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2. ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO, ACESSO À JUSTIÇA E MEDIAÇÃO

2.2. ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO

2.2.1. Teoria dos Jogos

2.2.1.1. Tipos de Jogos

Dentre diversas classificações possíveis, diferenciamos 4 modelos de jogos: (1) jogos estáticos de informação completa, em que são analisadas todas as informações e possibilidades, sendo a decisão aquela que representa a melhor opção pessoal, portanto, um equilíbrio de Nash (a qual, entretanto, não seria um ótimo de Pareto, pois, segundo o Dilema do Prisioneiro, a racionalidade puramente individual resulta na desgraça do grupo); (2) jogos dinâmicos de informação completa, em que a sucessão de jogadas exige, a cada rodada/subjogo, reavaliação das possibilidades, reiterando as estratégias não-cooperativas e, consequentemente, resultando num equilíbrio de Nash; (3) jogos estáticos de informação incompleta, em que, não conhecendo a avaliação que é feita pelos demais jogadores, prevalece a lógica de

81 Assim, em um contexto de jogo do ultimato, o que determina o resultado final é o valor proposto por quem faz a oferta de acordo, sendo que, em contexto que não seja de ultimato, deduz-se que a postura previsível seja a de estratégias mistas. Cf. PATRÍCIO, Miguel Carlos Teixeira. Análise Económica da Responsabilidade Civil... p. 168.

82 PATRÍCIO, Miguel Carlos Teixeira. Análise Económica da Litigância... p. 61.

83 Contr. de Diana Francis em ROBERTS, Marian. Developing the Craft of Mediation: Reflections on Theory and Practice. London; Philadelphia: Jessica Kingsley Publishers, 2007. p. 168. 84 PATRÍCIO, Miguel Carlos Teixeira. Análise Económica da Litigância... p. 62.

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Bayes de crença nas probabilidades subjetivas – morais e pessoais – ao invés das exclusivamente racionais e objetivas; (4) jogos dinâmicos de informação incompleta, em que é necessário compreender que tipo de jogador se enfrenta e qual o julgador a quem se dirige a informação do jogo.85

Neste contexto, há algumas formas de previsão de resultado dos jogos, denominadas solution concept, dentre as quais: (1) argumentos dominantes; (2) equilíbrio de Nash; (3) indução retrospectiva (backward induction); (4) indução prospectiva (forward induction).86 Os dois últimos, muito aplicados a situações com informação incompleta ou assimétrica, consistem, respectivamente: na possibilidade de o jogador adivinhar as consequências das suas decisões sobre o comportamento estratégico de outros jogadores; e na necessidade de o jogador, para prever futuros desenvolvimentos e o ulterior resultado, compreender corretamente as razões pelas quais o jogo atingiu determinado ponto nodal e não outros, interpretando o comportamento de cada outro jogador em pontos nodais anteriores – visto que cada um usa mecanismos de sinalização mais ou menos explícitos para transmitir aos demais uma sugestão racional do que espera para o restante do jogo.87

Segundo Randal Picker, o problema dos jogos é que faltam aos jogadores bons meios de coordenar suas escolhas.88 Neste ponto, a nosso ver, a mediação aparece como uma interessante solução.

O primeiro passo para o mediador é identificar o tipo de conflito. Se as partes apresentarem uma completa oposição de interesses, sem possibilidade de

85 ROSA, Alexandre Morais da. A Teoria dos Jogos Aplicada ao Processo Penal. 2.ed. Brasil: Empório do Direito; Rei dos Livros, 2015. p. 33. Para um quadro bastante completo acerca dos diversos tipos de jogos, ver: KELLY, Anthony. Decision Making using Game Theory – An introduction for managers. Cambrigde: Cambrigde University Press, 2003. p. 07.

86 PICKER, Randal C. An Introduction to Game Theory and the Law… p. 01. Segundo Miguel Patrício, os jogos na forma “extensiva” (extensive form games) podem ser representados sob a forma de árvore, com um conjunto de nós (pontos) interligados de forma sequencial, enquanto os jogos na forma “normal” ou ”normalizada” (normal form games) podem ser representados sob a forma de matriz, com capacidade de demonstrar imediatamente o resultado das interações em qualquer das estratégias escolhidas. Cf. PATRÍCIO, Miguel Carlos Teixeira. Análise Económica da Litigância... pp. 21/22.

87 LAMBERTINI, Luca. Game Theory in the Social Sciences: A reader-friendly guide. London; New York: Routledge, 2011. pp. 129, 144.

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entendimento recíproco (jogo de puro conflito), não será possível a mediação. Caso demonstrem disposição a adotar determinado comportamento que seja compatível com o da outra parte (jogo de simples coordenação), será possível a mediação, cabendo ao mediador identificar os pontos de indiferença de cada uma delas. O caso que interessa em particular a este estudo é aquele em que a cooperação seja vantajosa, mas o comportamento oportunista unilateral gere um retorno (payoff) ainda mais vantajoso que o cooperativo (jogos mistos).89

Quando se fala em teoria estratégica dos jogos, o que se pretende realçar é a capacidade adaptativa das partes incorporada a lances de interação.90 Neste contexto, diferenciam-se os jogos de lance único dos jogos de repetição.

No caso de jogos irrepetíveis, chamados one shot games, exemplo clássico é o jogo do ultimato.91 Trata-se de um jogo de soma zero (o vencedor ganha às custas do perdedor) em que os destinatários da proposta de partilha a rejeitarão se manifestamente injusta, preferindo nada ganhar se puder assim castigar o proponente da oferta inigualitária.92

Portanto, os resultados experimentais apurados neste jogo demonstram a prevalência de motivações econômicas não-egoístas e de justiça material, reciprocidade e altruísmo (ou, ao menos, uma lógica não-tuísta), com enorme influência na disposição negocial (reservation points).93 Isso sem olvidar que as

89 Os jogos de cooperação são marcados pela existência do elemento estratégico e variam de acordo com a matéria: regras de atribuição (propriedade), de reciprocidade (contrato) e relacionadas a ações coletivas. Estes jogos podem ser de coordenação simples (não há preferência – p.ex., dirigir à esquerda ou à direita), de coordenação assimétrica (há preferência, mas ambos preferem qualquer opção à não comunicação – p.ex., definir a língua comum entre pessoas de línguas diversas) e de coordenação por diferenciação de papéis (cria-se uma regra entre as partes, que depois de criada gera em ambos o interesse em cumprir – p.ex., ligação interrompida). Cf. MACKAAY, Ejan; ROUSSEAU, Stéphane. Análise econômica do direito... pp. 45/53.

90 ARAÚJO, Fernando. Introdução à Economia... p. 386.

91 PATRÍCIO, Miguel Carlos Teixeira. Análise Económica da Litigância... p. 41.

92 O jogo do ultimato é do tipo “pegar ou largar”, em que há uma quantia em dinheiro a ser dividida: se o destinatário aceitar a proposta feita, ele e o proponente receberão os valores de acordo com esta proposta; se o destinatário não aceitar a proposta, nem ele, nem o proponente receberão quantia alguma. Cf. ARAÚJO, Fernando. Introdução à Economia... p. 87; e ARAÚJO, Fernando. Teoria Económica do Contrato... pp. 322/323.

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atitudes de altruísmo e de cooperação dependerão da motivação e dos incentivos existentes.94

Nesta perspectiva, trata-se de um movimento contra vantagens mínimas com base em noção de justiça, não bastando que um resultado seja eficiente (ainda que economicamente mais vantajoso, pois ganhar pouco seria melhor que nada ganhar), é preciso que ele seja justo. Assim, as partes podem estreitar suas disposições transacionais em reação a uma vantagem injusta da contraparte, com destruição completa dos incentivos à contratação ao preferir uma perda de eficiência a um resultado injusto. 95 Portanto, eficiência não é um valor absoluto, podendo ser o segundo (terceiro, quarto...) ponto de preferência e importância para um indivíduo.

O jogo do ultimato representa uma quebra de paradigma, vindo de encontro à máxima que diz que “mais vale um mau acordo que uma boa demanda”. Afinal, as partes não precisam aceitar um mau acordo. Isso também não significa que precisem partir para uma demanda judicial em busca do que consideram justo. Conforme refere Giselle Groeninga, mais vale uma boa mediação que um mau acordo ou uma sentença que não corresponda à verdade da relação em questão.96

Quando se trata de jogos atinentes a regras de reciprocidade que caracterizam os contratos, o dilema do prisioneiro (one-shot prisioner’s dilema game) é o clássico exemplo utilizado.97 Ele tem muitas implicações no estudo da cooperação entre indivíduos, visto que, colocadas em uma situação de lance único, ambas ganham se cooperarem entre si e ambas perdem se assumirem uma posição egoísta

94 MACKAAY, Ejan; ROUSSEAU, Stéphane. Análise Econômica do Direito... p. 31.

95 Quando há uma interferência nas trocas em razão de conceitos de justiça comutativa, há uma evidente complicação dos incentivos, com resultados que evidenciam uma aversão à iniquidade e que, por vezes, podem ser totalmente irracionais (p.ex., quando a contraproposta feita pelo destinatário é menos vantajosa que a proposta inicialmente feita a ele). Trata-se, a nosso ver, de uma situação na qual a decisão econômica vê-se entre a opção de um objetivo de eficiência ou de justiça, conforme suscita à reflexão Fernando Araújo. Cf. ARAÚJO, Fernando. Uma análise económica dos contratos... p. 106; ARAÚJO, Fernando. Teoria Económica do Contrato... p. 324; e ARAÚJO, Fernando. Introdução à Economia... p. 70.

96 GROENINGA, Giselle. “Antes uma boa mediação do que um mau acordo”. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). Família e Responsabilidade: Teoria e Prática do Direito de Família. Porto Alegre: Magister/IBDFAM, 2010. p. 78.

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e hostil (denunciando), sendo que uma não sabe como a outra vai agir e a tendência (estratégia dominante) é a não cooperação.98

Outro exemplo bastante corriqueiro é a tragédia dos comuns (tragédia dos baldios), visto que, se cada um pensar apenas egoisticamente, todos perdem. Quando não colaboram entre si, as partes estão buscando egoisticamente a maximização de seus ganhos pessoais, uma estratégia que pode ser considerada dominante, sobretudo em um cenário de conflito. No entanto, através da cooperação, é possível chegarem a um ótimo de Pareto, em que ambas ganham, ou seja, maximizam reciprocamente seus ganhos.

Utilizando-se o dilema do prisioneiro e partindo da premissa que ambos os sujeitos são egoístas, ele o demonstra que uma decisão racional estritamente individual (ou seja, uma estratégia dominante que desconsidera ou independe da decisão da outra parte envolvida) conduz ao desastre coletivo, visto que ambos estariam melhores se colaborassem entre si.99

Ainda que o dilema do prisioneiro trate de jogos de lance único, sua análise pode ser estendida a jogos de repetição, em que as partes se reencontram e constatam a vantagem da cooperação, havendo um incentivo ao estabelecimento de uma reputação de previsibilidade e confiabilidade da sua conduta, dando espaço a uma vontade mutuamente sinalizada de cooperar. Em relações estáveis, a

98 Em suma, o dilema do prisioneiro representa uma situação com dois prisioneiros, em que (1) se um suspeito delatar o outro e este manter-se silente, o delator terá uma pena mínima e o delatado uma pena máxima; (2) se cada um delatar o outro, ambos terão a pena máxima; (3) se ambos cooperarem e forem cúmplices (nenhum delatar o outro), terão eles a pena mínima ou mesmo absolvição. Explica Fernando Araújo que, mesmo em jogos de lance único, a prevalência da não- cooperação depende da matriz de valores em causa, podendo não haver uma estratégia dominante em casos em que haja dois equilíbrios: um de não-cooperação recíproca e outro de cooperação recíproca – a exemplo do jogo de caça ao veado. Cf. ARAÚJO, Fernando. Introdução à Economia... pp. 381/382.

99 PICKER, Randal C. An Introduction to Game Theory and the Law… pp. 05, 08. A denúncia recíproca em lance único representa um equilíbrio de Nash, em que um resultado melhor só é atingido pela mudança de postura (ou estratégia) de uma das partes se a outra parte também fizer uma mudança. No entanto, há jogos em que não há o equilíbrio de Nash e outros ainda em que há múltiplos equilíbrios de Nash, sendo que nem sempre um equilíbrio de Nash será uma solução Pareto-eficiente, como é o caso de ambos delatarem (consequentemente, ambos terão penas intermediárias), pois esta não é a opção mais eficiente, sendo possível um melhor resultado para ambos se ficarem calados (pena mínima ou absolvição). Cf. COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito e economia... p. 58.

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aprendizagem recíproca e a necessidade de continuidade desta relação permitem maior amplitude a manifestações altruístas.100101

Seja pela repetição do jogo ou pelo histórico das partes, será possível o aprendizado sobre as condutas alheias e, consequentemente, a alteração das suas próprias condutas, inclusive para fins de retaliação. Tratando-se de um contexto de reciprocidade, a promessa de forte retaliação altera a matriz de custos e benefícios nos quais as partes de baseiam; por exemplo, quando uma das partes tem algum segredo que não quer ver revelado, o medo a impede de seguir a estratégia dominante (egoística).102

Com efeito, a reciprocidade demonstra ser um verdadeiro remédio à premissa racional egoística, seja pelo viés positivo (da cooperação), seja pelo negativo (da retaliação, “pagando na mesma moeda”).103 Por consistirem em rodadas subsequentes, nos jogos repetidos cada parte reage na próxima rodada com base na forma como a outra parte agiu na rodada anterior, cooperando ou retaliando, o que representa um equilíbrio eficiente e um incentivo à cooperação.104

A tendência pela cooperação que há quando o jogo é repetido por número indefinido de vezes pode, no entanto, modificar-se na última rodada, sucumbindo a confiança e a cooperação justamente porque as partes sabem ser a última. Isso porque a percepção de proximidade do fim do jogo pode dar lugar ao oportunismo nos últimos lances, denominado problema do fim do jogo (endgame), que tem a mesma lógica do jogo de um único lance.105

100 ARAÚJO, Fernando. Introdução à Economia... pp. 86, 381/382, 386.

101 O raciocínio é diferente quanto a relações experimentais (compromissos provisórios), que se podem desfazer e refazer facilmente, persistindo indefinidamente ou encerrando-se de maneira inesperada. Nestes casos, havendo múltiplos jogadores, um equilíbrio competitivo será alcançado quando a estratégia de cooperar (obtendo um retorno modesto na maioria das rodadas em nome de uma maior durabilidade da relação com os mesmos parceiros de jogo) produza o mesmo retorno que a de não cooperar (obtendo grande retorno em poucas rodadas em relações de lance único com diversos parceiros de jogo). Assim, a possibilidade de desfazimento da relação é uma forma de assegurar a cooperação. Cf. COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito e economia... pp. 58/59, 242/245.

102 ARAÚJO, Fernando. Introdução à Economia... p. 381.

103 ARAÚJO, Fernando. Teoria Económica do Contrato... pp. 325/326. 104 COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito e economia... pp. 238/239, 245.

105 COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito e economia... pp. 59, 241. Nos jogos de repetição infinita, denominados superjogos (supergames), há possibilidades não só de aprendizado, mas

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Ou seja, nestas situações, muito embora haja rodadas múltiplas, haverá uma última rodada na qual a tendência será a não cooperação visto que, afastado o medo de retaliação, haverá uma tentativa de maximização de retorno individual. Se essa lógica for aplicada a todas as rodadas antecedentes e não houver um contrato executável, as partes poderão deixar de cooperar em todas elas de modo que o jogo se desfaça. Sendo a rigorosa racionalidade individual um dos motivos pelos quais o jogo pode vir a se desfazer, o problema da rodada final pode ser resolvido através de cooperação mútua caso as partes optem por uma estratégia um pouco menos egoísta.106

Um ponto interessante de observar é que, no dilema do prisioneiro, são ignorados fatores reputacionais, bem como sentimentos altruístas ou revanchistas (de rancor, ódio) que possam existir entre as partes.107

Com a prática correspondente a jogos repetidos, é possível conhecer o perfil da contraparte; assim, se estivermos diante de um litigante com perfil estratégico, podemos saber a seu respeito que ele buscará maximizar seus resultados e preocupar-se-á com sua reputação e sinalização.108

Muitos tomam a reputação como incentivo, agindo de acordo com a mera expectativa da conduta alheia. Isso porque se preocupam com sua imagem social, havendo interesse de gerar nos demais a percepção de uma conduta justa, cooperativa e aberta à reciprocidade, afastando-se das punições injustas e dos ganhos imerecidos.109

também de promessas e ameaças, as quais não sofrem perturbação em razão da percepção de proximidade do fim do jogo. Cf. ARAÚJO, Fernando. Introdução à Economia... p. 386.

106 COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito e economia... pp. 239, 241. 107 PICKER, Randal C. An Introduction to Game Theory and the Law… p. 04.

108 PATRÍCIO, Miguel Carlos Teixeira. Análise Económica da Litigância... pp. 129/130. Com efeito, a espontaneidade de cooperação de determinados agentes econômicos tem como fundamento efeitos de reputação e de prestígio por eles pretendidos. Cf. ARAÚJO, Fernando. Teoria Económica do Contrato... p. 322.

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É importante mencionar que a formação de capital de reputação no mercado constitui um importante incentivo ao cumprimento de obrigações, o que reforça sobremaneira o papel da autodisciplina e reduz o congestionamento dos tribunais, aumentando sua eficácia.110

Neste sentido, Steven Shavell defende que a preservação da reputação é uma das modalidades extralegais de cumprimento (enforcement) dos contratos, sendo frequente que o receio de prejuízos induza as partes a respeitar os contratos. Este costuma ser um meio menos dispendioso de exigir o cumprimento contratual, sobretudo em contextos nos quais os custos de litigância sejam altos o suficiente para fazer com que os processos judiciais não valham a pena.111

Evidentemente, nem sempre a reputação terá a mesma força da execução judicial, pois suas sanções são menos efetivas. Em algumas circunstâncias, as partes podem decidir racionalmente descumprir o contrato, arcando com pouca ou nenhuma indenização, sem maiores preocupações quanto a perdas reputacionais.112

Com efeito, a lei consiste em um indubitável incentivo ao comportamento das partes, pois, se a legislação não cumpre o papel de criar incentivos a um bom comportamento, cada sujeito poderá ter a tendência a adotar decisões individualmente vantajosas que, coletivamente, devido às interações de estratégias dominantes de cada parte (iterated dominance), repercutem em condutas inadequadas e prejuízos.113

110 Portanto, em um contexto de autodisciplina, o cumprimento é racionalmente assegurado sempre que o benefício imediato com o descumprimento seja inferior ao valor do capital de reputação, ou seja, o valor descontados os ganhos que serão perdidos com a perda de reputação como consequência ao incumprimento. Assim, quanto maior o capital de reputação, menores os ganhos com o incumprimento. Cf. ARAÚJO, Fernando. Teoria Económica do Contrato... pp. 340, 342. 111 SHAVELL, Steven. Foundations of Economic Analysis of Law. Cambridge MA: Belknap Press,

2004. pp. 322/324.

112 Assim, é possível afirmar que a reputação consiste em um imperfeito substituto aos tribunais. Seja porque os tribunais normalmente levam em consideração mais informações acerca da situação contratual, como, p.ex., excludentes relevantes para determinada situação, as quais podem ser reconhecidas judicialmente, mas não eximiriam a parte de prejuízos à reputação em âmbito social. Seja porque, independentemente das informações atinentes ao caso concreto, há partes que não realizam transações com muita frequência e, quando o fazem, encontram-se em um contrato que lhes beneficiaria muito descumprir. Cf. SHAVELL, Steven. Foundations of Economic Analysis of Law…pp. 323/324.

113 Para explicar esta situação, o autor analisa as consequências na tomada de decisão quando há ou não uma legislação que preveja responsabilidade civil em casos de acidentes envolvendo

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Os direitos das partes são definidores de seus valores de ameaça em âmbito jurídico, pelo que maior será a probabilidade de cooperação na negociação quanto mais claros forem para as partes os seus direitos; ou seja, quando os valores de ameaça forem de conhecimento público.114

É preciso, portanto, que o ordenamento jurídico seja claro quanto às definições dos direitos e às suas decorrências. De um modo geral, é possível afirmar que as pessoas poderão de forma mais eficaz gerenciar seus comportamentos de modo a atingir seus objetivos e interesses (maximizando, assim, seu bem-estar) quanto maior for a compreensão da legislação e sua aplicação (jurisprudência) no caso de um conflito de interesses. 115

Em outras palavras: mais eficiente será um direito quanto mais clara e simples for sua prescrição; do contrário (sendo ambíguos ou incertos e complexos), serão um obstáculo à cooperação, causando significativo desperdício de recursos.116

As pessoas, ao interagirem, podem espontaneamente e por si mesmas definir quais as regras cooperativas mais interessantes e quando as respeitar, independentemente de uma autoridade coatora.117 Em especial, os acordos oriundos da mediação têm maior conexão com os reais interesses das partes (protagonistas do

motoristas e pedestres. No caso em que, na ausência de regulação legal, nenhuma das partes tenha uma estratégia dominante (mesmo havendo cada qual uma preferência, a preferência para ambas é tomar uma decisão conjunta), estamos diante de um jogo de coordenação. Nesta hipótese, se cada jogador souber antecipadamente a preferência do outro e se adequar voluntariamente a esta posição, estaremos diante de um equilíbrio de Nash. Cf. PICKER, Randal C. An Introduction to Game Theory and the Law… pp. 06/14.

114 COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito e economia... p. 106.

115 Cf. FERREIRA, Cristiana Sanchez Gomes. Análise econômica do divórcio: contributos da economia ao direito de família... p. 120; FERREIRA, Cristiana Sanchez Gomes (2012), “Análise Econômica dos Institutos do Casamento e do Divórcio”, RIDB, 1/4, 2041-2076. p. 16.

116 COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito e economia... pp. 106/107.

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