omissão administrativa e defira o postulado.

Nos casos em que a lei nada dispõe, as soluções seguem, mutatis

mutandis, equivalente diapasão.90

No caso de concessão de serviços públicos, nem a Lei nº 8.987/95 tampouco a Lei Nacional de Saneamento Básico conferem qualquer efeito ao silêncio administrativo quanto à homologação do reajuste. Isso, contudo, não impede nem torna inválida qualquer disposição contratual que discipline a questão.

Como destaca Egon Bockmann Moreira,

Desde que expressamente previstos todos os itens de sua composição e modo de incidência, a homologação do reajuste é ato

vinculado da Administração: não lhe resta qualquer

discricionariedade para deferir (ou não) a manutenção do valor da tarifa. [...]

Daí por que são válidas previsões contratuais de homologação automática do reajuste caso a Administração quede silente – a prestigiar a segurança jurídica.91

O reajuste, como visto, não configura aumento nem redução das tarifas, apenas a manutenção do seu valor real, de forma que considerar homologado o cálculo quando a administração se silencia não ofende qualquer direito do usuário, pois estando previsto o índice de reajuste ou a fórmula paramétrica, poderão saber, de antemão, qual o reajuste a ser aplicado.

89 Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, “se a Administração não se pronuncia quando deve fazê-lo, seja porque foi provocada por administrado que postula interesse próprio, seja porque um órgão tem de pronunciar- se para fins de controle de ato de outro órgão, está-se perante o silêncio administrativo.” Curso de direito administrativo. 29. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 417.

90 Op. cit., p. 420.

91 Direito das concessões de serviço público: inteligência da Lei 8.987/1995 (Parte Geral). São Paulo: Malheiros, 2010. p. 357-358.

Também não há que se falar em ofensa às prerrogativas do poder público quanto ao controle das tarifas. O contrato deve prever prazo para a prática do ato de homologação do reajuste e a aprovação tácita pelo silêncio não exclui o controle administrativo e judicial dos valores reajustados.

Exatamente em virtude da necessária observância dos princípios da supremacia do interesse público sobre o privado e da indisponibilidade do interesse público que o administrador possui o dever de se manifestar a respeito do reajuste, pois com essa atitude estará preservando a adequada prestação dos serviços públicos bem como o direito constitucional do particular de manutenção do equilíbrio econômico-financeiro.

Compartilhamos do entendimento de Alexandre Santos de Aragão, para quem a aplicação automática do reajuste em caso de silêncio da administração consiste “em ponderação razoável entre os princípios constitucionais envolvidos (prerrogativas do poder concedente versus segurança jurídica)”.92 No mesmo sentido, Rafael Wallbach Schwind:

Parece mais correto, portanto, o entendimento pela viabilidade da aplicação automática do reajuste tarifário. Trata-se de mecanismo destinado apenas a facilitar e agilizar o procedimento de aplicação dos reajustes. Ademais, não se retira da Administração o poder de controle sobre as tarifas. O poder concedente pode a qualquer momento entender pela necessidade de redução das tarifas. Tratar- se-á, entretanto, de uma revisão tarifária, que deve ser realizada mediante procedimento específico e obrigatoriamente será compensada por mecanismos destinados a observar a equação econômico-financeira da avença93.

Imprescindível, portanto, que o contrato de concessão dos serviços públicos de abastecimento de água e esgotamento sanitário preveja, expressamente, que o silêncio administrativo quanto à homologação do reajuste ensejará sua aplicação automática, da forma como apresentado pelo concessionário. Qualquer disposição contrária a essa nos parece ofensiva aos princípios do regime jurídico- administrativo.

Se a minuta do edital e do contrato e as normas de regulação nada dispuserem a respeito, os interessados, ainda durante o processo administrativo, devem formular

92 Direito dos serviços públicos. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 601.

93 Remuneração do concessionário: concessões comuns e parcerias público-privadas. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 137.

questionamento ao poder concedente, a fim de que disposição específica seja inserida ou, ao menos, seja externado o entendimento a respeito do tema.

Caso o contrato já esteja em execução e não discipline a questão, deve ser procedida à sua alteração, por meio de termo aditivo, cumprindo-se, assim, as disposições legais aplicáveis e evitando-se incertezas indesejadas e que podem afetar o equilíbrio econômico-financeiro do contrato.

Uma vez homologado o reajuste e adotadas pelas partes todas as demais medidas previstas em contrato, os usuários do serviço devem ser informados quanto ao novo valor da tarifa com uma antecedência mínima de 30 dias à data de entrada sua entrada em vigor, nos termos do art. 39 da Lei Nacional de Saneamento Básico94 e do art. 49 do decreto que a regulamenta.95

É dever da entidade reguladora estabelecer a forma com que se dará essa publicidade, sendo certo que a lei não exige que haja uma publicação formal na imprensa oficial ou em diário de grande circulação, podendo o novo valor da tarifa ser informado aos usuários, por exemplo, em comunicado na própria fatura mensal da prestação dos serviços, sem prejuízo da adoção de outras medidas e da publicidade de todo o processo administrativo, que deve estar à disposição dos usuários para consulta e cópia na entidade reguladora.96

A publicidade dos reajustes é medida fundamental para conferir legalidade aos reajustes e assegurar os direitos dos usuários do serviço de água e esgoto, que são os destinatários da prestação e que sofrerão os impactos diretos da elevação do

94 Art. 39. As tarifas serão fixadas de forma clara e objetiva, devendo os reajustes e as revisões serem tornados públicos com antecedência mínima de 30 (trinta) dias com relação à sua aplicação.

95 Art. 49. As tarifas e outros preços públicos serão fixados de forma clara e objetiva, devendo os reajustes e as revisões ser tornados públicos com antecedência mínima de trinta dias com relação à sua aplicação.

96 A Lei Nacional de Saneamento Básico, nos arts. 26 e 27, garante aos usuários do serviço o acesso a todo e qualquer documento pertinente à prestação e fiscalização dos serviços:

Art. 26. Deverá ser assegurado publicidade aos relatórios, estudos, decisões e instrumentos equivalentes que se refiram à regulação ou à fiscalização dos serviços, bem como aos direitos e deveres dos usuários e prestadores, a eles podendo ter acesso qualquer do povo, independentemente da existência de interesse direto.

§ 1o Excluem-se do disposto no caput deste artigo os documentos considerados sigilosos em razão de interesse público relevante, mediante prévia e motivada decisão.

§ 2o A publicidade a que se refere o caput deste artigo deverá se efetivar, preferencialmente, por meio de sítio mantido na rede mundial de computadores - internet.

Art. 27. É assegurado aos usuários de serviços públicos de saneamento básico, na forma das normas legais, regulamentares e contratuais:

I - amplo acesso a informações sobre os serviços prestados;

II - prévio conhecimento dos seus direitos e deveres e das penalidades a que podem estar sujeitos;

III - acesso a manual de prestação do serviço e de atendimento ao usuário, elaborado pelo prestador e aprovado pela respectiva entidade de regulação;

valor da tarifa e que, por essas razões, não podem ser surpreendidos com alterações tarifárias.

Por não configurar alteração contratual, o reajuste de tarifa não deve ser tratado em termo aditivo, bastando a publicação dos novos valores de tarifa com a antecedência prevista em lei para que ele seja aplicado e produza seus regulares efeitos.

O procedimento para aplicação de reajuste é simples e célere, contudo, deve estar bem disciplinado no contrato, a fim de que tanto o poder concedente quanto o concessionário saibam, exatamente, quais as medidas que devem adotar e os prazos a serem cumpridos, podendo, assim, exigir um do outro o cumprimento das obrigações recíprocas, visando, sempre, a prestação adequada dos serviços aos usuários.

4. A REVISÃO DOS CONTRATOS DE CONCESSÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS