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2. ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO, ACESSO À JUSTIÇA E MEDIAÇÃO

2.3. DIREITO FUNDAMENTAL DE ACESSO À JUSTIÇA

2.3.2. Eficiência e Justiça

Primeiramente, é preciso diferenciar eficiência, que, de forma genérica (pois admite diversas interpretações), diz respeito à capacidade de obtenção de melhores resultados com o menor custo possível, e eficácia, que se refere à capacidade de

248 Efetivamente, a heterodisciplina pode constituir um forte incentivo à celeridade nas negociações, na celebração de contratos (acordos) e no cumprimento das obrigações contratuais. Cf. ARAÚJO, Fernando. Teoria Económica do Contrato... pp. 114, 116.

249 CZELUSNIAK, Vivian Amaro; RIBEIRO, Marcia Carla Pereira. “O Papel do Direito nas Políticas Públicas para a Inovação”. In: ARAÚJO, Fernando; RIBEIRO, Marcia Carla Pereira (Coord.). Em busca dos caminhos jurídicos e econômicos para a superação da crise. Curitiba: PUCPRess, 2016. pp. 82, 89, 102/103.

250 FERREIRA, João Bosco Dutra. Análise Econômica do Direito, Mediação... p. 971.

251 Neste sentido, o Regulamento (UE) nº 1382/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho da União Europeia, de 17 de dezembro de 2013, criou o Programa Justiça para o período de 2014 a 2020, referindo expressamente que, no desenvolvimento de um espaço europeu de justiça, deverá ser assegurado o respeito aos direitos fundamentais e aos princípios comuns da não discriminação, igualdade de género e acesso efetivo de todos à justiça, com um sistema judiciário independente e eficiente. Para tanto, considera que o acesso à justiça inclua não apenas o acesso aos tribunais, mas também a métodos alternativos de resolução de litígios, sendo os mediadores (assim como advogados, notários, dentre outros) agentes de justiça. Cf. Regulamento (UE) nº 1382/2013, itens 1, 4 e 8. Através deste Programa Justiça, a Comissão cofinancia vários projetos de promoção da mediação e formação de mediadores. Cf. Comissão Europeia. Relatório COM/2016/0542 final... pp. 3, 7, 11.

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definição e cumprimento de metas pré-estabelecidas.252 Efetividade, por sua vez, pode ser definida como a capacidade de se produzir um impacto ou efeito.253

Paula Vaz Freire explica que o ponto ótimo da eficiência econômica é atingido através da minimização de ineficiências, como, por exemplo, custos de transação (que veremos adiante), implicando uma análise entre meios utilizados e fins almejados, tendo como um de seus principais componentes a maximização de bem-estar e de utilidade. Assim, uma situação será mais eficiente à medida em que estiver associada a um valor maior.254

Segundo os critérios de Pareto (eficiência de Pareto ou eficiência alocativa), só são consideradas Pareto eficiente (e, portanto, recomendáveis) situações em que não seja possível ao menos uma das partes, na opinião dela própria (critério subjetivo) melhorar sua situação sem que outra pessoa fique em uma situação pior (também na opinião da própria).255 Este exato momento de equilíbrio é o chamado ponto Ótimo de Pareto.256 Por outro lado, uma melhoria potencial de Pareto (eficiência de Kaldor- Hicks) consiste em uma análise custo-benefício, permitindo que haja ganhadores e perdedores desde que o benefício (ganho) dos ganhadores seja maior que o custo (perda) dos perdedores, com possibilidade, ainda que em abstrato, de indenização dos perdedores pelos ganhadores.257

Tanto um critério quanto outro ajudam a analisar a eficácia e a justiça das decisões que venham a ser tomadas. No entanto, a eficiência de Kaldor-Hicks assume um cenário isento de custos de transação e de comportamentos estratégicos,

252 FREIRE, Maria Paula dos Reis Vaz. Eficiência Económica... pp. 773/774. Para um estudo aprofundado acerca do conceito de eficiência, suas implicações normativas e avaliação de eficiência social, ver, da mesma autora e obra, pp. 771/821, 855/886

253 BITTENCOURT, Mauricio Vaz Lobo. “Princípio da Eficiência”. In: RIBEIRO, Marcia Carla Pereira; KLEIN, Vinicius. (Coord.). O que é Análise Econômica do Direito – Uma Introdução. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2011. p. 30.

254 FREIRE, Maria Paula dos Reis Vaz. Eficiência Económica... pp. 769/772, 780, 917. 255 COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito e economia... pp. 38, 64/65.

256 DOMINGUES, Victor Hugo. “Ótimo de Pareto”. In: RIBEIRO, Marcia Carla Pereira; KLEIN, Vinicius. (Coord.). O que é Análise Econômica do Direito – Uma Introdução. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2011. pp. 40/41.

257 COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito e economia... pp. 64/65. Ou seja, o critério, de Kaldor-

Hicks parte da premissa de que as normas devem ter como objetivo gerar o máximo (ou maior

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requerendo seja gerado um excedente suficiente a compensar as perdas sofridas.258 Já o critério de Pareto trata da eficiência em uma dimensão individual (utilidade dos indivíduos), sem considerar questões distributivas ou igualitárias.259

As escolhas individuais ou coletivas consideradas por Pareto estão despidas de qualquer juízo de valor – como bom ou ruim, certo ou errado, justo ou injusto – e partem da premissa básica de que, sendo os agentes econômicos racionais, eles adotarão uma alternativa de Melhoria de Pareto (ou seja, melhorar sua situação sem prejudicar a de outrem) se tiverem esta oportunidade.260

Ou seja, uma situação de máxima eficiência é uma situação Pareto-Eficiente, critério que nada revela quanto à justiça do resultado. Assim como um mercado, uma solução será eficiente (justa ou não) quando permitir a maximização do bem-estar total através de jogos de soma positiva.261 Além de ser o critério mais comumente utilizado, ele trata a eficiência de forma mais próxima à realidade das partes, com custos de transação e comportamentos estratégicos, pelo que o adotaremos no presente trabalho.

A eficiência de Pareto exige que o direito, tanto quanto possível, auxilie as partes a atingirem seus objetivos. Portanto, sempre que uma mudança legislativa vier a deixar alguém em uma situação melhor sem deixar outrem em situação pior, a lei deve ser alterada por exigência da eficiência de Pareto, tornando-se uma Lei Pareto- eficiente.262

Segundo Fernando Araújo, a ciência econômica – cuja orientação é libertária, de combate ao paternalismo – é arrogante em presumir que os julgadores estariam imunes a limitações e insuficiências quando, em verdade, são os com maior desvantagem informativa e maiores dificuldades em verificar o valor de bem-estar gerado no contrato, diferentemente do que é possível às próprias partes. Além disso,

258 FREIRE, Maria Paula dos Reis Vaz. Eficiência Económica... p. 786. 259 BITTENCOURT, Mauricio Vaz Lobo. Princípio da Eficiência... p. 35. 260 DOMINGUES, Victor Hugo. Ótimo de Pareto... pp. 41/42.

261 ARAÚJO, Fernando. Introdução à Economia... pp. 228, 235.

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há um número elevado de erros judiciais, pelo que, por vezes, as partes podem contar com essa margem de falibilidade, incorporando-a em sua estratégia de atuação frente à contraparte.263

A cultura paternalista e litigante sobrecarrega o Poder Judiciário, repercutindo no seu congestionamento e gerando ineficiência, razão pela qual a desjudicialização, associada à desburocratização e à conscientização responsável promovida pela mediação, repercute positivamente na desoneração do sistema judicial, liberando-o daqueles processos em que é prescindível a intervenção estatal. Assim, será possível ao Judiciário retomar sua eficiência e confiança social e cumprir seu papel de ultima ratio, intervindo nos casos em que seja realmente necessário.264

Os meios autocompositivos como a mediação tendem a ser uma opção mais eficiente na resolução de conflitos que as vias contenciosas, pois permitem (1) maior celeridade, (2) menos custos, (3) obtenção de uma solução mais eficaz e efetiva para o conflito – pelo fato de ter sido quista e moldada pelas próprias partes conforme seus interesses – e (4) melhor preservação da continuidade da relação das partes.265266

263 Assim, os argumentos favoráveis ao paternalismo não hão de ser argumentos econômicos. Cf. ARAÚJO, Fernando. Teoria Económica do Contrato... pp. 435/436, 569.

264 Quanto ao papel de ultima ratio: ASPERTI, Maria Cecília de Araujo. A Mediação... p. 78.

265 BARROCAS, Manuel Pereira. Manual de Arbitragem... pp. 65/66. Também neste sentido: Comissão Europeia. Relatório COM/2016/0542 final... pp. 04/05. Considerando que a eficiência exige a maximização da soma dos retornos para ambas as partes e que a cooperação é produtiva, conclui-se que a cooperação é a opção mais eficiente, pois permite a criação e divisão de um excedente cooperativo entre as partes. Cf. COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito e economia... pp. 102, 210/211.

266 Além destes, também a confidencialidade é um fator importante no momento da escolha, que passa a ser cada vez mais adotada por celebridades. Exemplos são Tom Cruise, nos divórcios realizados com Mimi Rogers, Nicole Kidman e Katie Holmes (Cf. Mediation.com. Why Celebrities Choose Divorce Mediation. Maio, 2013. Disponível em: <http://www.mediation.com/articles/why- celebrities-choose-divorce-mediation.aspx>), e Trace Adkins (Cf. BROWN, Laurel. Trace Adkins settles divorce with estranged wife Rhonda through private mediation after fight over $20m

fortune”. Junho, 2015. Disponível em: <http://www.dailymail.co.uk/tvshowbiz/article-

3128520/Trace-Adkins-settles-divorce-estranged-wife-Rhonda-private-mediation-fight-20m- fortune.html>), que escolheram a mediação familiar. Já Brad Pitt escolheu o sistema de “Rent-a- Judge” para o divórcio com Jennifer Aniston (Cf. NPR News. Private Judge Handles Aniston-

Pitt Divorce. Agosto, 2005. Disponível em:

<https://www.npr.org/templates/story/story.php?storyId=4812658>) e recentemente com Angelina Jolie (Cf. The Guardian. Angelina Jolie and Brad Pitt agree to settle divorce in private. Janeiro, 2017. Disponível em <https://www.theguardian.com/lifeandstyle/2017/jan/10/angelina-jolie-and- brad-pitt-agree-to-settle-divorce-in-private>).

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A mediação será vantajosa na medida em que o mediador for habilidoso em auxiliar as partes a resolver conflitos que elas sozinhas não conseguiriam ou, ainda que conseguissem, não o fariam de forma tão eficiente e com redução dos custos de transação.267

Como referido, a possibilidade de recorrer ao Judiciário permanece como um remédio jurídico ao descumprimento e, ao mesmo tempo, num incentivo ao cumprimento (enforcement), gerando, além de uma dissuasão do oportunismo, uma cooperação eficiente de ambas as partes: uma investindo no cumprimento e outra, confiando neste cumprimento.268 No entanto, o excesso de intervenção judicial pode gerar insegurança e instabilidade jurídica, acarretando mais custos de transação às partes para que negociem e façam cumprir seus contratos.269

Um dos postulados básicos da análise econômica centra-se na ideia de que a intervenção do Estado em uma economia de mercado deve se justificar em termos de eficiência, pois pode implicar em custos que excedam os benefícios.270 As interferências estatais comumente conduzem a um resultado em termos de trade-off entre justiça e eficiência, conseguindo-se justiça às custas da eficiência no caso concreto ou em abstrato. Dito de outra forma, parece que no âmbito estatal só é possível uma justiça parcial às custas de uma injustiça parcial, o que passa ao largo do critério paretiano e conduz o paternalismo a uma outra forma de ineficiência: o agravamento dos custos de transação.271

Com efeito, quando os custos de transação são demasiadamente altos, a justiça é ineficiente. Na prática, não raro o custo da solução judicial acaba sendo maior que o problema em si, razão pela qual os cidadãos deixam de resolver seus conflitos, o que representa verdadeira denegação da justiça.

267 MNOOKIN, Robert H. Alternative Dispute Resolution... p. 58.

268 COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito e economia... pp. 247/249. No mesmo sentido: ARAÚJO, Fernando. Teoria Económica do Contrato... p. 566.

269 TIMM, Luciano Benetti. Função Social do Direito Contratual... p. 3738. 270 ARAÚJO, Fernando. Introdução à Economia... pp. 69/70.

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A visão internalista da economia, indiferente ao conteúdo das obrigações assumidas (basta a constatação de consentimento), se opõe à visão externalista (teleologista) estatal, mais preocupada em apurar o conteúdo dos contratos suas implicações em termos de eficiência ou justiça a pretexto de retificar desequilíbrios contratuais e ineficiências de mercado.272

Assim, a Análise Econômica do Direito não tem como objetivo uma discussão filosófica entre os ideais de justiça e a busca por eficiência, mas uma análise descritivo-explicativa da realidade, fornecendo ferramentas úteis para verificar (e criticar) a relação e a adequação entre meios jurídicos e fins normativos. Portanto, não se trata de buscar igualar eficiência e justiça, mas em perceber como a busca por justiça pode se beneficiar com a busca por eficiência, analisando vantagens e desvantagens, custos e benefícios.273

A racionalização econômica opera-se desde a escolha de normas jurídicas adequadas à compatibilização entre os valores de justiça e de eficiência, que forneçam segurança sem tolher a liberdade de escolhas individuais e tutelem legítimas expectativas.274 Neste contexto, a análise econômica sustenta que as partes podem alcançar uma solução eficiente independentemente da regra jurídica, pois nem sempre a solução juridicamente mais justa será a mais eficiente.

Quando as partes seguem a lei de forma não cooperativa, a alocação jurídica de direitos pode afetar a eficiência, mas, quando as partes celebram um acordo cooperativo buscando a maximização de lucros para ambas, a alocação jurídica de direitos (a regra jurídica aplicável) não faz diferença, pois a cooperação se sobrepõe (inclusive em eficiência). Portanto, se as partes não cooperam, uma lei pode ser mais eficiente que a outra, mas, se as partes cooperam e conseguem negociar com sucesso, a lei não faz diferença em termos de eficiência, pois esta é atingida diretamente pelas partes, independentemente da regra de direito.275

272 ARAÚJO, Fernando. Teoria Económica do Contrato... pp. 438/439.

273 SALAMA, Bruno Meyerhof (2012), “A história do declínio e queda do eficientismo na obra de Richard Posner”, RIDB, 1/1, 435-483. pp. 477/480.

274 ARAÚJO, Fernando. Introdução à Economia... p. 25.

275 Neste sentido, exemplo trazido por Robert Cooter e Thomas Ulen entre um agricultor e um pecuarista em litígio. Cf. COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito e economia... pp. 99/101.

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Paula Costa e Silva defende ser utópico negar a interligação entre um acordo e as normas legais, ou seja, uma ruptura entre a mediação e o sistema jurídico (cujas soluções são estruturadas sobre tipos sociais), pois tal significaria que as partes não tivessem como objetivo buscar uma solução justa para ambas, conscientes dos seus direitos, limites e concessões. Afinal, a lei e a justiça estão intimamente ligadas, pelo que um acordo de mediação deve ser justo e equitativo, portanto, de acordo com as regras legais.276

De fato, o contrato decorre de incentivos mútuos entre as partes através da visualização recíproca das vantagens (ganhos) que terão com a contratação, assentando-se na confiança quanto à intenção revelada pela contraparte e na probabilidade de cumprimento contratual. Isso não significa, todavia, uma garantia de justiça nas transações, no sentido de uma justiça prima facie representativa de equilíbrio na repartição entre elas do bem-estar total. Mas, se a eficiência é o resultado justo das opções livres – vez que representa a maximização dos resultados desejados –, é legítimo concluir que a eficiência é uma forma de justiça, conforme assinala Fernando Araújo, posição que adotamos.277

Desta forma, compreendemos que as partes não precisam recorrer a um litígio judicial (que tem custos inquestionavelmente elevados) e a regras de direito, podendo elas próprias transacionar, chegando a um acordo cuidadosamente elaborado que, independentemente das regras jurídicas, seja considerado justo por elas próprias e eficiente do ponto de vista econômico, poupando-lhes recursos.278

276 Paula Costa e Silva refere que os meios extrajudiciais não visam proporcionar uma alternativa à

justiça e sim meios de obtenção de uma solução que se quer justa. Nesta linha, a autora refere

que a escolha do técnico a conduzir a mediação é crucial e que um jurista mediador, por conhecer o ordenamento jurídico, seria quem, com maior facilidade poderia definir, do ponto de vista do sistema, quais os fatos e circunstâncias relevantes e qual a solução justa. Cf. SILVA, Paula Costa e. A Nova Face da Justiça... pp. 35, 132.

277 ARAÚJO, Fernando. Uma análise económica dos contratos... pp. 100/101, 104; e ARAÚJO, Fernando. Teoria Económica do Contrato... pp. 31, 439. Em termos quantitativos, o bem-estar total é a soma positiva resultante das trocas, o benefício conjunto das partes com a maximização de resultados e o aumento do total de satisfação cumulativa, ainda que este não seja equilibrado (igualitário). ARAÚJO, Fernando. Introdução à Economia... p. 228.

278 Neste sentido, Robert Cooter e Thomas Ulen referem ainda que, segundo uma análise da eficiência do litígio, um contrato eficiente pode representar aumento de lucro quando feito através de uma transação amistosa. Cf. COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito e economia... pp. 26/27.

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Araújo faz importante ressalva no sentido de que nem sempre a eficiência será a medida de comparação, sobretudo quando se tomam em consideração fragilidades da mediação, como, por exemplo, necessidade de retificação judicial, distorções de informação ou uso de estratégias de lance único ou de endgame.279

Neste diapasão, o autor refere que a compatibilização entre eficiência e justiça é limitada pela escassez e que o uso eficiente de recursos é o que resulta na produção de bens e serviços mais apreciados pelo maior número de pessoas, de modo que um aumento na quantidade de meios representa uma otimização das finalidades. Afinal, a distribuição justa de um resultado ineficiente não satisfaz a ninguém, o que pode torná-la injusta, como é o caso de uma sentença justa, mas tardia. A satisfação das necessidades pessoais demonstra o sucesso da vida em sociedade, sendo designada de eficiência a consumação de regras de jogo de integração social cujo desenvolvimento livre é uma forma de justiça procedimental, capaz de legitimar como justos os resultados que dela advêm.280

Felizmente, a escassez não nos tem obrigado a escolher entre objetivos de justiça e de eficiência, sendo possível obter ambos através dos meios extrajudiciais, em especial da mediação, como forma ao mesmo tempo eficiente e justa de solução de conflitos sociais. Com efeito, a mediação propicia às partes de um contrato pontual algumas vantagens de um contrato relacional, oferecendo, através da autocomposição, em uma bilateralidade da planificação relacional, a possibilidade de manutenção das relações e formação de uma série de soluções intermediárias, mais dúcteis e criativas que as que resultariam da via judiciária.281

279 Ademais, a escassez condiciona conflitos como a tensão entre os valores de eficiência e justiça, inclusive no que diz com orientações políticas, vez que dar prioridade à eficiência representa valorizar a capacidade de obtenção de rendimento (ou seja, o emprego de meios é avaliado no sentido de otimizar recursos na busca pela maximização de valores e de satisfação) enquanto priorizar a justiça significa preocupar-se com a forma de distribuição de rendimento (ou seja, verificação de igualdade das repartições intersubjetivas). Cf. ARAÚJO, Fernando. Teoria Económica do Contrato... p. 56; e ARAÚJO, Fernando. Introdução à Economia... p. 38. 280 ARAÚJO, Fernando. Introdução à Economia... p. 38.

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O mediador irá explorar as possibilidades de ganho mútuo às partes mediante a cooperação entre elas. Assim, sua presença é promotora de eficiência, pois auxilia as partes a cooperarem, sendo a cooperação eficiente. Seu papel é justamente o de reduzir os custos de transação, possibilitando a negociação entre as partes, o que será feito sobretudo através da racionalização do conflito e da redução da assimetria informativa. Ainda que a clarificação dos direitos de cada uma das partes decorra de orientação jurídica por parte do seu advogado, o mediador é quem pode fazer as partes enxergarem, através da análise do custo-benefício, a vantagem relacional na partilha de riscos e ajustamento de deveres a fim de preservarem uma relação continuada.282

A própria teoria do contrato, ao ponderar fatores de eficiência, exige uma análise custo-benefício comparativa da via judiciária e dos meios alternativos de resolução de conflitos. Neste contexto, as formas de tutela convencional (como a mediação) ganham do Poder Judiciário em termos de simplificação processual (ou procedimental), de conhecimentos especializados (sobretudo pela possibilidade de escolha do mediador), de aplicação de sanções não-jurídicas e mecanismos de normais sociais e de preservação da reputação (individual, institucional ou empresarial) das partes envolvidas.283

É preciso, entretanto, considerar o instituto da mediação com realismo, sem contaminá-lo com excessivo otimismo, tratando-o como uma panaceia, remédio milagroso e absoluto para todos os males.284

282 Vale fazer uma analogia à lição de Robert Cooter e Thomas Ulen de que o fabricante de determinado produto necessita da ajuda de advogados na obtenção de informações a respeito das regras e sanções previstas pela legislação para, com base nelas, poderem estimar o preço implícito de acidentes pelo uso de seus produtos. Cf. COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito e economia... pp. 25, 211.

283 Miguel Patrício observa que a reputação da parte envolvida muitas vezes é decisiva e pode conduzir fortemente à realização de um acordo. Cf. PATRÍCIO, Miguel Carlos Teixeira. Análise Económica da Litigância... p. 89.

284 Neste sentido: ANDRADE, Gustavo Henrique Baptista. A mediação e os meios alternativos... p. 5112; e PAUMGARTTEN, Michele Pedrosa; PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. “A institucionalização da mediação é a panacea para a crise do acesso à justiça?”. In: COUTO,

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