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A OCUPAÇÃO DO EMPREENDIMENTO DA CDHU NO P ARI C ANINDÉ

Projeto 5: Rua Carmelitas,

3.3 A OCUPAÇÃO DO EMPREENDIMENTO DA CDHU NO P ARI C ANINDÉ

A proposta de soluções coletivas do movimento chegava a um limite extremo e as vésperas das cartas de crédito vencerem, após todos os negócios de compra não se concretizarem e se passarem mais de dois anos e cinco meses, o grupo decide fazer uma ocupação para pressionar o Poder Público. Escolheram para isto um empreendimento da CDHU no Pari-Canindé126 e o ocupam no dia 4 de

outubro de 2009. Neti explica:

Com a carta na mão, tudo prédio que daria, tudo com os acordos assinados, tudo bonitinho, não saiu, não saiu! As cartas foram vencendo e demorou a renovar, já estão saindo outras. Quase dois anos pra conseguir outras cartas. Até que a gente ocupou os prédios da CDHU Pari-Canindé protestando mesmo isso.

[...]

Na verdade o Dr. Hoffman, depois do dia 4, desta ocupação do CDHU, que a gente ficou lá ocupado e tivemos com o secretário, inclusive o secretario (Lair Alberto Soares Krähenbühl) colocou bem claro, que não ia atender mais a

126 Ocupação do empreendimento recém construído pela CDHU no Pari Canindé dia 4 de outubro de 2009

gente porque a gente invadiu; - a gente deixou claro que nós não invadimos, nós ocupamos - que ele ia fechar as portas pra gente. Nós ocupamos porque sentimos uma quebra de acordo. E se por um acaso não nos atendesse, a luta continuava. Quem não luta está morto! A gente deixou isto claro. Só que ele aí entrou num acordo:

‗- então faz o seguinte, desocupa o prédio da CDHU, que a gente vai pedir pra que aumente o subsidio do FINIS, pra que a gente possa mandar valores mais altos na carta de crédito‘

Então a gente ta correndo atrás disto pra ver se agora dá pra fazer! As cartas têm saído mais altas, saiu carta no valor de R$ 70.588. Então quer dizer que alguma coisa tem sido feita. E aí o Dr. Hoffman no final, depois que a gente foi pra sala dele, numa reunião bastante tumultuada, a gente foi para sala dele e ele falou que a gente desmoralizou ele na frente do chefe dele, que é o Secretário do Estado. Eu falei pra ele que durante dois anos e cinco meses nunca foi feito nada. Ele disse:

‗- ah, mais foi entregue o José Bonifácio!‘.

Foi entregue o José Bonifácio, mas lá trás, depois não foi feito mais nada; as famílias que quiseram morar aqui no centro não foi fechado nada! Nunca foi feito nada, nada vezes nada!

‗- ah com 30 cartas as famílias conseguiram comprar.‘

‗-aonde?‘ Aonde o Judas perdeu a meia, porque a bota ficou bem atrás!‘

Depois de dois anos e cinco meses vem querer falar que viabilizou 30 cartas, 30 de 300? Difícil! Aí ficou meio tumultuado, mas no final ele acabou entendendo que foi necessário fazer isto, porque a gente fez isso porque precisaria alguém olhar, a mídia se voltar e dizer:

‗- não, eles se revoltaram porque houve uma quebra de acordo lá atrás do governo!‘

(Cf. anexo IV)

Dois dias depois, o Movimento dos Sem-Teto do Centro e a Frente de Luta por Moradia conseguiram espaço na mídia para denunciar a insatisfação com o não atendimento e para fazer suas reivindicações. Segue um trecho da carta publicada no Centro de Mídia Independente com as reivindicações:127

127 Ocupação CDHU: Distribuição de carta de crédito não resolve déficit habitacional Por Frente de Luta por Moradia dia 06/10/2009 às 16:12 Disponível em:

O MSTC reitera as reivindicações:

1. Atendimento de 346 famílias que foram despejadas da ocupação Prestes Maia. Houve um acordo entre os três níveis de governo, municipal, estadual e federal, para garantir o atendimento das famílias. A prefeitura se comprometeu a oferecer a verba emergencial para pagamento de aluguel até que a habitação definitiva saísse. Enquanto os governos federal e municipal assinaram um acordo de R$ 22 milhões para a consolidação das unidades habitacionais. Dos R$ 22 milhões, R$ 5 milhões foram disponibilizados pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), por meio do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social e, o restante, o governo do Estado se comprometeu a viabilizar. Mas até agora nada foi feito. A prefeitura ofereceu bolsa aluguel por um ano e meio

e se recusa a renovar contrato.

2. Que o atendimento habitacional dado a famílias despejadas não se restrinja ao atendimento emergencial. É essencial que não haja descontinuidade do programa Bolsa Aluguel às famílias, até que seja garantida a moradia definitiva.

3. Cumprimento da promessa do governo do Estado, feita em 2004, de cartas de crédito para 1000 famílias que moram em cortiços.

Depois desta ação a relação entre a Neti e o Dr. Hoffman foi tencionada a tal ponto que as possibilidades de acordo se estreitaram ainda mais. Dr. Hoffman coloca:

Agora, ela bagunça e nós não vamos trabalhar na base da bagunça. Ou seja, eu não trato mais com ela. Eu vou tratar com o coletivo: „- venham aqui as 270 pessoas!‘, com a presença dela. Mas ela fica falando para o pessoal que vai resolver o problema coletivamente e vai por todo mundo no edifício e aí me traz edifícios que não dá para resolver. Uma carta de crédito de 40, outra de 50, mas não, ela quer todo mundo de 60. Eu não tenho condições de mudar as regras do jogo. Então não pode mais. Eu vou resolver o assunto. Fez a ação dela, provocou? Não dá pra comprar edifício. É natural que ela queira isso para que ela tenha a comunidade organizada. É bonito, é ideal, mas não dá! Eu não tenho condições de dar carta de crédito pra todo mundo. Até porque as pessoas, ela não assessorou direito, as pessoas declaram rendas. Eu estou aberto a mudança de renda, de algumas mudanças. Faz uma declaração de renda abaixo

porque quer pagar menos. Declaram menos, não entendem o que é o sistema. E os que ela tem de 60 não compram mais. Está dando certo essa história de mudança do Centro e, o Centro que era um lixo, do ponto de vista urbano, não é mais. Pelo menos derrubaram tudo aquilo e o pessoal está achando que dá para acreditar. Então o setor imobiliário elevou os preços. Hoje, não dá mais para comprar edifício no centro. Não dá porque vai ficar 200 mil reais cada apartamento. Só a reforma do elevador e depois a manutenção do elevador é caríssimo. Fiz uns cálculos e por baixo sai 180 reais por família, porque são elevadores velhos. Então carta de crédito é carta de crédito. Nós renovamos, se a sua é 40, você busque, nós vamos ajudar você a buscar. É um paternalismo gigantesco, mas aí é para poder resolver.

[...]

A Neti tem que nos agradecer, porque o que ela fez, de invadir os apartamentos que estavam com demanda assinada... Porque deixar ela lá, por mais razão que ela possa ter, ela invadiu um apartamento já com outra demanda. Até porque nós estávamos conversando. Evidentemente que estava demorando, mas ela quis fazer uma pressão e quase que ela se complica...

Invadiu uma propriedade. Nós gastamos um monte de dinheiro para por a propriedade que ela depredou em condições. De quem nós vamos cobrar isto? Devíamos cobrar dela. Certo? Ela depredou e foi descuidada. Absolutamente descuidada. Fez malícia, fez declaração no jornal. Declarou naquela mistura de boa intenção... A Boa intenção gera ingenuidade. Arrebentaram as portas. Estragaram tudo, mas não estamos cobrando dela.

(Cf. anexo IV)

Ao ser interpelada sobre este conflito com o Dr. Hoffmann, Neti explica:

Invasão é crime né! Ocupação a gente está ocupando porque tem a necessidade. Eles disseram agora que eu vou ter que assinar, tipo um inquérito criminal por ter destruído o patrimônio público por causa da ocupação lá do Pari. Eu disse

‗- mas o que foi que eu quebrei?‘

‗- ah, você quebrou o portão e grade da CDHU.‘

Eu vou assinar, por ter destruído a grade do CDHU e aonde é que o governo assina por ter destruído a vida daquelas famílias, o sonho daquelas famílias? As famílias já tinham garantia de morar. Onde é que o governo assina isto? Por ter destruído a vida da família, por ter deixado o filho para um lado e mãe para um outro.

‗- Onde é que eu assino. Eu vou assinar, mas eu vou correr atrás dos direitos!‘.

‗- Não, mas é um patrimônio público, você não pode fazer isto.‘

‗- Aonde fica o direito da munícipe?‘

O Governo do Estado, o Governo Federal, o Governo Municipal, vira e fala assim:

‗- Eu não vou atender! Não quero atender.‘

‗- To diante de um espelho. Não vai atender? Ok! Então eu vou ocupar!‘

(Cf. anexo IV)

Sobre este aumento no reajuste das cartas que foi combinado para a desocupação do Pari, fora o depoimento da Neti, temos o da Jomarina, que acrescenta sua experiência com próprio Dr. Lajarin, pois disse que o mesmo encaminhou o pedido de sua carta para o Ministério da Cidade, como uma carta piloto, para ver se os valores seriam alterados. Temos também, o depoimento da Sra. Ivana e da Adriana que dizem desconhecer este acordo. A Sra. Ivana afirma que nenhuma carta até agora veio com novos valores:

Eu ainda não tenho esta informação. Ela já estava até falando que já tinha conseguido... Eu conversei com o pessoal aqui, com a área que emite estas cartas de crédito, que é na verdade do atendimento habitacional, que assina, que faz a gestão financeira e a emissão destas cartas e ela não tem uma informação que deveria ter aumentado. Autorizada, porque isto tem que passar por reunião de diretoria dentro da presidência do CDHU, se ela não for autorizada, não pode emitir. Então pode ser que esteja em negociação, mas não tem aprovação. Porque as novas cartas de crédito que eu estou recebendo deste programa não vem com alteração.

(Cf. anexo IV)

Há nitidamente uma falta de comunicação entre a secretária de Habitação do Estado e sua unidade de atendimento. Para compreendermos as implicações e significações deste fato seria necessário conduzir nossa pesquisa para as relações internas da CDHU e isso nos tiraria do nosso propósito, ficando aqui a sugestão para trabalhos futuros.

Aprofundar a questão da operacionalidade das cartas de crédito, a teia de relações interna da CDHU após as terceirizações, entender o que é causado com

a mudança constante dos representantes em seu interior e a importância dos laços entre esferas de governos e as conseqüências políticas numa teia de relações é certamente o escopo para um outro tipo de pesquisa, pois requereria mais tempo.