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Oportunismo e mediação familiar : consensualidade e litigiosidade no acesso à justiça sob a perspectiva da análise económica do direito

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Academic year: 2021

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FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA MESTRADO CIENTÍFICO EM CIÊNCIAS JURÍDICO-POLÍTICAS

ESPECIALIDADE DIREITOS FUNDAMENTAIS

OPORTUNISMO NA MEDIAÇÃO FAMILIAR: CONSENSUALIDADE E LITIGIOSIDADE NO ACESSO À JUSTIÇA SOB A PERSPECTIVA DA

ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO

AMANDA SCHEFER

LISBOA 2018

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2 A

OPORTUNISMO NA MEDIAÇÃO FAMILIAR: CONSENSUALIDADE E LITIGIOSIDADE NO ACESSO À JUSTIÇA SOB A PERSPECTIVA DA

ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO

AMANDA SCHEFER

Dissertação orientada pelo Senhor Professor Doutor Fernando Araújo

LISBOA 2018

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AGRADECIMENTOS

Um trabalho como este apenas se concretiza graças à colaboração e incentivo de muitas pessoas que, de uma forma ou de outra, contribuem para a sua realização. Dentre essas pessoas, há quem devo agradecer de maneira especial:

Ao meu orientador, Senhor Professor Doutor Fernando Araújo, pela inspiração (abrindo as portas e guiando-me na descoberta da Análise Econômica do Direito), confiança, generosidade e inestimável contribuição no desenvolvimento do curso de mestrado e desta dissertação.

Aos demais docentes da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, na pessoa dos Senhores Professores Doutores Paula Vaz Freire, Paulo Otero e Jorge Reis Novais, pela oportunidade de aprendizado e crescimento, e aos docentes brasileiros e italianos que contribuíram para que eu pudesse chegar neste ponto da minha trajetória acadêmica.

À minha família: minha mãe, Elizabeth, minha irmã, Julianna, minha avó, Adelia, e meu avô, Alipio (in memoriam), fonte primária de minhas conquistas, por apoiarem a decisão de cruzar o oceano e assumir esta empreitada tão sonhada, por sempre acreditarem em mim e incentivarem a persecução dos meus objetivos.

Ao meu companheiro, Simone, por todo o amor e apoio e pela especial compreensão durante o período em que precisei me dedicar à elaboração deste trabalho. À sua família (que já é também um pouco minha): Rosy, Giorgio e Fabio, pelo carinho e pela torcida.

Aos meus amigos: àqueles de sempre, por todo o incentivo e amizade, independentemente da distância física; àqueles que esta bela jornada europeia me proporcionou, pela acolhida e por me fazerem sentir em casa.

Aos meus colegas de curso, pela troca de ideias, pelo suporte e por tornarem esta etapa repleta de afeto e bons momentos.

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RESUMO

O presente estudo tem como objetivo identificar e compreender, sob a perspectiva da Análise Econômica do Direito, o comportamento oportunista das partes que, no exercício do seu direito fundamental de acesso à justiça, submetem-se à mediação familiar (de modo voluntário ou não) e os incentivos à sua decisão de litigar ou compor o conflito. Esta verificação não se restringe às partes, sendo também analisados alguns dos possíveis comportamentos oportunistas de outros agentes envolvidos no procedimento de mediação familiar, dentre os quais o próprio mediador e terceiros, como parentes e advogados.

Para tanto, num primeiro momento, abordamos a escolha da Análise Econômica do Direito como instrumental de análise sobre o qual se funda o presente estudo, partindo da compreensão de conceitos e pressupostos econômicos e da teoria dos jogos. Em seguida, identificando a abrangência do direito fundamental de acesso à justiça e sua relação com os métodos alternativos de resolução de conflitos, contextualizamos a mediação familiar, analisando suas características essenciais e aplicação em países como Portugal, Itália e Brasil.

Em um segundo momento, analisamos o oportunismo na mediação familiar. Começamos distinguindo a conduta estratégica oportunista da não oportunista, algumas táticas utilizadas no ambiente negocial (inclusive pelo mediador), perfis de negociadores e fatores que podem influenciar o comportamento das partes em um processo de disputa. Depois, passamos a identificar alguns dos possíveis agentes e estratégias oportunistas no contexto da mediação familiar.

Neste ponto, abordamos importantes elementos propícios ao oportunismo, como a assimetria informativa (e patologias decorrentes, como a seleção adversa e risco moral), a divergência de expectativa de ganhos, o desequilíbrio do poder de barganha (com influência da emoção), os custos de transação e de litigância, a aversão ao risco e o impacto do fator tempo e da modalidade de mediação obrigatória. Tratamos também da possível manipulação pelo mediador, pelas partes e por terceiros e finalizamos fazendo referência a possíveis incentivos e remédios contra o comportamento oportunista.

Palavras-chave: direitos fundamentais – acesso à justiça – litigiosidade – composição – mediação familiar – análise econômica do direito – teoria dos jogos – oportunismo.

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ABSTRACT

The objective of this study is to identify and understand, from the perspective of Law and Economics, the opportunistic behavior of the parties who, in the exercise of their fundamental right of access to justice, submit to family mediation (voluntarily or otherwise) and the incentives to their decision to litigate or settle the conflict. This verification is not restricted to the parties as we also analyze some of the possible opportunistic behavior of other agents involved in the family mediation procedure, among which the mediator himself and third parties, such as relatives and lawyers.

In order to do so, firstly we approach the choice of Law and Economics as the instrument of analysis on which the present study is based, starting from the comprehension of economic concepts and assumptions and of game theory. Next, identifying the scope of the fundamental right of access to justice and its relation to alternative dispute resolution methods, we contextualize family mediation, analyzing its essential characteristics and its application in countries such as Portugal, Italy and Brazil.

Secondly, we analyze opportunism in family mediation. We begin by distinguishing the opportunistic strategic behavior from the non-opportunistic one, some tactics used in the negotiating environment (including by the mediator), profiles of negotiators and factors that may influence the behavior of the parties in a dispute process. Then we identify some of the possible opportunistic agents and strategies in the context of family mediation.

At this point, we approach important elements propitious to opportunism, such as informational asymmetry (and its resulting pathologies, such as adverse selection and moral hazard), the divergence of expected value, imbalance of bargaining power (with the influence of emotion), transaction and litigation costs, risk aversion and the impact of the time factor and the compulsory mediation modality. We also deal with possible manipulation by the mediator, the parties and third parties, and we conclude by referring to possible incentives and remedies against opportunistic behavior.

Key-words: fundamental rights – access to justice – litigation – settlement – family mediation – law and economics – game theory – opportunism.

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6

SIGLAS E ABREVIATURAS

§ – parágrafo

AAA – American Arbitration Association

AAFDL – Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa AASP – Associação dos Advogados de São Paulo

ABA – American Bar Association

ACR – Association for Conflict Resolution ADR – Alternative Dispute Resolution

AIFLAM – Australian Institute of Family Law Arbitrators and Mediators AIMeF – Associazione Italiana Mediatori Familiari

AMB – Associação dos Magistrados Brasileiros ampl. – ampliada

art. – artigo arts. – artigos atual. – atualizada

BATNA – Best Alternative to a Negotiated Agreement CC – Código Civil

CEJUSCS – Centros Judiciários de Solução Consensual de Conflitos CEPEJ – Comissão Europeia Para a Eficiência da Justiça

cf. – conforme, confira

CNJ – Conselho Nacional de Justiça brasileiro

CONIMA – Conselho Nacional das Instituições de Mediação e Arbitragem CONPEDI – Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Direito contr. – contribuição

Coord. – Coordenador(es) CPC – Código de Processo Civil

DG-Stat – Direzione Generale di Statistica e Analisi Organizzativa DLI – Decreto Legislativo italiano (nº 28/2010)

DMI – Decreto Ministerial italiano (nº 180/2010)

Diretiva 2008/52/CE – Diretiva 2008/52/CE do Parlamento Europeu e do Conselho da União Europeia

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DPJ – Departamento de Pesquisas Judiciárias ed. – Edição

Ed. – Editor Eds. – Editores

EDUNISC – Editora da Universidade de Santa Cruz do Sul EPRS – European Parliamentary Research Service

ESMESC – Escola Superior da Magistratura do Estado de Santa Catarina et al. – e outros

EUA – Estados Unidos da América

FPPC – Fórum Permanente de Processualistas Civis Funjab – Fundação José Arthur Boiteux

IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família ICC – International Chamber of Commerce

ICFML – Instituto de Certificação e Formação de Mediadores Lusófonos ICJBrasil – Índice de Confiança na Justiça

IFLA – Institute of Family Law Arbitrators IMI – International Mediation Institute

IPSOA – Istituto Professionale per lo Studio dell'Organizzazione Aziendale

ISDACI – Istituto per lo Studio e la Diffusione dell’Arbitrato e del Diritto Commerciale Internazionale

LMB – Lei de Mediação brasileira (nº 13.140/2015) LMP – Lei de Mediação portuguesa (nº 29/2013) MARL – Meios Alternativos de Resolução de Conflitos n. ou nº – número

NFM – National Family Mediation

NUPEMEC – Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos NUSP – Núcleo de Pesquisa em Sociologia Política Brasileira

OAB – Ordem dos Advogados do Brasil

OABPR – Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Paraná

OABRS – Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Rio Grande do Sul ODR – Online Dispute Resolution

ONU – Organização das Nações Unidas Org. – Organizador(es)

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OS – one-time shooter p. – página

p.ex. – por exemplo

PIB – Produto Interno Bruto pp. – páginas

Prof. – Professor reimp. – reimpressa RP – repeat player

RCNJ – Resolução nº 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça brasileiro rev. – revista

RIDB – Revista do Instituto do Direito Brasileiro RJLB – Revista Jurídica Luso Brasileira

RS – Rio Grande do Sul

SAP – Síndrome de Alienação Parental SMF – Sistema de Mediação Familiar ss. – seguintes

STF – Supremo Tribunal Federal brasileiro

TFUE – Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia trad. – tradução

trans. – translated

UFPR – Universidade Federal do Paraná

UKCFM – United Kingdom College of Family Mediators

UNCITRAL – United Nations Commission on International Trade Law v. ou vol. – volume

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ...11

2. ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO, ACESSO À JUSTIÇA E MEDIAÇÃO FAMILIAR ... 15

2.1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS... 15

2.2. ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO ... 23

2.2.1. Teoria dos Jogos... 30

2.2.1.1. Tipos de Jogos... 36

2.3. DIREITO FUNDAMENTAL DE ACESSO À JUSTIÇA ... 45

2.3.1. Justiça Multiportas... 57

2.3.1.1. Métodos Alternativos de Resolução de Conflitos...63

2.3.2. Eficiência e Justiça...72

2.4. MEDIAÇÃO FAMILIAR ... 83

2.4.1. Principais Modelos e Características ... 94

2.4.2. Quadro Normativo... 101

3. OPORTUNISMO NA MEDIAÇÃO FAMILIAR ... 108

3.1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS ... 108

3.1.1. Estratégias ... 112

3.1.1.1.Táticas e Perfis de Negociadores ...115

3.1.2. O Mediador... 121

3.1.3. A Disputa... 125

3.2. AGENTES OPORTUNISTAS... 132

3.3. ESTRATÉGIAS OPORTUNISTAS... 133

3.3.1. Elementos Propícios ao Oportunismo...139

3.3.1.1. Assimetria informativa...141

3.3.1.1.1. Seleção Adversa e Risco Moral...147

3.3.1.1.1.1. Problema de Agência ...149

3.3.1.1.2. Expectativa de Ganhos...152

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3.3.1.2. Poder de Barganha...157

3.3.1.2.1. Emoção...165

3.3.1.3. Custos de Transação e de Litigância...170

3.3.1.3.1. Aversão ao Risco...180 3.3.1.4. Tempo ... 182 3.3.1.5. Mediação Obrigatória...187 3.3.1.5.1. Pressão ... 189 3.3.1.5.2. Dificuldade de Mensuração... 190 3.3.1.5.3. Mercado de Mediação...192

3.3.2.Manipulação pelo Mediador...194

3.3.3.Manipulação pelas Partes ...197

3.3.3.1. Problema do Fim do Jogo...203

3.3.4. Manipulação por Terceiros...206

3.3.4.1. Filhos...207

3.3.4.2. Advogados...210

3.4. POSSÍVEIS INCENTIVOS E REMÉDIOS CONTRA O OPORTUNISMO...212

3.4.1. Confiança...215 3.4.1.1. Sessões Privadas...217 3.4.2. Triagem...218 3.4.3. Competência do Mediador... 221 3.4.3.1. Transparência e Treinamento...223 3.4.3.2. Regulação Profissional...226 3.4.3.3. Remuneração...231

3.4.4. Participação Colaborativa dos Advogados ... 233

4. CONCLUSÕES ... 236

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 239

(11)

11

1. INTRODUÇÃO

No presente trabalho, abordamos a temática do comportamento oportunista na fase negocial (oportunismo ex ante) de um conflito submetido à mediação familiar. Tal será feito sob o viés da Análise Econômica do Direito, com especial atenção à teoria dos jogos no contexto de barganha com vistas a ampliar as possibilidades de compreensão deste cenário dinâmico de interações estratégicas, informações incompletas e incentivos que levam à tomada de decisões no sentido de cooperação (composição) ou competição (litigância) das partes.

Em um momento histórico de transformação do paradigma do acesso à justiça a uma concepção multiportas, no qual os métodos alternativos de resolução de conflitos vêm se destacando com grande repercussão no cenário mundial, a mediação em particular muitas vezes é tratada como a panaceia para a crise da justiça e o excesso de litigiosidade. Neste contexto, mostra-se necessário um olhar crítico, o debate e a produção de pesquisas e estudos com o objetivo de conhecer as limitações e debilidades deste instituto para poder aprimorá-lo, mitigando as falhas do modelo atual, dentre as quais a possibilidade de comportamentos oportunistas.

Trata-se de um tema inovador e extremamente instigante que não temos pretensão de esgotar, analisando exaustivamente todas suas vertentes jurídicas e econômicas ou apresentando uma avaliação definitiva. Nosso objetivo principal é o de contribuir simultaneamente para o estudo do acesso à justiça, da Análise Econômica do Direito e da mediação familiar, auxiliando na sua compreensão, difusão e fortalecimento.

Cientes da dificuldade de encontrar materiais específicos (demandando uma construção analítica), mas incentivados por esta rica e instigante temática, encaramos o desafio e esperamos bem cumprir nossa tarefa, contribuindo, ainda que singelamente, com a elucidação de alguns mecanismos elementares a uma análise econômica da mediação familiar.

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Partimos da hipótese que a mediação familiar está sujeita ao comportamento oportunista. Para responder a essa problemática, dividimos o trabalho em dois capítulos principais, para além desta introdução e das conclusões.

No primeiro capítulo, faremos uma contextualização da Análise Econômica do Direito, do direito fundamental de acesso à justiça e da mediação familiar.

Iniciaremos contextualizando a perspectiva econômica e sua escolha como instrumental de análise sobre o qual se funda o presente estudo, partindo da compreensão de conceitos e pressupostos econômicos e da teoria dos jogos. Trataremos brevemente da natureza contratual da mediação à luz da Teoria do Contrato e da Teoria da Escolha Racional, tecendo comentários acerca da Teoria Comportamental e da abordagem relacional. Estudaremos a racionalidade maximizadora e veremos diferentes cenários explicáveis pela teoria dos jogos, a influência da cooperação, da reputação e dos incentivos, bem como as diferenças entre alguns tipos de jogos.

Em seguida, identificaremos a abrangência do direito fundamental de acesso à justiça, a realidade do sistema judiciário e alguns problemas que ele vem enfrentando. Trataremos da proposta de justiça multiportas, especificando alguns dos diferentes métodos heterocompositivos e autocompositivos hoje existentes, com especial atenção à mediação. Veremos, ainda, a relação entre eficiência e justiça. Depois, passaremos a tratar do instituto da mediação familiar, analisando os principais modelos, as características essenciais e os objetivos, cotejando duas diferentes aplicações no contexto intracomunitário (Portugal e Itália) e descrevendo a experiência em um país extracomunitário (Brasil).

No segundo capítulo, abordaremos o oportunismo na mediação familiar, mapeando e compreendendo interações e comportamentos oportunistas dos agentes econômicos neste âmbito, sobretudo quanto à decisão de colaborar (acordar) ou competir (litigar).

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Para procedermos a esta análise, em um primeiro momento, abordaremos a questão da estratégia (elemento intrínseco ao jogo), diferenciando a conduta estratégica oportunista da não oportunista, apontando algumas táticas utilizadas no ambiente negocial (inclusive pelo mediador), perfis de negociadores e fatores que podem influenciar o comportamento das partes em um processo de disputa.

Em um segundo momento, passaremos a identificar alguns dos possíveis agentes e estratégias oportunistas no contexto da mediação familiar. Neste ponto, veremos importantes fatores influenciadores da negociação, com foco nos elementos propícios ao oportunismo.

Começaremos com a assimetria informativa e patologias decorrentes, como a seleção adversa, o risco moral e o problema de agência, a divergência de expectativa de ganhos e o ingresso em mediação familiar com o objetivo de obtenção de informações privilegiadas. Depois, passaremos ao desequilíbrio do poder de barganha e a influência de fatores emocionais, os custos de transação e de litigância, a aversão ao risco e o impacto do fator tempo. Ainda, abordaremos a modalidade de mediação obrigatória, os efeitos da pressão inerente, a dificuldade de mensuração de resultados e a influência do mercado de mediação.

Finalizaremos este ponto tratando da possível manipulação pelo mediador (e co-mediador), manipulação pelas partes (e sua alteração de conduta devido ao fim do jogo) e manipulação por terceiros, em especial filhos das partes em conflito e advogados.

Em um terceiro momento, faremos referência a possíveis incentivos e remédios contra o comportamento oportunista. Dentre estes, trataremos da criação de um ambiente de confiança (reforçado através do recurso a sessões privadas) e da devida triagem dos casos submetidos à mediação familiar. Ainda, abordaremos a imprescindibilidade da competência do mediador, com a consequente necessidade de transparência na condução da mediação e adequada formação e treinamento deste profissional, além de questões atinentes à regulação e à remuneração profissional. Por fim, ressaltaremos a importância da colaboração participativa dos advogados.

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Adotamos como método de abordagem o dialético, com o objetivo de buscar possíveis sínteses para o problema levantado, e o dedutivo, já que partiremos de premissas gerais para chegar a uma conclusão específica sobre o tema enfrentado. Trabalhamos com os métodos de procedimento histórico e funcionalista e a análise desenvolvida se deu a partir da técnica de pesquisa da documentação indireta em fontes primárias, tais como legislações e documentos em geral, e, também, em fontes secundárias (bibliográficas).

Para não tornar demasiadamente complexa e extensa a análise econômica do oportunismo na mediação familiar, este trabalho faz algumas delimitações necessárias do tema, pois vários dos pontos não abordados mereceriam um estudo próprio.

Sendo assim, observamos que nossa pesquisa abordará os objetivos jurídicos da mediação (não apenas hedônicos e de busca por bem-estar) e fazemos as seguintes considerações: (1) trataremos da mediação familiar, não abordando outras modalidades de mediação cível ou penal, administrativa, tributária, desportiva, ambiental e de direitos transindividuais e coletivos, sem prejuízo que alguma referência seja, eventualmente, feita ao longo do trabalho; (2) centraremos nossa abordagem em um viés microeconômico, baseando-nos sobretudo na perspectiva individual (privada) para a análise e consequente compreensão dos incentivos à escolha pessoal entre litígio e acordo; (3) abordaremos a temática da mediação familiar com enfoque especial no tratamento conferido pelos ordenamentos jurídicos português, italiano e brasileiro, ainda que comentários acerca dos sistemas jurídicos de outros países venham a ser feitos; (4) basear-nos-emos na hipótese de uma mediação interna (não internacional ou transnacional) face a um conflito familiar “clássico” (estatisticamente dominante), ou seja, família matrimonializada formada por um casal heterossexual com filhos comuns menores de idade; (5) ainda que margeando os temas, não adentraremos propriamente na análise de questões como os reflexos econômicos do julgamento, regras de repartição de custos (p.ex., regra americana e regra inglesa), mediatização processual, ineficiências legais e processuais por influência da complexidade legal, lentidão e erros judiciais, modalidade de funcionamento dos tribunais e interferência do mercado de advogados.

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2. ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO, ACESSO À JUSTIÇA E MEDIAÇÃO FAMILIAR

2.1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Na perspectiva entre Direito e Economia, o mercado é um espaço público de interação social e coletiva tendente a situações de equilíbrio, advindo o contrato não como um elo solidário entre pessoas vivendo em sociedade, mas como produto de transações decorrentes de um jogo estratégico individualista no qual cada parte se comporta de acordo com seus interesses e a cooperação surge apenas na medida em que permita aos jogadores desfrutar de benefícios.1

Desta forma, cumpre ao Direito promover a eficiência a fim de contribuir à melhoria do bem-estar social face às diversas soluções possíveis, utilizando-se como instrumental a Análise Econômica do Direito (Law and Economics) para investigar, sob um viés microeconômico, o impacto e as vantagens de determinadas normas legais no comportamento coletivo e individual. 23

Em outras palavras: através da análise econômica é possível compreender as interações entre os indivíduos e a maneira como tomam decisões na medida em que privilegia a comunicação de metas e a ponderação de custo-benefício entre ganhos e perdas através do conhecimento das disposições negociais pessoais de cada

1 TIMM, Luciano Benetti (2012), “Função Social do Direito Contratual no Código Civil Brasileiro: Justiça distributiva vs. Eficiência Econômica”, RIDB, 1/6, 3733-3789. pp. 3762, 3764/3765. 2 Observe-se que não há uma solução definitiva e que o bem-estar social se mede pela agregação

do bem-estar dos indivíduos, não havendo uma medida única de agregação. Cf. GAROUPA, Nuno (2002), “Análise Económica do Direito”, Legislação: Cadernos de Ciência de Legislação, n. 32, 23-38. pp. 23, 25, 36/37. Importante referir também a existência de estudos que abordam a influência de variáveis macroeconômicas nos níveis de litigância e vice-versa. Neste sentido: PATRÍCIO, Miguel Carlos Teixeira. Análise Económica da Litigância. Coimbra: Almedina, 2005. pp. 155/169.

3 Com efeito, as normas legais podem influenciar de forma contundente o comportamento e as ações tomadas pelos indivíduos e afetar o modo como as informações são transmitidas entre eles, ou seja, a forma como são adquiridas e os custos atinentes à obtenção da mesma. Ademais, normas que são ideais para partes que decidem recorrer à via judicial podem não o ser levando em consideração o efeito que têm em partes que decidem compor seu conflito. Cf. BAIRD, Douglas G.; GERTNER, Robert H.; PICKER, Randal C. Game Theory and the Law. Harvard University Press, 1998. pp. 78, 123, 126, 244/246, 260.

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indivíduo na busca por trocas eficientes em um ambiente que é naturalmente imperfeito.4

É preciso observar que a utilização da Teoria dos Jogos (Game Theory) não exige uma recriação do exato processo através do qual os indivíduos tomam suas decisões, pois suas ações são coerentes com alguns princípios básicos sobre os quais o modelo se funda.5

Três conceitos básicos são fundamentais para explicar o comportamento econômico: maximização, equilíbrio e eficiência.6 Assim, face à escassez de recursos e a diferentes alternativas disponíveis, os agentes econômicos, racionais que são, tenderão a fazer escolhas buscando um ponto de equilíbrio que maximize seu bem-estar e seja eficiente (por vezes descurando, noutras não, de conceitos de justiça), com redução de custos de transação.78

Evidentemente, a racionalidade pode ser comprometida por uma série de fatores, dentre os quais a racionalidade limitada e a ignorância racional, gerando erros sistêmicos na formação da vontade e desvios cumulativos no processamento das informações.9

4 ARAÚJO, Fernando. Teoria Económica do Contrato. Coimbra: Almedina, 2007. pp. 16/17, 20.

5 BAIRD, Douglas G.; GERTNER, Robert H.; PICKER, Randal C. Game Theory and the Law… pp.

125, 271.

6 COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito e economia. Trad. Luis Marcos Sander; Francisco Araújo da Costa. 5.ed. Porto Alegre: Bookman, 2010. pp. 36/38.

7 A ciência econômica contemporânea abandonou alguns pressupostos clássicos de que a informação seria gratuita e completa (egoísmo informado) e que a racionalidade seria perfeita, passando, ao revés, a considerar que a informação é incompleta (e, ainda assim, há custos para sua obtenção) e a racionalidade é limitada. Cf. ARAÚJO, Fernando. A tragédia dos baldios e dos anti-baldios: o problema económico do nível óptimo de apropriação. Coimbra: Almedina, 2008. p. 169.

8 Cumpre-nos pontuar que, segundo Miguel Patrício, a racionalidade observável e seu grau de pureza dependem de fatores bastante diversos. Cf. PATRÍCIO, Miguel Carlos Teixeira. Análise Económica da Litigância... p. 13.

9 ARAÚJO, Fernando. Teoria Económica do Contrato... pp. 304/305. No entanto, a ignorância racional pode economizar tempo na busca por informações, sobretudo quando o custo de obtenção desta informação for maior que o da própria transação. Com efeito, a abordagem da racionalidade limitada identifica uma lógica heurística simplificadora de racionalidade na tomada de decisões. Cf. MAGALHÃES, Ana Sofia Marques. Racionalidade Limitada na Tomada de Decisão – O Efeito de Ancoragem na Avaliação de Curricula Vitae: um Estudo Experimental. Dissertação de Mestrado em Gestão de Serviços da Faculdade de Economia da Universidade do Porto, 2013. p. 12.

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Nesta perspectiva, a Teoria Econômica do Contrato aponta a possibilidade de o regime jurídico colocar-se a serviço da promoção da cooperação através da conversão de jogos não-cooperativos em jogos cooperativos.10

Segundo Fernando Araújo, a Teoria dos Custos de Transação (Transaction-Costs Theory), com uma abordagem mais indutivista, estatística e experimental, visa examinar constrangimentos às partes, que, com racionalidade limitada e informação incompleta e assimétrica, devem lidar com um apoio institucional frágil, lacunar e limitado por fatores que o impedem de socorrer uma parte contextualmente fragilizada para além do aceitável como justo. Esta teoria reconhece as virtualidades da crescente autodisciplina contratual (em contrapartida à heterodisciplina e à litigância), preocupando-se mais com o arranjo institucional que com regras formais ou informais do jogo e tendo como essencial o reforço da tutela da confiança, resgatando o contrato de predações oportunistas (unilaterais ou bilaterais) através do estabelecimento de fortes salvaguardas normativas e institucionais, como, p.ex., as sanções contratuais.11

Para controlar o oportunismo, é preciso encontrar mecanismos institucionais que mudem os ganhos (payoffs) do jogo, seja através do sistema legal, seja através de mecanismos econômicos que funcionem independentemente do auxílio do sistema legal.12

Assim, os contratos passam a ser analisados de forma mais pragmática e que admite a consideração de fatores comportamentais ou racionais na motivação e no desempenho das partes em um jogo de interesses, incidindo sobre a utilidade das trocas e o incentivo ao cumprimento de suas cláusulas, ligada ao valor da confiança mútua e à maximização de bem-estar e atenta aos oportunismos estratégicos das partes face a eventuais deficiências da tutela jurídica.13

10 ARAÚJO, Fernando. “Uma análise económica dos contratos – a abordagem económica, a responsabilidade e a tutela dos interesses contratuais”. In: TIMM, Luciano Benetti (Org.). Direito & Economia. 2.ed.rev.e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. pp. 98/99.

11 ARAÚJO, Fernando. Teoria Económica do Contrato... pp. 206/209, 214.

12 SCHÄFER, Hans-Bernd; OTT, Claus. The Economic Analysis of Civil Law… p. 370. 13 ARAÚJO, Fernando. Teoria Económica do Contrato... pp. 14/16.

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Desta forma, o direito contratual passa a ter como finalidade: 1) possibilitar que as pessoas cooperem, convertendo jogos com soluções ineficientes (não cooperativas) em jogos com soluções eficientes (cooperativas); 2) incentivar a revelação eficiente de informações dentro da relação contratual; 3) assegurar um compromisso ótimo com o cumprimento contratual; 4) assegurar uma confiança ótima; 5) minimizar os custos de transação da negociação de contratos fornecendo condições e regulamentações supletivas (default rules) eficientes; 6) fomentar relações duradouras através de contratos relacionais, que resolvem o problema da cooperação com menor recurso ao aparelho do Estado (tribunais) para o cumprimento dos contratos.14

Estes objetivos se coadunam com os da mediação, um contrato colaborativo celebrado entre duas (ou mais) partes em conflito na busca por uma solução autocompositiva (à qual podem ou não chegar), sem representar uma obrigação de fim. Caso cheguem a esta solução, haverá um novo acordo bilateral de coordenação de condutas, através do qual assumirão obrigações e deveres.15 Este contrato pode ser completo ou incompleto, dependendo da possibilidade ou vontade dos mediandos de tratar exaustivamente de todos os pontos atinentes à disputa e possíveis contingências futuras.16

Ao mediador cumpre o papel essencial de auxiliar as partes na visualização das possíveis alternativas de solução e identificação das preferências e indiferenças expostas por cada mediando, tentando estabelecer um ponto ótimo maximizador de utilidade a fim de viabilizar a negociação entre as partes e, quiçá, uma composição de interesses.

14 COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito e economia... p. 208, ss.

15 Este segundo acordo, cumpridos os requisitos exigidos por cada legislação, constituirá um título executivo extrajudicial, convertendo-se em judicial caso venha a ser homologado judicialmente. Neste sentido, p.ex., a legislação brasileira (Art. 20, §único da Lei nº 13.140/2015), a portuguesa (Art. 9º da Lei nº 29/2013) e a italiana (art. 12 do Decreto Legislativo nº 28/2010).

16 Não é preciso abarcar todo o conflito, sendo possível celebrar um acordo parcial e também deixar lacunas, deliberadas (racionais) ou involuntárias, sobretudo quando o custo da negociação for demasiado face à pouca importância (secundariedade) de algumas questões, à probabilidade (risco remoto) de determinadas situações ou quando estiverem envolvidos fortes fatores emocionais (razões psicológicas). Quanto menos condições precisarem ser negociadas entre as partes (sobretudo quando a legislação prevê e/ou os tribunais aplicam normas supletivas eficientes), menos custosa será a negociação contratual. Para um maior detalhamento a respeito de lacunas contratuais, ver: COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito e economia... p. 222, ss.

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Ademais, através da mediação, é possível atingir um acordo (contrato) que será ao mesmo tempo eficiente e justo, veiculando as preferências autênticas das partes e as conduzindo à máxima satisfação.17

Para atender a pressupostos utilitaristas e maximizadores da análise de bem-estar, é preciso desviar do paternalismo estatal, que interfere na liberdade das trocas em nome da justiça. Ainda que uma avaliação subjetiva de justiça contratual se incline a um resultado distinto do negociado, faz-se necessário respeitar a parte que, embora se considere relativamente desfavorecida, tem como mais relevantes as vantagens absolutas que advêm da transação realizada. Basta a garantia de que as trocas ocorreram livremente e dentro da zona negociável, com respeito às disposições negociais das partes.18

A aplicação da análise do bem-estar aos contratos pressupõe que eles sejam instrumentos de maximização do bem-estar das partes, representativo das suas preferências espontâneas. Afinal, parte-se do pressuposto que, sem um mínimo de justiça substantiva, as partes sequer teriam contratado.19

17 Segundo Fernando Araújo, o aumento de bem-estar através de métodos alternativos à via judicial (como a mediação) seria inequívoco apenas quando a litigância estivesse atrelada a um sistema similar ao inglês, no qual é imputada à parte perdedora o pagamento de todas as custas processuais. Cf. ARAÚJO, Fernando. Teoria Económica do Contrato... p. 567. Já segundo Miguel Patrício, diferentemente da regra inglesa (que incentiva a litigância, sobretudo na presença de excesso de confiança e ausência de aversão ao risco), a regra americana de repartição de custos processuais, por prever que cada parte assuma seus custos com a litigância, incentiva a celebração de mais acordos. Cf. PATRÍCIO, Miguel Carlos Teixeira. Análise Económica da Litigância... pp. 85/103.

18 Fernando Araújo refere que os contratos não são (genericamente) o veículo adequado para promoção social da justiça, o que é feito com o máximo de eficiência através de mecanismos existentes com esta finalidade como os de tributação e redistribuição. Nesta linha, não cabe à análise de bem-estar preocupar-se com indagações de justiça substantiva, bastando um grau suficiente de justiça procedimental (ou adjetiva) atinente à eliminação de vícios de vontade, assimetrias informativas, erros sistêmicos e minimização de custos de transação. Cf. ARAÚJO, Fernando. Uma análise económica dos contratos... p. 106; e ARAÚJO, Fernando. Teoria Económica do Contrato... pp. 54/55, 495/496.

19 Esta maximização implica a aceitação de um critério objetivo (paretiano ou suas variantes, como Kaldor-Hicks), com vantagens e limitações na adoção de uma base utilitarista, sobretudo na assimilação de valores como justiça e eficiência. Cf. ARAÚJO, Fernando. Teoria Económica do Contrato... pp. 45/47, 330.

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A possibilidade concreta de obtenção de um acordo, sobretudo em âmbito familiar, depende de uma série de fatores, dentre os quais a correta identificação do conflito e a forma como as negociações forem administradas pelo mediador.20 Assim, é imprescindível a correta exploração do intervalo entre disposições negociais (zona de transação) das partes com base nos reservation points (também chamados thread points ou fall-back positions) de cada uma, os quais balizam suas fronteiras negociais. Lembrando que, por ser um processo dinâmico, a negociação permite significativa alteração dos reservation points, dependendo do estímulo (incentivo) que tiverem e do nível de persuasão existente.21

Além de acordos formais (executáveis), a mediação propicia a realização de contratos relacionais entre as partes: contratos complexos celebrados entre partes sofisticadas e com relações normalmente de longo prazo (duradouras), formadas por vínculos de amizade, parentesco, etnia, religião ou mesmo empregatício, nos quais as pessoas desenvolvem normas sociais para coordenar seus comportamentos sem barganhar.22

A solução relacional parte da concepção de uma autodisciplina (uma estrutura de governo própria com soluções internas) da relação entre as partes e soluções autossustentadas através, por exemplo, de mecanismos de reciprocidade e reputação ou de hierarquia interna de uma parte sobre a outra – caso em que o desequilíbrio das partes no contrato pode corresponder a um arranjo eficiente e desejado – por confiarem mais nestes mecanismos internos que na adjudicação judicial e preferirem poupar custos de litigância. Importante observar que há relações de longo prazo que não são relacionais e relações de curto prazo que são relacionais.23

20 O mediador deve criar um contexto propício à barganha, estabelecendo uma espécie de programa de colaboração entre as partes para que juntas possam satisfazer-se individualmente.

21 Assim, por definição, uma solução só seria inaceitavelmente injusta quando extravasasse os

reservation points, ou seja, exorbitasse um intervalo tido como razoável. Cf. ARAÚJO, Fernando.

Teoria Económica do Contrato... pp. 51/52.

22 COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito e economia... pp. 239/241. Tratam-se de contratos que têm como objetivo primordial a preservação da relação entre as partes e que se baseiam na cooperação e em elos de solidariedade e reciprocidade. Cf. FERREIRA, Cristiana Sanchez Gomes (2013), “Teoria Econômica do Casamento e da escolha do Regime de Bens”, RIDB, 2/7, 6935-6972. pp. 6949/6950.

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Em razão de suas características, esta solução exige e cria entre as partes compromissos e deveres jurídicos não integrantes do contrato formal, com regras informais para assegurar a cooperação mútua e condições mais elásticas em razão das mudanças que naturalmente se operam às condições contratuais com o passar do tempo.2425

Mesmo um contrato pontual ou discreto pode estar impregnado de elementos relacionais (contextuais ou extratextuais), partilhando a concepção de uma teia normativa informal que condiciona a conduta das partes tanto na negociação quanto no cumprimento.26

Quando as relações estão deterioradas (desgastadas) e a confiança está abalada, as partes costumam recorrer a contratos escritos, apresentando vantagens os contratos relacionais na medida em que não exigem uma atuação estatal eficaz no seu cumprimento, podendo as próprias partes retaliar condutas inapropriadas.27 Com efeito, tratando-se de relações continuadas, elas trazem em seu bojo as possibilidades de um jogo de repetição, com possibilidade de reagir a abusos.28 Além disso,

24 Segundo Robert Cooter e Thomas Ulen, as regras formais (rígidas) não controlam firmemente as relações humanas, seja nos negócios, seja na vida pessoal. Cf. COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito e economia... p. 237. Segundo Lisa Bernstein, práticas contratuais governadas por sistemas legais privados podem representar um reforço à cooperação, havendo casos em que termos contratuais adicionais são estabelecidos entre as partes (em contratos escritos ou outros instrumentos) como condição necessária à relação negocial, mesmo não sendo executáveis judicialmente, seja porque a outra parte não saiba que não são executáveis, seja porque não queira correr o risco de descumpri-los por não ter recursos financeiros suficientes para defender-se em juízo. Cf. BERNSTEIN, Lisa (1999), “The Questionable Empirical Basis of Article 2’s Incorporation Strategy: A Preliminary Study”, University of Chicago Law Review, n. 66, 710-780. pp. 775/776.

25 No caso de contratos incompletos, a solução relacional tem a pretensão de conferir uma resposta eficiente baseada na autodisciplina, confiança, cooperação, solidariedade e reciprocidade para que, utilizando-se de normas sociais através de um modelo de autogovernação partilhada, as partes encontrem o equilíbrio, estabelecendo uma base suficientemente estável e, ao mesmo tempo, flexível para os compromissos assumidos. Cf. ARAÚJO, Fernando. Teoria Económica do Contrato... pp. 396/399.

26 Portanto, mesmo no caso de uma relação contratual pontual é possível proporcionar vantagens de um contrato relacional, com soluções intermediárias (mais dúcteis e criativas que a regra jurídica pura e simplesmente aplicada) a fim de propiciar a preservação do valor da relação para as partes, facilitando revisões periódicas e a integração de lacunas (explorando as vantagens do contrato incompleto) e consistindo em um guia de conduta explícito entre as partes. Cf. ARAÚJO, Fernando. Teoria Económica do Contrato... pp. 393/395, 401, 405/407.

27 Diversamente do que ocorre com os contratos formais (executáveis), que são mais complexos, burocráticos e pressupõem um Estado eficaz para fazê-los cumpridos. Cf. COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito e economia... pp. 239/240, 242, 245.

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incentivam a cooperação com menor recurso a contratos executáveis, o que representa redução dos custos de transação.

No âmbito da família, em especial, estabelecem-se entre seus integrantes padrões de interação e regras de convivência (normas de comportamento) implícitas ou explícitas, que lhe conferem estrutura. Havendo uma crise, esta estrutura fica abalada, com mudanças na dinâmica e na qualidade relacional e forte tendência a atitudes não racionais, de modo que, quanto maiores forem os fatores emocionais, mais difícil será chegar consensualmente a uma solução razoável.29

Efetivamente, a hostilidade entre as partes é um grande obstáculo, pois a carga emocional dificulta a realização de um acordo racional. E, mesmo quando não há hostilidade, pode haver uma postura insensata baseada em erro de cálculo relativamente a quanto a outra parte poderá estar disposta a ceder, sobretudo quando há posições morais conflitantes a respeito do que seja por elas considerado justo.30

Neste contexto, sobretudo face a disputas familiares, revela-se imprescindível ir além das regras formais de direito contratual, buscando normas informais de comportamento e mecanismos informais de resolução de conflitos visto que estes se concentram na reparação das relações e na barganha de boa-fé de cada parte na busca pelas melhores soluções.31 A Law and Economics, por ser consequencialista, preza pela opção mais eficiente, que nem sempre será a formalista, podendo ser uma abordagem relacional.

Como refere Fernando Araújo, através dos contratos relacionais, na maior parte dos casos as partes não-míopes abdicam de uma eficiência estática em prol de ganhos dinâmicos dentre os quais os de prevenção e minimização de condutas

29 CEZAR-FERREIRA, Verônica A. da Motta. Família, separação e mediação: uma visão psicojurídica. 3.ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2011. pp. 69/70.

30 COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito e economia... pp. 106/107.

31 COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito e economia... p. 246. Na maior parte dos contratos relacionais, as partes remetem a métodos informais de resolução de controvérsias, privilegiando formas alternativas de composição de interesses (sejam as que emergem da evolução da relação contratual, sejam aquelas oferecidas pelo quadro das normas sociais) à intervenção judicial. Normalmente, em tais casos, não se requer a presença de um mediador (muito embora, em determinados casos, tal possa promover eficiência). Cf. ARAÚJO, Fernando. Teoria Económica do Contrato... pp. 395/400.

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oportunistas. Com efeito, as despesas com um mediador podem ser menores do que os custos decorrentes de um comportamento oportunista – extremamente perigoso na medida em que pode resultar em um desvio do resultado compreendido e pretendido pela outra parte acordante –, custos de litigância – sobretudo considerando que os tribunais não raro desconhecem a intenção das partes e as alternativas de mercado – e custos de aplicação das normas jurídicas – concebidas em abstrato, sem considerar a perspectiva relacional do caso concreto –.32

Visto que nos casos de conflitos familiares as partes precisarão lidar uma com a outra no futuro, mesmo depois de terem resolvido sua disputa judicial, os tribunais, ao invés de simplesmente fazer cumprir direitos de parte a parte, devem buscar uma solução conciliatória, considerando aspectos equitativos na promoção de uma relação funcional entre os envolvidos, com a assunção de compromissos recíprocos. Evidentemente, é possível que a conciliação surja apenas em um segundo momento, quando os direitos de cada parte estejam bastante clarificados, já que isso facilita a barganha e as trocas.33

2.2. ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO

A tradicional abordagem econômica ao comportamento baseia-se na Teoria da Escolha Racional (Rational Choice Theory), que, através de um modelo de agente racional, explica em termos econômicos a forma como as pessoas fazem suas escolhas individuais.34

Um dos pressupostos centrais deste modelo é o de que a maioria das pessoas é racional e, consequentemente, tem um comportamento maximizador, pois a racionalidade exige a maximização. Outro pressuposto é o de que as pessoas respondem a incentivos; portanto, se seu entorno mudar de tal forma que elas possam aumentar sua satisfação através de uma alteração comportamental, elas assim o

32 ARAÚJO, Fernando. Teoria Económica do Contrato... pp. 399/400, 405. 33 COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito e economia... p. 245.

34 Neste sentido: BECKER, Gary S. (1993), “Nobel Lecture: The Economic Way of Looking at Behavior”, The Journal of Political Economy, v. 101, n. 3, 385-409. p. 402; e COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito e economia... pp. 37, 41.

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farão. O terceiro pressuposto é o de que a interação de agentes maximizadores tende ao equilíbrio (ponto de repouso ou estabilidade), que pode ser estável (mantendo-se a menos que seja abalado por fatores externos) ou instável.35

A Teoria da Escolha Racional objetiva explorar as implicações da racionalidade maximizadora em todas as áreas da vida: objetivos, satisfações, interesses pessoais etc., o que pode ser resumido no termo utilidade, que não se confunde com egoísmo.36 Ela permite generalizações acerca do comportamento humano, atribuindo uma linha de conduta previsível segundo a qual, dentre opções disponíveis, a escolha será sempre por aquela que ofereça maior satisfação, dependendo da informação disponível sobre as opções e consequências, bem como da probabilidade de determinados resultados futuros.37

Segundo Richard Posner, a economia é uma poderosa ferramenta para analisar uma vasta gama de questões legais, dentre as quais a escolha racional em um ambiente de recursos limitados em relação aos desejos humanos. O comportamento será racional quando se conforma ao modelo da escolha racional, independentemente do estado de espírito do indivíduo.38

Com efeito, diante da necessidade de tomar decisões em um cenário de restrição de viabilidade, presume-se que as pessoas buscam maximizar seus ganhos (utilidade, lucro, bem-estar etc.)39 e, de modo geral, o fazem através de uma avaliação

35 Cf. POSNER, Richard A. Economic analysis of law. 6.ed. New York: Aspen, 2003. p. 04; e COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito e economia... pp. 36/37.

36 POSNER, Richard A. Economic analysis of law... p. 03. A utilidade pode ser conceituada como a aptidão para satisfazer necessidades referentes a um bem ou serviço e, como diz respeito a motivações eminentemente subjetivas, é insuscetível de medição objetiva (cardinal) e inequívoca, mas permite uma graduação de preferências e sua comparação entre diferentes indivíduos. A maximização de utilidade é a melhor alternativa do ponto de vista racional. Neste sentido: FREIRE, Maria Paula dos Reis Vaz. Eficiência Económica e Restrições Verticais – Os Argumentos de Eficiência e as Normas de Defesa da Concorrência. Lisboa: AAFDL, 2008. p. 780; e ARAÚJO, Fernando. Introdução à Economia. 3.ed. Coimbra: Almedina, 2005. p. 213.

37 Neste sentido: MACKAAY, Ejan; ROUSSEAU, Stéphane. Análise econômica do direito. Trad. Rachel Sztajn. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2015. pp. 31/32; e GAROUPA, Nuno. Análise Económica do Direito... pp. 23/24.

38 POSNER, Richard A. Economic analysis of law… p. 03.

39 O bem-estar individual pode ser medido pela utilidade da decisão tomada e pelos custos de oportunidade na preterição de outras decisões possíveis em termos materiais ou imateriais (como amor, alegria, desilusão), sendo que não há uma medida exata da utilidade individual, mas um conjunto axiomático estabelecedor de ordem ou hierarquização de escolhas. Neste sentido: GAROUPA, Nuno. Análise Económica do Direito... p. 25.

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de custos e benefícios, inventariando os resultados desejáveis (valores), identificando as ações que podem ser tomadas na sua busca (opções) e determinando em que medida cada ação contribui para o resultado desejado e a que custo (valorização) para, ao final, escolherem o que mais as beneficia – ainda que não sigam estritamente este procedimento.40

A análise custo-benefício, embora seja uma expressão com uso vulgarizado, representa um importante instrumento analítico da vertente econômica da litigância, inevitável para a análise dos incentivos (verdadeiros condicionadores das escolhas individuais) à decisão de participação ou não no mecanismo (ou jogo, numa compreensão estratégica) da Justiça.4142

A litigiosidade, na condição de aspecto do sistema legal, pode ser objeto de estudo pela perspectiva econômica para compreensão dos motivos que podem levar os agentes a celebrar acordos ou a litigar judicialmente, sobretudo quando o custo de oportunidade for significativo.43

Normalmente, a decisão de ingressar em juízo decorre da confiança do autor de que o proveito que extrairá do processo será superior aos custos econômicos a ele inerentes; no entanto, o acentuado custo temporal tende a desincentivar a propositura de novas ações judiciais. De fato, o decurso do tempo de tramitação processual representa um custo para os litigantes e é uma consequência do congestionamento do Judiciário e dos serviços por ele prestados, o que incrementa outros custos

40 Neste sentido: MACKAAY, Ejan; ROUSSEAU, Stéphane. Análise econômica do direito... p. 31; e COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito e economia... p. 37.

41 PATRÍCIO, Miguel Carlos Teixeira. Análise Económica da Litigância... p. 15.

42 A análise de custos e benefícios é natural ao raciocínio dos indivíduos, muito embora sua ponderação muitas vezes possa basear-se em elementos pouco claros mesmo para os próprios, de natureza endógena e exógena, visando à maximização de ganhos (resultados), sobretudo individuais. Isso sem ignorar que mesmo avaliações mais individualistas possam produzir resultados socialmente benéficos. Cf. PATRÍCIO, Miguel Carlos Teixeira. Análise Económica da Litigância... pp. 14/15. Esta análise será estática quando considerar os custos e benefícios de uma única alternativa e dinâmica (ou comparativa) quando identificar, dentre várias alternativas, a que apresenta maiores benefícios líquidos ou menores custos líquidos. Cf. FREIRE, Maria Paula dos Reis Vaz. Eficiência Económica... pp. 814/815. Considerando que o presente estudo parte da perspectiva individual, basear-nos-emos na análise de custo-benefício e consequente decisão individual, não adentrando especificamente na dimensão social.

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indiretos, como os decorrentes da incapacidade administrativa, da burocracia (red tape), da incerteza e do erro judicial, além de custos de oportunidade.44

Em um contexto de escassez de recursos, é necessário fazer escolhas.45 E cada escolha tem um custo de oportunidade, ou seja, o custo de todos os benefícios perdidos ao preterir determinadas opções em favor das escolhas que foram feitas.46

As preferências individuais são extremamente subjetivas, podendo haver ordenações de preferência muito distintas de pessoa a pessoa, ainda que com relação aos mesmos bens e serviços. Para uma análise econômica, não importa a força ou a origem dessas preferências, basta identificá-las e ordená-las caso a caso, sem comparações interpessoais de bem-estar.

O sujeito racional, portanto, fará uma espécie de classificação das alternativas disponíveis com base no grau de satisfação que elas proporcionam (função de utilidade), formando uma escala de preferências em que ao menos algumas sejam estáveis. Depois da ordenação de preferências individuais, é possível identificar uma função de utilidade para cada uma e pontos em curvas de indiferença, nos quais uma determinada opção proporciona a mesma quantidade de utilidade e bem-estar que outra.47

De acordo com a análise do bem-estar, qualquer solução que se encontre em uma chamada área de contrato (um intervalo contratável entre as disposições de cada uma das partes) traz benefícios a ambas, considerando-se maximizador de eficiência. Assim, havendo um contínuo de soluções intermediárias, serão elas próprias a

44 CRISTOFANI, Claudia Cristina (2015), “Ações repetitivas nos juizados cíveis: precisão na quantificação de danos e julgamento por amostragem”, Revista CNJ, I, 16-28. p. 16.

45 MACKAAY, Ejan; ROUSSEAU, Stéphane. Análise econômica do direito... p. 30. O problema da escolha surge do conflito entre as preferências e obstáculos à sua satisfação, ou seja, existência de restrições (renda, tempo, energia, conhecimento) que obrigam à tomada de decisão entre as alternativas. Cf. COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito e economia... pp. 44/45.

46 ARAÚJO, Fernando. Introdução à Economia... pp. 30, 37. Assim, ao maximizar a utilidade de uma determinada decisão, as pessoas precisam levar em conta as oportunidades das quais abdicaram, devendo preferir (segundo a vantagem comparativa) se envolver em negócios nos quais seus custos de oportunidade sejam os menores possíveis, especialmente em comparação com o de outras pessoas. Cf. COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito e economia... p. 53. 47 COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito e economia... pp. 37, 43/44, 230.

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estipularem um padrão de repartição dos ganhos que lhes atenda satisfatoriamente, não importando que uma parte possa ser (objetivamente) considerada com maiores vantagens que a outra.48

Os estudos de Gary Becker são uma extensão da tradicional teoria da escolha racional individual, ultrapassando uma concepção de que os indivíduos são motivados apenas por interesse próprio (egoísmo ou ganhos materiais) e considerando que o comportamento é conduzido por um rico conjunto de valores, preferências, atitudes e cálculos. Becker pressupõe que os indivíduos maximizam bem-estar tal qual concebem este bem-estar (sejam eles egoístas, altruístas, leais ou vingativos) e têm um comportamento consistente (ao longo do tempo) e prospectivo, tentando antecipar ao máximo consequências incertas de seus atos.49

Efetivamente, a Análise Econômica do Direito sempre privilegiou uma abordagem (um tanto quanto limitativa) quanto à manipulação do quadro de oportunidades e à intervenção no plano dos incentivos, mantendo exógenas as preferências individuais dos agentes não apenas por respeito à liberdade, mas também por ser mais diretamente verificável a alteração do quadro de incentivos que a mudança de motivações, muitas vezes insondáveis.50

Assim, há uma série de críticas ao modelo de escolha racional, que são rebatidas por Richard Posner, sustentando que a maioria são fundadas em objeções bastante superficiais (embora outras nem tanto), asseverando que a economia se preocupa mais em explicar e prever tendências e estimativas do que o comportamento

48 Consequentemente, um total de ganhos gerado por trocas entre as partes não é afetado por capturas de bem-estar, pois haverá uma eficiência total das trocas na medida em que o contrato promova a transferência de um bem econômico à parte que mais o valoriza. Neste contexto, ainda que um determinado desequilíbrio na repartição possa parecer objetivamente injusto, se nenhuma das partes objetar-se a esta “injustiça”, a troca realizada representará uma vantagem objetiva para ambas, ainda que uma vantagem desequilibrada. Cf. ARAÚJO, Fernando. Introdução à Economia... p. 216; e ARAÚJO, Fernando. Uma análise económica dos contratos... pp. 103/104. 49 Além disso, defende o autor que as ações pessoais são restritas por rendimento, tempo, memórias

imperfeitas, capacidades de cálculo e outros recursos limitados, além das oportunidades disponíveis. Sobre a escassez de recursos, interessante notar que, enquanto bens e serviços têm se expandido enormemente nos países ricos, o tempo total disponível a consumo é sempre restrito a 24 horas diárias. Assim, o tempo se torna cada vez mais valioso, havendo estudos específicos que abordam a alocação do tempo (time allocation). Cf. BECKER, Gary S. Nobel Lecture: The Economic Way… pp. 385/386, 401.

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de cada indivíduo e que, em uma amostragem razoavelmente larga, desvios aleatórios do normal comportamento racional não anulam o modelo racional.51 52

Dentre as críticas mais relevantes, está a de Herbert Simon, vencedor do prêmio Nobel de Ciências Econômicas em 1978, segundo o qual as pessoas limitam sua atenção a um determinado número de aspectos mais relevantes, sendo a racionalidade limitada (bounded rationality). Assim, é preciso compreender a complexidade humana, pois a percepção que temos da realidade pode ser distorcida e a capacidade de assimilação e processamento de informações podem gerar decisões conflitantes.53

É preciso considerar também as falhas de racionalidade, algumas causadas por assimetria informacional, outras provocadas por sentimentos ou características humanas inatas, tais como prazer, ideais e objetivos indiretos, os quais podem interferir na escolha racional e comprometer a eficiência que o modelo clássico associa às escolhas das partes em um negócio. 54

Nesta linha, a Behavioral Law and Economics, através da Teoria Comportamentalista da Decisão (Behavioral Decision Theory), vem buscando enriquecer o modelo da escolha racional com o objetivo de torná-lo mais realista e

51 O autor refere, exemplificativamente, as seguintes críticas: (1) este modelo não descreveria como as pessoas pensam ou tomam suas decisões; (2) faltariam às pessoas informações para agir racionalmente; (3) algumas pessoas não seriam completamente racionais e todos teríamos lapsos de racionalidade. Posner rebate estas críticas, afirmando que as pessoas não são omniscientes e que decisões incompletamente informadas são racionais quando os custos de aquisição de maiores informações excedem os prováveis benefícios de poder tomar uma melhor decisão e que uma decisão completamente informada em tais circunstâncias seria irracional. Cf. POSNER, Richard A. Economic analysis of law… pp. 18/21.

52 Robert Cooter e Thomas Ulen referem a crítica de autoria do ganhador do Prêmio Nobel de Economia de 2002, Daniel Kahneman, em cujo trabalho é demonstrada violação, pelos consumidores, dos pressupostos da teoria da escolha racional. Cf. COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito e economia... pp. 36/37.

53 Cf. SIMON, Herbert A. (1979), “Rational Decision Making in Business Organizations”, The

American Economic Review, v. 69, n. 4, 493-513; e MACKAAY, Ejan; ROUSSEAU, Stéphane.

Análise econômica do direito... pp. 32/34.

54 Neste segundo caso, a ação econômica basear-se-á na satisfação de um querer. Neste sentido, a lição de Herbert Simon: na impossibilidade de maximização pela racionalidade plena ou substantiva, o agente buscará uma solução suficientemente satisfatória, ou seja, substituirá a maximização pela satisfação (satisficing). Cf. RIBEIRO, Marcia Carla Pereira. “Racionalidade Limitada”. In: RIBEIRO, Marcia Carla Pereira; KLEIN, Vinicius. (Coord.). O que é Análise Econômica do Direito – Uma Introdução. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2011. pp. 66/67.

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explicar determinadas anomalias que o modelo racional não permite elucidar, aprimorando o arquétipo do decisor racional com contributos da psicologia.55 Ela constitui uma ferramenta de identificação e análise dos custos e benefícios dos processos cognitivos que conduzem o processo de decisão em situações com potencial relevância jurídica.56

Enquanto o modelo tradicional (do Homo economicus), baseando-se em alguns conceitos como racionalidade, maximização (otimização) e equilíbrio, deixa de considerar uma série de fatores supostamente irrelevantes (comportamentos “inadequados” ou incoerentes) que fazem parte da natureza humana, como as paixões, os excessos de confiança, as crenças não imparciais, a contabilidade mental e a não desconsideração de custos incorridos, a economia comportamental supostamente oferece uma descrição mais realista do comportamento humano.57

Assim, passam a ser reconhecidas as limitações (constrangimentos) cognitivas do ser humano e a consequente criação de facilitadores de raciocínio para lidar com as mesmas, como atalhos de raciocínio (heuristics) e regras de experiência, tendências comportamentais e pré-compreensões em geral (biases).58 Os desvios observados nas escolhas são explicados pela Teoria Prospectiva (Prospect Theory) de Daniel Kahneman e Amos Tversky, a qual demonstra que, em um ambiente de incerteza e/ou riscos, as pessoas erram nas suas escolhas, nem sempre seguindo a opção que seria considerada a mais adequada.59

55 Cf. ARAÚJO, Fernando. Teoria Económica do Contrato... pp. 308/311, 316; e MACKAAY, Ejan; ROUSSEAU, Stéphane. Análise econômica do direito... pp. 38/39. Para um aprofundamento do estudo atinente à abordagem comportamental, ver: JOLLS, Christine; SUNSTEIN, Cass R.; THALER, Richard (1998), “A Behavioral Approach to Law and Economics”, Stanford Law Review, v. 50, 1471-1550.

56 RACHLINSKI, Jeffrey J. (2000), “The ‘New’ Law and Psychology: A Reply to Critics, Skeptics, and Cautious Supporters”, Cornell Law Review, v. 85, 739-766.

57 THALER, Richard H. Comportamento Inadequado: a Construção da Economia Comportamental. Trad. Miguel Freitas da Costa. Coimbra: Actual Editora, 2016. pp. 19/24, 85/94, 139.

58 As fórmulas facilitadoras do processo de decisão podem ser usadas, exemplificativamente, como (1) estratégias de avaliação da informação, dentre as quais: ancoragem e ajustamento, hindsight

bias, heurística da representatividade e heurística da disponibilidade; (2) estratégias de avaliação

das alternativas de conduta, dentre as quais: excesso de confiança, excesso de otimismo,

confirmatory bias. Cf. FRANCO, Raquel. Teoria económica da decisão: percurso evolutivo e

aplicações jurídico-normativas. Tese de Mestrado em Ciências Jurídico-Económicas da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2011. pp. 38, 43/55.

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É claro que a teoria comportamentalista também é alvo de forte resistência e críticas, inclusive por estudiosos da psicologia.60 Algumas das críticas são: (1) ser reducionista, carregando tons de psicologismo de forma inapta para lidar com questões jurídicas e econômicas; (2) ser excessivamente contextualista, podendo levar a impedir generalizações essenciais às proposições normativas; (3) ser excessivamente sofisticada analiticamente, podendo conduzir à paralisia diante de uma enorme multiplicidade de observações; (4) a possibilidade de acabar por sugerir a inutilização de sanções contratuais como forma de incentivo.61

Muito embora o modelo da escolha racional possa ser considerado frágil para descrever decisões individuais por diversos pesquisadores, ele permanece sendo uma válida aproximação de descrição do comportamento humano.62

2.2.1. Teoria dos Jogos

A Teoria dos Jogos (Game Theory) é um conjunto de ferramentas e uma linguagem para descrever e prever comportamentos estratégicos.63 Ela surge no contexto da análise econômica do direito para permitir uma melhor compreensão das interações entre os sujeitos e a interdependência de suas decisões em um ambiente competitivo; afinal, suas ações são estrategicamente interdependentes, capazes de influenciar substancialmente a esfera de interesses de outra pessoa e suas reações (preventivas ou retaliatórias) e de gerar repercussões àquele que fez a jogada inicial.64

Portanto, seu conceito nuclear é justamente a análise do comportamento estratégico com articulação de interesses em um ambiente de incerteza e dificuldade de coordenação, demarcado por extremos de rivalidade e cooperação, com

60 ARAÚJO, Fernando. Teoria Económica do Contrato... pp. 308/311, 316. 61 ARAÚJO, Fernando. Teoria Económica do Contrato... p. 317.

62 MACKAAY, Ejan; ROUSSEAU, Stéphane. Análise econômica do direito... p. 37.

63 PICKER, Randal C. (1994), “An Introduction to Game Theory and the Law”, Coase-Sandor Institute

for Law & Economics, Working Paper nº 22. p. 02.

64 Neste sentido: ARAÚJO, Fernando. Introdução à Economia... p. 380. Segundo Picker, ambientes estratégicos tradicionalmente são aqueles que envolvem dois ou mais sujeitos que tomam decisões e a possibilidade de interligar uma decisão à outra, havendo, portanto, interesse de um sujeito em considerar como o outro se comportará ao tomar uma decisão e vice-versa. Cf. PICKER, Randal C. An Introduction to Game Theory and the Law… p. 02.

Referências

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