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2. ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO, ACESSO À JUSTIÇA E MEDIAÇÃO

2.3. DIREITO FUNDAMENTAL DE ACESSO À JUSTIÇA

2.3.1. Justiça Multiportas

2.3.1.1. Métodos Alternativos de Resolução de Conflitos

Dentre vários modelos conciliativos, é possível referir, p.ex., a “composição amigável” (amiable composition), prevista na legislação portuguesa para a arbitragem voluntária, caso em que o árbitro, tendo recebido das partes a função de amiable compositeur, decidirá o litígio de forma vinculativa, com base no equilíbrio dos interesses em jogo (art. 39 da Lei nº 63/2011).211

A Itália, por sua vez, é um dos poucos países que tem formalmente a figura da “negociação assistida por advogados” (negoziazione assistita dagli avvocati), em que um advogado comum ou os advogados de ambas as partes devem estar de acordo com os termos do acordo e seguir determinados requisitos.212

Outro exemplo é a “constelação familiar”, muito em voga no Brasil, que trata do direito sistêmico (abordagem sistêmica), buscando a causa do problema e a identificação do ciclo de repetição (inclusive de demandas judiciais).213 O chamado “family systems approach” analisa a família em termos de necessidades e serviços funcionais, podendo implicar a compreensão de que todos os membros da família são responsáveis pelas suas deficiências.214

211 VICENTE, Dário Moura. A Directiva sobre a Mediação... p. 101.

212 A negociação assistida é regulamentada pelo Decreto-Lei nº 132/2014 e refere-se a uma convenção entre as partes de cooperar em boa-fé e com lealdade para a resolução amigável do litígio através da assistência de um advogado. Para maior aprofundamento, ver: Osservatori sulla Giustizia Civile. La Negoziazione Assistita Vademecum. Disponível em: <http://milanosservatorio.it/wp-content/uploads/2017/03/vademecum-neg-06.02.-8.3.-2017- 003.pdf>.

213 Nesta linha: SCHMIDT, Cândice C.; NYS, Cristiane Pan; PASSOS, Lizandra dos. Justiça Sistêmica: um novo olhar do Judiciário sobre as Dinâmicas Familiares e a Resolução de

Conflitos. Disponível em:

<https://www.tjrs.jus.br/export/poder_judiciario/tribunal_de_justica/centro_de_estudos/horizontes/ constelacoes_familiares_artigo.pdf>; e Conselho Nacional de Justiça (CNJ). "Constelação Familiar" ajuda a humanizar práticas de conciliação no Judiciário. Outubro, 2016. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/83766-constelacao-familiar-ajuda-humanizar-praticas-de- conciliacao-no-judiciario-2>.

214 ROBERTS, Marian. Mediation in Family Disputes: Principles of Practice. 3.ed. Hampshire: Ashgate, 2008. p. 215. Para uma leitura mais aprofundada do tema, ver: REGINA, Wayne F. Applying Family Systems Theory to Mediation – A Practitioner’s Guide. Lanham: University Press of America, 2011.

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Os meios de resolução de conflitos podem ser classificados a partir de três critérios: (1) voluntário ou obrigatório; (2) adjudicatório ou consensual; e (3) centrado nos direitos ou nos interesses das partes.

Quanto ao primeiro tópico, o meio judicial de resolução de litígios, quando ativado por uma das partes, torna-se obrigatório, enquanto os meios alternativos são, por regra, voluntários – ainda que alguns possam ser obrigatórios em determinados casos.215 Várias formas de mediação já estão incorporadas em sistemas formais de adjudicação, tanto do sistema de Civil Law como de Common Law, decorrendo da vontade das partes ou de imposição legal.216217 Em países como Argentina e Estados Unidos da América, a mediação judicial tem um caráter de obrigatoriedade prévia.218

Importante ressaltar que a mediação obrigatória não afronta o princípio da autonomia das partes, visto que a obrigatoriedade não é de se se submeter à mediação propriamente dita, mas de comparecimento das partes a uma sessão informativa (explicativa) a fim de tomar ciência do que se trata e, então, decidir livre e voluntariamente sobre o interesse e/ou possibilidade de participação.219

Curiosamente, a Itália, que prevê casos de mediação obrigatória (prevista por lei, por determinação judicial ou por cláusula contratual entre as partes), assiste a uma

215 Exemplo controverso é o da mediação obrigatória, como ocorre em alguns países como Alemanha, Itália e Moçambique. Cf. GOUVEIA, Mariana França. Curso de Resolução Alternativa de Litígios... pp. 18/19, 62.

216 MNOOKIN, Robert H. Alternative Dispute Resolution... p. 59. A mediação, desde 1970, tem tido grande aplicação nos sistemas de Common Law, em especial Estados Unidos da América e Inglaterra. Cf. VICENTE, Dário Moura. A Directiva sobre a Mediação... p. 102.

217 A título de curiosidade, mencionamos o Protocolo de Cooperação Interinstitucional nº 002/2014 (para difusão da Justiça Restaurativa) e a Resolução nº 2002/2012 da ONU (que traz princípios básicos para utilização de programas de Justiça Restaurativa em matéria criminal).

218 Nestes casos, a mediação é realizada logo a seguir da propositura da ação judicial, competindo ao juiz indicar o mediador. Cf. FREITAS JÚNIOR, Horival Marques de (2016), “Breves Apontamentos Sobre a Mediação no Direito de Família”, RJLB, 2/1, 185-228. p. 217. No caso argentino, por exemplo, as partes ficarão isentas deste procedimento quando provarem que, antes do ajuizamento da ação, existiu mediação privada perante os mediadores credenciados ao Ministério da Justiça e, também, quando se tratar de causas envolvendo matérias penais, separação, divórcio, filiação, dentre outras. Cf. FAGUNDES CUNHA, J.S. (2015), “Da Conciliação, da Mediação e da Arbitragem endoprocessual e o Novo Código de Processo Civil”, RJLB, 1/2, 1095-1129. p. 1108.

219 Em Portugal, p.ex., em atenção ao princípio da voluntariedade, refere a necessidade de haver um consentimento informado e esclarecido sobre a mediação para a realização da mesma, não sendo considerada violação ao dever de cooperação a recusa em iniciar ou prosseguir o procedimento (art. 4º, nº 1 e 3 da LMP).

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divergência interpretativa por parte da jurisprudência no que diz com a exigência de uma efetiva tentativa de mediação: de um lado, julgadores que entendem ser suficiente a manifestação de vontade acerca do interesse de participação; de outro, julgadores que entendem que, havendo possibilidade, a mediação deveria ser ao menos iniciada (superando o primeiro encontro).220

Na relação entre eficiência e qualidade, o Banco Mundial, desde 2016, passou a analisar a qualidade do Judiciário e da estrutura judicial de um país com base em indicadores de eficiência como, por exemplo, o fato de disponibilizar mediação voluntária.221 Com efeito, no último relatório apresentado, países como Vietnam aumentaram o nível de qualidade judicial através da redução de custos e complexidade regulatória e/ou reforço das instituições judiciárias, gerando uma facilitação do cumprimento contratual com a expansão do quadro de métodos alternativos de resolução de conflitos, dentre os quais a mediação voluntária.222

220 UZQUEDA, Ana. “La composizione delle liti mediante l’intervento di un terzo. Il ruolo del difensore in mediazione”. In: GIANNITI, Pasquale (Org.). Processo civile e soluzioni alternative delle liti - Verso un sistema di giustizia integrato. Ariccia: Aracne Editrice, 2016. p. 457. Dentre as propostas da Commissione ALPA (da qual trataremos adiante) de alteração do texto do Decreto Legislativo nº 28/2010, estão: (1) incluir a efetiva tentativa de mediação como condição de admissibilidade da ação em primeiro grau de jurisdição ou de recurso (principal ou incidental); (2) eliminar a necessidade de manifestação sobre o interesse (possibilidade) das partes em submeter- se ao mesmo, iniciando diretamente o procedimento; (3) incluir às partes o dever de comportamento com boa-fé, lealdade e espírito de cooperação. Cf. Ministero della Giustizia. Proposte Normative e Note Illustrative. 2017. Disponível em: <https://www.mondoadr.it/wp- content/uploads/TESTO-FINALE-Commissione-ALPA-Aggiornato.pdf.pdf>. pp. 79, 85/86.

221 The World Bank. Doing Business 2015 – Going Beyond Efficiency. Washington DC: World Bank Group, 2014. p. 30. Para outros dados estatísticos atinentes à qualidade e eficiência da justiça, ver: Comissão Europeia Para a Eficiência da Justiça (CEPEJ). European judicial systems – Efficiency and quality of justice. Studies nº 23. Edition 2016 (2014 data). Disponível em: <https://rm.coe.int/european-judicial-systems-efficiency-and-quality-of-justice-cepej-

stud/168079048e>; e Comissão Europeia. Painel de Avaliação da Justiça na UE de 2017. Disponível em: <http://ec.europa.eu/transparency/regdoc/rep/1/2017/PT/COM-2017-167-F1-PT- MAIN-PART-1.PDF>.

222 Dentre os índices criados está o Alternative dispute resolution index, o qual tem seis componentes, dentre os quais 3 atinentes à arbitragem e 3 à mediação voluntária e/ou conciliação, sendo avaliados estes últimos com relação a: (1) serem reconhecidos como uma forma de resolver conflitos comerciais; (2) serem reguladas por consolidada legislação ou capítulo (seção) do CPC abrangendo substancialmente todos os seus aspectos; (3) existência de incentivos financeiros às partes que fazem uma tentativa de mediação ou conciliação – p.ex., nos casos em que dela obtêm um acordo, um reembolso de taxas (custas) judiciais, uma dedução fiscal ou algo semelhante. Quanto maior a disponibilização de mecanismos alternativos de resolução de conflitos, maior os valores associados a este indicador. Cf. The World Bank. Doing Business 2018 – Reforming to Create Jobs. Washington DC: World Bank Group, 2018. pp. 38, 110.

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É evidente que uma justiça célere não é necessariamente uma justiça melhor, sendo imprescindível analisar não apenas a quantidade, mas a qualidade do serviço prestado. Um método de resolução de conflitos não será adequado se apenas possibilitar quantidade sem conferir qualidade.

Assim, a preocupação efetiva com qualidade é requisito indispensável, não podendo ser atropelada por uma busca incessante por celeridade e cumprimento de metas, numa tentativa de resolver o maior número de processos no menor tempo possível sem o necessário período para reflexão e restabelecimento do diálogo entre as partes.223 Até mesmo porque a crise da justiça não é apenas em relação à quantidade de processos ou à morosidade do sistema, mas à qualidade da justiça, vindo os métodos alternativos a proporcionar justamente uma abordagem diferente na busca por uma solução adequada no âmbito da qualidade.224

Quanto ao segundo tópico, em uma escala de intervenção de terceiros, temos que a mediação auxilia as partes a enxergarem uma solução, enquanto a conciliação propõe soluções e a arbitragem impõe soluções (tal qual um juiz impõe sua decisão).225

A mediação, a conciliação e a negociação são por essência métodos facilitadores autocompositivos. “Sem comunicação, não há negociação” é um pressuposto básico comum; no entanto, apesar das semelhanças, há importantes diferenças entre elas.226

223 TAKAHASHI, Bruno (2016), “De novo, os meios consensuais no Novo CPC”, Revista Científica

Virtual da Escola Superior da Advocacia, n. 23, 24-33. p. 32.

224 Segundo a autora, não se trata de fazer o mesmo mais rápido, mas de fazer diferente e, em determinados casos, melhor. Cf. GOUVEIA, Mariana França. Curso de Resolução Alternativa de Litígios... p. 25.

225 Entre mediação e conciliação, há uma diferença de grau, mas não de natureza na intervenção do terceiro. Neste sentido: VICENTE, Dário Moura. A Directiva sobre a Mediação... p. 101; e JARROSSON, Charles (1997), "Les modes alternatifs de règlement des conflits: présentation générale", Revue Internationale de Droit Comparè, v. 49, n. 2, 325-345. p. 330.

226 A conciliação é um procedimento através do qual um terceiro (normalmente com poderes adjudicatórios) tenta fazer com que as partes cheguem a um denominador comum.Ela não se limita a facilitar a comunicação entre as partes e baseia-se mais nos direitos das partes que nos seus interesses subjacentes, não necessariamente sendo conduzida por um mediador treinado. Trata-se normalmente de diligência promovida por um juiz ou árbitro para tentar um acordo que resolva o litígio, sendo que o fato deste terceiro ter um efetivo poder decisório sobre o processo altera a dinâmica de resolução do litígio.Cf. GOUVEIA, Mariana França. Curso de Resolução Alternativa de Litígios... pp. 23, 44, 104/106. A conciliação se direciona aos aspectos práticos

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Quanto à negociação, discute-se sobre ser um meio autônomo de resolução de conflitos ou apenas um componente de quaisquer dos outros meios (conciliação, mediação e arbitragem). Para o presente estudo, concordamos com a posição de Mariana França Gouveia, considerando a negociação como uma forma autonomizada de resolução de conflitos, mas também como elemento integrante dos demais meios.227

Quanto à mediação e à conciliação, em Portugal e no Brasil distinguem-se como institutos diversos, cada qual como um método alternativo de resolução de conflitos. Já na Itália, os termos mediação e conciliação corriqueiramente são utilizados como sinônimos, sendo que, do ponto de vista técnico, a diferença consiste em considerar mediação o processo de negociação e conciliação o produto (acordo) oriundo da mediação.

A arbitragem difere-se bastante dos demais por ser um método heterocompositivo, uma forma de adjudicação extrajudicial.228 Portanto, resta evidente a diferença, sobretudo, entre mediação e arbitragem: enquanto a primeira baseia-se na resolução autônoma (intermediada por um terceiro, o mediador), a segunda assenta numa resolução heterônoma (decidida por um terceiro, o árbitro).229

finalísticos da solução de conflitos, podendo o conciliador dar sugestões às partes (sempre de modo imparcial), pelo que é um método mais apropriado para conflitos episódicos e com menor vínculo entre as partes. Cf. RANZOLIN, Ricardo. Anotações aos artigos... p. 167.

227 GOUVEIA, Mariana França. Curso de Resolução Alternativa de Litígios... pp. 22/23. Na negociação, é desnecessária a intermediação ou decisão de um terceiro, o que faz esse método ser eficiente pelos baixos custos de transação, já que as próprias partes resolvem sua controvérsia. Trata-se de procedimento através do qual uma ou ambas as partes flexibilizam suas exigências e posições para alcançar um compromisso aceitável para ambas, ficando elas com plena responsabilidade em decidir os termos de qualquer resolução. A negociação é sempre voluntária e informal, não havendo procedimentos ou regras pré-definidas e seu objetivo é o de que as partes cheguem a uma resolução mutuamente aceita, a qual pode ser moldada conforme sua própria conveniência, sem necessidade de chegar a um resultado com base em normas legais e sem necessidade de revisão judicial. Ela é tipicamente privada e o acordo dele oriundo pode ser executado como contrato. Neste sentido: TARTUCE, Fernanda. Opção por Mediação e Conciliação... p. 09; e GOUVEIA, Mariana França. Curso de Resolução Alternativa de Litígios... pp. 41/42; e MNOOKIN, Robert H. Alternative Dispute Resolution... pp. 57/58.

228 TARTUCE, Fernanda. Opção por Mediação e Conciliação... p. 09. 229 SILVA, Paula Costa e. A Nova Face da Justiça... p. 127.

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À partida, a negociação entre as partes (essencial na mediação) leva a melhores resultados que as soluções heteronomamente impostas, como é o caso da arbitragem e da adjudicação convencional (Judiciário).230

A escolha do método mais adequado dentre os facilitadores (autocompositivos) e impositivos (heterocompositivos) leva em consideração algumas questões como objetivo das partes (minimização de custos, celeridade, confidencialidade, manutenção da relação, vingança, criação de precedente etc.), impedimentos ao acordo e os meios de ultrapassá-los (comunicação falha, emoções, compreensão do fato ou do direito em causa, conflitos de agência etc.).231232

Quanto ao terceiro tópico, uma importante distinção entre métodos autocompositivos e heterocompositivos é o fato de os primeiros dizerem respeito à resolução dos interesses em conflito, enquanto os segundos buscam, via de regra, apenas a resolução do litígio.233234

Assim, enquanto na negociação e na mediação a solução baseia-se em interesses, na arbitragem e na via judicial a solução baseia-se em direitos, havendo nestas últimas um aumento do confronto entre as partes, com consequente diminuição da comunicação e do controle sobre o procedimento e seu resultado.235

230 Neste sentido: MNOOKIN, Robert H. Alternative Dispute Resolution... p. 56; e PATRÍCIO, Miguel Carlos Teixeira. Análise Económica da Responsabilidade Civil... p. 164.

231 TARTUCE, Fernanda. Opção por Mediação e Conciliação... pp. 08/10.

232 No caso, por exemplo, de uma empresa com inúmeras disputas similares, pode ser mais interessante (e eficiente) ir a julgamento e ter assim um precedente que, sendo favorável, poderá utilizar em negociações futuras que negociar diretamente com cada um dos seus oponentes. Cf. STITT, Allan J. Mediation: a practical guide... p. 19.

233 Neste sentido: PATRÍCIO, Miguel (2015), “Análise Económica das Formas Alternativas de Arbitragem”, RJLB, 1/5, 1161-1188. p. 1162; e BARROCAS, Manuel Pereira. Manual de Arbitragem... p. 66.

234 Aderimos à corrente doutrinária que distingue litígio (aparente) e conflito (aparente e subjacente), contexto no qual se denota a importância dos interesses envolvidos (que podem ser próprios ou comuns), os quais, nas palavras de Manuel Barrocas, constituem o elo da relação social juridicamente relevante que liga as partes em relação das suas necessidades e ao quid capaz de satisfazê-las. Cf. BARROCAS, Manuel Pereira. Manual de Arbitragem... p. 66. Neste sentido, Fernanda Tartuce, em alusão à lição de Francesco Carnelutti, menciona uma necessária distinção entre a lide sociológica (conflito no plano material) e a lide jurídica (conflito apresentado à jurisdição estatal ou privada). Cf. TARTUCE, Fernanda. Mediação nos conflitos civis... p. 87.

235 COSI, Giovanni. “Perché Conciliare”. In: GIACOMELLI, Sibilla (Org.). La via della conciliazione. IPSOA, 2003. p. 5.

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Há uma longa caminhada pela frente, sobretudo na quebra de paradigmas e preconceitos, pois a cultura do litígio (ou cultura da sentença)236 faz parte da maioria das sociedades ocidentais, havendo uma forte resistência à implementação de meios extrajudiciais de solução de conflitos.237

Estudos revelam que a população ainda não está ciente sobre a mediação, continuando a faltar informação destinada a eventuais partes interessadas, fator que prejudica a eficiência dos serviços.238 A institucionalização da mediação é um dos fatores que auxiliam na sua aceitação e consolidação, sedimentando-a aos poucos como alternativa à litigância judicial.239

Para doutrinadores como Owen Fiss, a institucionalização das medidas consensuais representa um risco decorrente da desvantagem em assimetria informativa, pois a parte mais fraca teria maior dificuldade em prever o desfecho do litígio pela precária coleta e análise de informações relevantes. Além disso, os custos inerentes ao processo e ao tempo de espera por uma solução poderiam influenciar na realização de acordos que acabassem por representar uma renúncia dos direitos pleiteados em juízo.240

Nesta linha, a mediação, ao invés de aumentar o acesso à justiça, acabaria por operar na extensão do controle estatal sobre domínios privados de conduta social. Isso porque, não se baseando em outros casos (públicos ou privados), ela resultaria na desagregação e privatização de problemas de interesse público e de classe, sendo utilizada para consolidar o poder do mais forte e aumentar a exploração e opressão

236 A expressão cultura da sentença, atribuída a Kazuo Watanabe, é referida por Fernanda Tartuce ao preconizar uma substituição deste modelo de solução contenciosa e adjudicada por técnicas diferenciadas de tratamento de conflitos, o que, sem dúvida, exige uma substancial modificação do olhar do operador do direito, do jurisdicionado e do administrador da justiça. Cf. TARTUCE, Fernanda. Mediação nos conflitos civis. São Paulo: Método, 2008. p. 93.

237 É preciso divulgar os meios consensuais e conscientizar a sociedade de que há outras formas de solução e de pacificação social, que a disputa nem sempre é o melhor caminho e que a autocomposição (através da auto responsabilização) pode levar a resultados muito mais satisfatórios, duradouros e econômicos (do ponto de vista temporal, financeiro e emocional). 238 Comissão Europeia. Relatório COM/2016/0542 final, de 26 de agosto de 2016, ao Parlamento

Europeu, ao Conselho e ao Comitê Econômico e Social Europeu sobre a aplicação da Diretiva 2008/52/CE do Parlamento Europeu e do Conselho em determinados aspetos da mediação em matéria civil e comercial. p. 11.

239 SILVA, Paula Costa e. A Nova Face da Justiça... p. 130. 240 ASPERTI, Maria Cecília de Araujo. A Mediação... p. 84.

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do mais fraco. Este quadro opressivo aplicar-se-ia inclusive aos casos de mediação familiar uma vez que, nos casos de divórcio, a mediação estaria removendo garantias, expondo as mulheres a barganhas coercitivas e manipulativas que resultariam em acordos injustos quanto a questões de propriedade e guarda dos filhos.241

Veremos melhor a questão do desequilíbrio do poder de barganha no próximo capítulo. De qualquer forma, podemos antecipar que alguns estudos nos anos 80 e 90 que apontavam receios por parte de feministas de que a mediação poderia trazer prejuízos especialmente às mulheres (consideradas vulneráveis) foram já superados por uma compreensão de que o processo não é inerentemente bom nem ruim, seja às mulheres ou aos homens, sendo fatores decisivos a habilidade e competência do mediador e o comprometimento e boa-fé das partes.242

Pesquisas têm demonstrado inclusive um alto grau de satisfação das mulheres com a mediação, seja quanto ao processo, seja quanto aos resultados, sentindo-se não desvantajadas, mas empoderadas e confiantes face à possibilidade de serem ouvidas e de poderem expressar seus pontos de vista, sentimentos, preocupações, com igual influência sobre os termos acordados.243

Ou seja, enquanto de uma parte há quem defenda a mediação como uma forma criativa de solução de conflitos, produzindo no âmbito privado acordos que satisfazem as necessidades e reduzem o sofrimento (ou, ao menos, produzem o menor dano) às partes envolvidas e, no âmbito público, um aumento da eficiência sistêmica, aliviando a pressão das instituições formais (Tribunais); de outra parte, há quem sustente tratar-se de um mecanismo de aumento do controle estatal, com aplicação de pressão e manipulação de modo que causa grande injustiça aos já desfavorecidos, de modo que as necessidades não são atendidas, sofrimento não é aliviado e desigualdade é produzida. Face a esta dicotomia, é possível concluir que o campo da mediação é diverso e pluralista, com distintas abordagens à sua prática e,

241 BUSH, Robert A. Baruch; FOLGER, Joseph P. The promise of mediation: the transformative approach to conflict. Revised Edition. San Francisco: Jossey-Bass, 2005. pp. 16/17.

242 Neste sentido: ROBERTS, Marian. Mediation in Family Disputes: Principles… pp. 218/219; e MENKEL-MEADOW, Carrie (1985), “Portia in a Different Voice: Speculations on a Women’s Lawyering Process”, Berkeley Women’s Law Journal, v. 1, n. 1, 39–63. p. 53.

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de modo geral, os mediandos costumam concordar mais com a primeira visão (de satisfação) que com a segunda (de opressão).244

Para que os riscos sejam evitados ou, ao menos, minimizados, é preciso buscar um desenho institucional que privilegie o equilíbrio da relação, permitindo ao litigante individual uma tomada de decisões informada em um ambiente de exercício da sua autonomia, p.ex., fornecendo acesso ao Ministério Público e à assistência

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