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T EIA DE RELAÇÕES QUE ANTECEDERAM A OCUPAÇÃO DO IMÓVEL (1999-2000)

O interesse do MSTC pelo imóvel localizado na Avenida Prestes Maia nº 911, no centro de São Paulo, desde a década de 1990 sem uso, se deu em meados de 1999. Entre o despertar do interesse a efetivação da ocupação (2002), houve um processo de negociação entre os proprietários Jorge Hamuche e Eduardo Amorim e o MSTC, mediado pela prefeitura da cidade de São Paulo. Consideramos que este período é parte constituinte da história desta ocupação e, portanto é a primeira teia a ser construída.

Segundo o advogado Manoel Del Rio62, da ONG Apoio, que, como dissemos

anteriormente, assessora o MSTC, ainda na gestão de Celso Pitta (1997-2000) na prefeitura de São Paulo, o movimento social passou a procurar por prédios vazios no centro para encaminhar projetos ao PAR-Reforma (Programa de Arrendamento Residencial – Reforma), do governo Fernando Henrique (1995- 2003). O governo Pitta, nesta época, deu continuidade ao Pró-Centro, com financiamento do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e criou o ―HabiCentro‖, que tinha quatro planos e forte influência da Associação Viva o Centro: o plano de Habitação para Classe Média, a Operação Cortiço, o Projeto Terceira Idade e o Projeto Residencial Estudantil. (DIOGO, 2004).

As pressões de movimentos organizados de moradia (Unificação das Lutas de Cortiços/ULC e Fórum de Cortiços), nesta época, deram resultado à indicação de 42 imóveis para projetos de habitação social (que não foram executados). No mesmo perímetro, foi aprovada a Operação Urbana Centro (Lei Municipal 12.349/97) que previa incentivos à renovação urbanística, no sentido oposto ao incentivo à habitação social no Centro, com demolições e remembramentos, mudanças de uso, construção de garagens não computadas na área edificada etc. (TSUKUMO, 2007).

Manoel Del Rio nos conta que quando Marta Suplicy (2001-2004) ganhou as eleições, o MSTC decidiu se concentrar na procura de prédios que poderiam ser contemplados pelo PAR. Foi quando encontraram um corretor na Vila Mariana

que os levou pela primeira vez ao prédio da avenida Prestes Maia, 911. Logo em seguida, marcaram uma assembleia geral na ―Brigadeiro Tobias‖, para a qual convidaram um representante da COHAB (Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo). Manoel Del Rio nos conta sobre a primeira vez em que entrou no edifício e o início das negociações:

Nós entramos com o corretor, eu e o arquiteto Joel, dentro da Prestes Maia, e saímos cheios de pulgas. Era um lixão lá dentro, esgoto, tudo... O pessoal de rua entrava para fazer suas necessidades lá dentro, um desastre! [...] Foi então que eu, nesta assembleia, levei o rapaz da COHAB, e depois o levei lá no Prestes Maia e falei: ―olha, a gente quer negociar este prédio‖. E ali ele falou: ―o Secretário conhece o proprietário‖. Então ele agendou uma reunião com o proprietário lá na prefeitura. A prefeitura manteve interesse no negócio, isto dois anos antes da ocupação, e nós fomos negociando dentro da prefeitura.

(Cf. anexo IV)

Durante mais de dois anos o MSTC e a Secretaria Municipal de Habitação mantiveram interesse no negócio e foram reunindo-se com os proprietários Jorge Hamuche e Eduardo Amorim. Foi neste período que localizaram a dívida do imóvel de IPTU. Diz Manoel Del Rio:

Localizada a dívida de cinco milhões, a Caixa Econômica avaliou o imóvel em sete milhões. [...] Eu fui numa reunião com o Hamuche lá na tecelagem dele, ali no Brás, e ele falou que, com dois milhões na mão, estava tudo bem. Entrou a avaliação da Caixa Econômica de sete milhões, mas como ele devia cinco milhões, ele falou:‖ dois milhões na minha mão e tá certo!‖. Então nós iniciamos esta negociação junto com a Prefeitura. Isso teve muitas idas e vindas, muitas reuniões, mas ao fim, ao cabo, a SEHAB falou que não seria possível comprar este prédio porque ele tem muitos problemas jurídicos, de propriedade; na época até levantaram que parece que tinha uma penhora com o Citibank, aí ficou se achando que era do Citibank e não mais do Hamuche, depois voltou que era, pois ele tinha uma carta...

Segundo Neti63, coordenadora do MSTC, sobre a reunião com Jorge Hamuche

antes da ocupação,

a prefeitura o chamou para conversar e aí ele tentou fazer o seguinte acordo: o prédio valia na época sete milhões, cinco milhões e pouquinho era o que ele tava devendo de imposto, descontaria, e dava a diferença pra ele de dois e um pouquinho, mas ele não aceitou. Queria que o governo pagasse o valor integral, os sete milhões. E ele, até então, pagaria o IPTU, faria um acordo e pagaria. Só que aí o governo falou que não, como é que ele ia pagar o valor integral da dívida de imposto e quem garantiria que depois ele passaria estes cinco milhões? Quem garantiria que ele pagaria? [...] Por mais de dois anos, antes da ocupação, nos reunimos. Foi feito um projeto pelo arquiteto Joel Fernando64

aonde se usaria as duas torres, uma ficaria pro PAR, atenderia as duas demandas, as duas necessidades. Para aquelas famílias que não tinham condições de ir para um projeto definitivo, uma parte reformaria e entraria locação social, que a família paga 10% do que ganha, e a outra parte, pelo PAR, Programa de Arrendamento Residencial. Embaixo, no salão, naquelas partes comuns, ficaria a UBS65

e creche. Então, foi um belo de um projeto. Não caberia todo mundo, e uma parte, as famílias com renda mínima, iriam para os projetos como locação social, bolsa-aluguel etc.

(Cf. anexo IV)

Tanto o Dr. Manoel Del Rio, como Neti, nos revelam a tentativa de negócio antes da ocupação do edifício, mas divergem com relação à posição do proprietário. Ela afirma que ele não aceitou o acordo, enquanto Manoel diz que o próprio Hamuche lhe afirmou que por dois milhões fecharia o negócio. De fato, por razões legais, era difícil para a prefeitura concretizar um negócio com tantos problemas de documentação, o imóvel não possuía registro no cartório de imóveis. Segundo

63 Entrevista concedida no dia quatro de novembro de 2009 para este trabalho.

64 Arquiteto Joel Fernando foi contratado na gestão da Marta em 2003 para elaborar com sua equipe um projeto de reforma para o Prestes Maia. Seriam 126 unidades habitacionais, variadas – quitinetes, apartamentos de um ou dois dormitórios, tendo entre 30 e 40 metros quadrados cada um. O valor de cada unidade seria de 30.000 a 32.000 reais. Haveria, ainda, salão de reunião e festas, salas de aula, uma unidade básica de saúde e estacionamento. ―Fizemos o projeto à toa. Eles vão jogar no lixo‖, diz. E por razões ideológicas e nada técnicas. "O projeto é viável tanto estruturalmente quanto economicamente. E, socialmente, é necessário para a recuperação da área central." Caros Amigos, dezembro de 2005.

Aquino (2008), o Dr. Del Rio teria declarado que a prefeitura só fecharia o negócio se o proprietário resolvesse o problema da documentação do imóvel, o que nunca aconteceu.

Encontramos aqui uma questão peculiar. Segundo ambos, Neti e o advogado, a decisão pela ocupação foi utilizada como forma de ameaça nas últimas reuniões, mas nada foi feito para se evitar esta ocupação, o proprietário poderia ter protegido o prédio através de obras de segurança, como, por exemplo, o lacre dos portões. Ao perguntar para o Dr. Del Rio se ele achava possível que a falta de uma atitude de prevenção por parte do proprietário poderia simbolizar que uma ocupação poderia ser benéfica ou interessante ao negócio e pressionar o poder público a realizá-lo, mesmo com o problema da documentação, a resposta foi bastante clara: ele não acredita nesta possibilidade. Para ele o proprietário poderia fazer outro tipo de negócio, sem os sem-teto lá dentro. Assim manifestou- se:

Na verdade ele sempre pediu a reintegração de posse, no período da Marta, depois logo que entrou o Serra ele ativou novamente. Às vezes, corre esta versão que ele achava bom que tivesse ocupação, mas não é não. Ele já tinha tirado outro movimento que tinha ocupado. [...] Para o proprietário era melhor fazer um negócio sem os sem-teto lá dentro.

(Cf. anexo IV)

Terminada a primeira parte da negociação, deu-se a formação do grupo da Prestes Maia e a ocupação, ocorrida no dia 3 de novembro de 2002, quando então arrombaram o portão do edifício pela Rua Brigadeiro Tobias.

Nas entrevistas concedidas a Aquino (2008), Neti declara que a ocupação de um edifício só se dá depois que ―a gente levanta a situação do imóvel, leva para mesa de negociação, faz o estudo de viabilidade. Não tendo condições é que a gente ocupa. E todas as ocupações foram encaminhadas dentro de uma plenária do movimento...‖. Com isso, compreendemos que o ato da ocupação não é o primeiro recurso por parte do movimento para a obtenção de prédios que possam ser reformados e transformados em moradias populares, e, sim, a estratégia usada quando não há mais recursos por meio de negociação deliberada. A seguir exibimos a teia de relações formada antes da ocupação:

Figura 2.4: Teia de relações durante negociação pré-ocupação do edifício Prestes Maia

(AFFONSO, 2010).

(AFFONSO, 2010)

A teia de relações que se formou para a tentativa de negócio antes da ocupação pode ser aqui representada pelos seus protagonistas. O primeiro caminho identificado é a da conexão dos interessados no negócio, representada pela linha pontilhada na figura acima, são eles os proprietários, o corretor de imóveis, o poder público na figura do poder executivo e a líder do movimento. A prefeitura fez o papel de mediador do negócio mesmo sendo uma das partes interessadas, tanto do ponto de vista financeiro, pois afinal havia uma dívida milionária do

imóvel, como do ponto de vista dos interesses da sociedade, proporcionando negócios e investimentos, como também do ponto de vista político, evitando outras ocupações. As forças de conexão da liderança neste momento do processo estão representadas pelas linhas cinza-pontilhada, ligando os sem tetos que formaram o grupo Prestes Maia, a ONG Apoio e o arquiteto Joel Fernandes, que desenvolveu o projeto. Em tracejado está representado o caminho dos problemas financeiros, a relação da dívida do proprietário com a prefeitura, a requisição do movimento pelo financiamento do projeto PAR-Reforma do governo federal. Estes arranjos de forças e conexões não resultaram em nenhum acordo e a sua principal consequência foi à ocupação do edifício na Avenida Prestes Maia, 911.