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Projeto 5: Rua Carmelitas,

3.4 C OLETIVO X ISOLAMENTO

Após encontrarem os prédios e iniciarem a negociação entre a CDHU e os proprietários, para o aceite das propostas de compra, uma expectativa enorme por parte dos ex-moradores do Prestes Maia foi sendo engendrada. A cada nova reunião as lideranças voltavam cheias de esperanças, acreditando que os projetos seriam realizados. Foram encaminhando cada demanda selecionada para conhecer os edifícios, o que causava ainda mais expectativas e conseqüentemente, frustrações.

Com a mudança de governo municipal em 2005 e a nova configuração dos cargos políticos, o processo desacelerou bruscamente. O mesmo aconteceria três anos depois, com os representantes do Estado. A cada mudança de gestão os representantes do poder público mudam e recomeça-se a construção de novas relações dentro da negociação. Comenta Jomarina:

As pessoas passam a desacreditar na gente, a gente é que sai... Qualquer um que vai lá, eles falam muito bonito. Agora, o Walter Abraão, pra mim, se ele tivesse ficado na prefeitura, tinha até ajudado, ele tinha boa vontade. Mas depois que ele foi pra lá pra Casa Verde na subprefeitura, eu senti a coisa mais lenta. O Walter Abraão, o que ele falava ali na mesa estava falado, não tinha outra pessoa mais além dele para se perguntar se podia fazer ou não. Quando foi para pagar a ajuda de custo, ele prometeu que era 6 meses, e durante esses 6 meses, esses prédios estavam disponíveis. A gente correu atrás e não deu. A gente foi pleitear mais 6 meses e ele deu, depois deu mais 4 meses, mas como estava na época da eleição, quando a gente voltou pra negociar com ele, ele falou: „- a gente vai encaminhar e tudo pra ver como e que fica‟.

Mas na outra reunião, ele já não estava mais lá na prefeitura. Desandou tudo, entrou um outro rapaz, José Ribamar, só que ele não estava a par de nada, quando ele foi pra uma mesa de negociação com a gente, ele estava nú e crú, não sabia o que se passava. A Neti explicou e ele falou que era muito amigo do Walter Abraão e que iria se inteirar com ele. Com isso o tempo foi passando e a carta foi vencendo.

(Cf. anexo IV)

Para as lideranças, com o passar do tempo as cobranças tornam-se mais fortes. Dentre todas as dificuldades encontradas, uma delas, o isolamento x coletividade, ameaça à própria preservação do movimento e da luta. Ao escolherem não sair individualmente procurando seus imóveis e sim permanecer no coletivo, as famílias podem perder a chance da conquista da casa própria. No entanto, para combater esta dificuldade, ao contrário do que se podia esperar, a comunidade foi tornando-se mais atrelada.

Parte do grupo que aguarda o atendimento hoje ocupa um prédio na rua Mauá, com cerca de 200 famílias. Manoel Del Rio explicou que esta ocupação no momento não sofre pressões para reintegração devido a um problema com os herdeiros, que brigam entre si. Como estão desapropriando a ―Cracolândia‖, eles não entraram com a ação, esperando a possível desapropriação, o que teria mais vantagem para os proprietários.

Sobre a idéia de coletivização, explica-nos Jomarina:

É como se sua família fosse um todo. É assim até hoje. Ontem mesmo! Você fica sentada lá na Mauá, na portaria, e passa uma pessoa, e fala ―oi‖. E na periferia não. Quando eu morava lá, a casa era da minha irmã. A casa da minha irmã, não era num terreno da prefeitura, era particular, ela comprou, pagava o IPTU dela, tudo direitinho. Só que de um lado era tipo uma ‗favelinha‘, e do outro também, então, pra chegar no portão da minha casa, tinha um beco. A partir do momento que você atravessou aquele beco, entrou pra dentro do seu portão, pronto, ali era você e você. Mesmo ali no beco quando você vai atravessando, por mais que você conhecesse aquelas pessoas, ninguém queria saber se você estava com algum problema, se estava doente. E dentro da ocupação não! Você está na portaria, vê alguém passar para ir ao médico, pergunta: ‗- tá doente?‘ Quando a pessoa chega, você vê como é que está, se precisa de alguma

coisa. Se alguém que ganhou neném está bem. Na Prestes Maia era assim, tinha muito disso.

[...] Lá na periferia é cada um por si. (Cf. anexo IV)

O desafio das lideranças sempre foi, alem de resolver o problema da aquisição de imóveis, manter o movimento coeso, diante de tantas dificuldades. Por enfrentarem inúmeras promessas não cumpridas e pelo fato de trinta e uma famílias, que se separaram do movimento, conseguirem sozinhas seus imóveis, mesmo que fora do centro, viram-se diante de uma tensão interna.

Estava claro que para parte do grupo o objetivo não era somente a obtenção das moradias, mas também a construção e a preservação de um conviver coletivo. Este fato estava muito presente nos discursos do movimento – que constrói a coletividade como sentido – assim como no do poder público – que usa a idéia de coletividade para deslegitimar as demandas do movimento social. Para a responsável pelo atendimento no Posto, por exemplo, Sra. Ivana, esta é a principal razão da não concretização das compras. Conforme revela, a partir do momento que aceitam cartas de crédito, não deve mais existir coletividade nem representação coletiva por uma liderança:

Me parece isso, do coletivo… ela quer convencer todo mundo a ficar sempre unido pra ter rendimento pra ela, pra essa Associação continuar. No momento que você começa a despertar, cada um vai se virando, que era o correto, cada um tem que viver sua vida, você não nasceu grudado em ninguém… alí ela perde a contribuição. Isso estou dizendo não da boca pra fora, mas por algumas pessoas que vieram aqui, e que eu comecei a tentar saber porque tão enrolado… porque já vi outros Programas que não tem isso, a gente já tem parâmetros. E por que o Prestes Mais é tão ―tem que ser a voz da lider?‖.Porque que tem que ser a voz da líder? Não tem que ter líder aqui. No momento que ela optou pela carta de crédito, e isto foi dito provavelmente pelo pessoal do social, ela desvincula. Não tem que ter associações para representar porque esta carta é isolada, ela é pessoa física. Tem o nome da pessoa que foi habilitada, assinou embaixo, a gerente da área que habilitou está autorizando… esta carta é pra ela poder negociar, pra dizer ‗- eu tenho uma carta desse valor, eu posso financiar desde que seja da seguinte forma: um imóvel regularizado‘…. uma série de coisas. Então, esta questão do coletivo é um pensamento para adquirir o que? Se é para unidades habitacionais da

CDHU é outra história, agora aquisição isolada não existe associação, não tem representante. É está coisa que eu quero colocar para o beneficiário, mas, ou eles têm medo, ou talvez se comprometeram, incutiram tanto ‗você nos deve este favor!‘, que pode ser, de ficar fiel até a morte: ‗- Eu nunca vou ter liberdade para ser ninguém na minha vida a não ser que eu seja ligado a esta associação‘. Me parece isto. A coisa é mais grave do que nós estamos achando que é.

(Cf. anexo IV)

E desta maneira se colocou quando perguntamos sobre a perspectiva deste grupo realizar coletivamente seus negócios:

Se continuar com esta perspectiva dela querer sempre fazer um núcleo, de unificar, de fazer um condomínio na verdade do pessoal... Eu não sei… o empenho deles, não nosso. O nosso empenho aqui vai ser operacionalizar um a um de forma certa, regular. Agora esta parte aí eu acho que vai morrer um pouco na praia, não é de hoje que ela está tentando… Eu só não acho que ela tem que vincular essas pessoas à necessidade deles. A intenção aí é justamente da Associação, de manter, ela não quer que desvincule e eles não entenderam ainda. Ela sabe disso, mas ela não vai passar isso; quem é o beneficiário não entendeu que hoje ele não tem vínculo mais, ele só tem obrigação com ele próprio e no caso dele comprar o imóvel, da CDHU e dele, só. Não tem intermediário, não devem ter intermediários, senão ele não realiza o negócio. Quanto mais gente se põe no meio do caminho, menos as coisas acontecem.

(Cf. anexo IV)

Para a Sra. Ivana a liderança é uma presença ameaçadora que não permite que os beneficiários usufruam das cartas de crédito. Para ela, as lideranças ―embutem este pensamento na cabeça das pessoas‖ pois sobrevivem da contribuição dos associados, que pagam R$ 15,00 para a ―associação‖. E acrescenta:

Você está entendendo porque não está se realizando? Quanto tempo existe esta busca para que não saia do coletivo? Já está fadado ao fracasso! Se ela continuar com esta teoria, eles vão ficar presos nesta situação à vida toda e vão perder as cartas de crédito. Porque vai ter uma hora que este governo vai cortar este subsídio, porque isto é contrato, não vai ser vitalício isto. A qualquer momento este subsídio vai acabar. Se o próximo Governo não achar que é

interessante repassar, a CDHU não vai ficar assumir os R$ 27.000,00.

(Cf. anexo IV)

Para ela ―é uma mudança de cultura‖, eles não querem ter compromisso de arcar com as despesas e responsabilidades que assumem ao possuir um imóvel, pois ―vão ter que tomar conta da manutenção e pagar as coisas que tem que pagar‖. Acredita que ―é por isso que a maioria não quer carta de crédito, e sim uma unidade habitacional‖. A carta de crédito ―tem um subsídio alto na cabeça, ou seja, no valor de venda‖. O beneficiário ―vai ter que pagar a prestação que foi estabelecida para ele, de acordo com o saldo devedor dele já tirando o valor do subsídio‖. E afirma:

Aonde ele vai conseguir uma oportunidade dessa? Ele não tem conta em banco, taxa de juros baixíssima! Não existe um programa no Brasil que seja igual ao da CDHU. Estou falando porque já fui da CDHU por 20 anos. E a gente sabe que a taxa de juros é diferenciada do mercado, tem muito subsídio atrás disto, só pode atender a uma população deste tipo. [...] Agora, você fala que não é para eles? Por que não poderia? É uma coisa decente. É ele escolher um imóvel, do sonho dele se ele quiser, aonde ele quiser. Agora, não entendem isso porque estão acostumados a viver em comunidade. Então ele quer que a transferência de responsabilidade também seja em comunidade. Não é bem assim. Hoje ele é um indivíduo, como pessoa física, isolado e o imóvel dele também precisa se isolar. Se ele não entender que ele tem que sair deste gueto... Ele não quer carta de crédito! E é isto que eu tenho falado.

(Cf. anexo IV)

Realmente é ―uma mudança de cultura‖ – não no sentido dos integrantes não quererem se responsabilizar com suas obrigações civis – estas pessoas passaram por um processo de coletivização que não tem intenção de desfazer-se.

Lá na periferia é cada um por si. Se as pessoas fossem unidas elas conseguiriam mais coisas. Mas lá cada um é um, as pessoas têm medo do próprio vizinho. Quando a gente chegou no movimento não era assim. Isto foi uma coisa que nós construímos. No movimento é assim: quando faz uma ocupação, tem a coordenadora que é do grupo de base. Por exemplo, eu quando fui para a ocupação, tinha

uma coordenadora que fazia as reuniões antes, era uma pessoa que morava na 9 de julho, onde eu moro agora. Aí no dia da ocupação os grupos se juntam e a coordenadora geral está lá para ajudar a organizar os espaços. Quando cada um vai fazer seu canto, no mesmo tempo vai se fazendo a coordenação interna do espaço. Vai aparecendo quem vai ser a coordenadora do andar, quem vai ser a coordenadora de limpeza, tudo tem um coordenador. Uma vez por semana tem a reunião da coordenação e nas reuniões vamos fazendo as coisas funcionar, cada coordenador de andar se reúne com seu grupo antes e fica responsável por trazer e levar as informações e aquilo tudo vai acontecendo. É assim que vai formando aquela coletividade, é muito bonito. Claro que no primeiro momento da ocupação aquela pessoa chega do mundo lá fora onde ―é cada um por si e Deus por todos‖, mas depois ela vai entendendo.

Tem dias que eu morro de saudades da Prestes Maia, e olha que eu morava no 11º andar, com aquelas escadas. Mas não é só aquilo, é a falta do coletivo. É muito legal as pessoas se conhecerem, eu nunca tinha vivido isto. Você acaba tendo outro respeito pelo companheiro do lado. Dentro do movimento você aprende muita coisa, você aprende a viver, fora você sobrevive, lá você aprende junto. (Cf. anexo IV)

Jomarina denuncia que a estratégia da CDHU passou a ser a manipulação de informações e constrangimento das lideranças, com intenção de provocar um processo de desmobilização e fragmentação do movimento. Quando os integrantes do grupo não vivem mais juntos, o processo de coletivização perde forças e fica mais fácil exercer este tipo de cooptação. Nas suas palavra,

É assim, nós vamos na reunião no CDHU e eles falam para avisar a demanda que estão com a lista, que está tudo certo. Só que por detrás, eles ligam para as pessoas e as pessoas ficam pensando que nós não estamos acompanhando as reuniões. Quando a gente vai passar a informação a pessoa já recebeu o telefonema da CDHU e já foi lá. Eles ficam acreditando que a gente não correu atrás. Então eles mesmos armam isso para as pessoas não se reunirem. Se as pessoas não estão organizadas não tem como combater com eles. O medo deles é a população organizada. Com a população organizada nós vamos reivindicar juntos. E eles arrumaram este jeito de desmobilizar.Você está com o grupo, mas vem uma pessoa de fora, da CDHU e fala uma coisa, a pessoa fica desconfiada.

(Cf. anexo IV)

Levamos esta questão, da indisponibilidade da Sra. Ivana em atender o coletivo, ao Sr. Reinaldo Iapequino, que como já frisamos anteriormente foi quem criou aquele Posto de Atendimento e nos explica que:

Não é a Ivana que tem que ter na verdade esta indisponibilidade. Essa é uma interlocução política. A CDHU não pode ser contaminada com isso. A CDHU é um órgão executor técnico… Ela poderia ajudar nesse processo de conversa, mas essa é uma questão política que tem que ser tratada corretamente, levada lá pro Hoffmann. Os canais tem que estar sempre abertos para conversar.

Ela não tem instrução de atuar no coletivo. A outra coisa que a gente precisa dizer também é que a carta de crédito, o valor dela, de fato se tornou… como você mesma disse, os imóveis valorizaram… eu não sei quanto é que está… Era de R$ 65 mil.

(Cf. anexo IV)

Então foi informado que no caso do prédio da Rua Guaianazes as unidades aumentaram 58%. E que a cidade está enfrentando muitas mudanças, tanto no que diz respeito à mobilidade, quanto na valorização e uso dos imóveis, e diferentes necessidades de moradia da população e etc. O que podemos observar é que junto com essas mudanças, e mudanças também na perspectiva dos sem-teto, essa população está se tornando cada vez mais organizada. Ao mesmo tempo, as alternativas para resolução da situação acarretam numa desmobilização do grupo, uma vez que a pessoa tem que sair do grupo para conseguir seu imóvel. Apesar dessa desmobilização, esse grupo vai ficando cada vez maior, uma vez que as pessoas, ainda sem ter a situação solucionada, continuam habitando ocupações, e estas por sua vez, vem crescendo em número. Se o Preste Maia virou um símbolo de luta para essas pessoas, a perspectiva é que agora surjam outros. E então se colocou da seguinte forma:

Tem uma outra questão aí, no meu ponto de vista, que é a questão da isonomia. Porque estas famílias que estão organizadas são atendidas primeiro, com todas as dificuldades. Aquele cidadão que não é organizado, porque não tem tempo de participar das reuniões, não se filia, porque não quer, porque não acredita, enfim, esse cara é

um cidadão que também precisa. Esse está aí atrás de morar em cortiço, de pagar aluguel, que não é barato. A política de atendimento não pode ser montada só para atender as Associações e ser mobilizada a partir de pressão desses movimentos. Acho que os movimentos são muito importantes para despertar nas autoridades à necessidade de planejamento, de atendimento. Mas o espectro da necessidade habitacional transcende a questão dos movimentos sociais; é muito maior. Os garçons, por exemplo, você não vê uma organização de moradia para os garçons, que também trabalham no centro até tarde da noite e vão para as periferias e no dia seguinte estão lá novamente. A questão das moradias não pode estar circunscrita aos movimentos; os movimentos são uma fração dessa necessidade.

(Cf. anexo IV)

Ainda coloca mais uma questão relativa à pressão que sofre o Estado e sua consequência,

Tratar politicamente disso não deve ser simples. O Estado sendo sempre pressionado tende a não agir de maneira planejada. A pressão deve haver, mas deve haver também por outros segmentos, e deve ser disciplinada, ou seja, de exigir dentro das regras da legalidade.

(Cf. anexo IV)

E então se refere à ocupação do dia 4 de outubro de 2009, pois já havíamos comentado no início da entrevista sobre o atrito entre o Sr. Hoffmann e a Sra. Neti,

Por exemplo, quando dizem que não atende porque invadiu, não é porque invadiu, mas porque quebrou compromissos. Algumas organizações do Pari tinham acertado e combinado, feito acordo de ocupação, aí, alguns movimentos não satisfeitos com a forma de distribuição, injusta ou justamente, resolvem quebrar a regra, e isso causa dano. Então não é de todo injusto quando você por um momento fecha uma negociação, ou interrompe uma negociação. Porque acordos foram quebrados também. (Cf. anexo IV)

Com as divergências de posicionamentos, movimento e CDHU não encontram saídas para a resolução desta tensão. Se por um lado, politicamente é vantajoso

para a Secretaria Estadual de Habitação resolver o conflito com o grupo Prestes Maia pacificamente, evitando um confronto que chame a atenção da opinião pública, por outro, o Posto de Atendimento terceirizado não têm compromisso político algum, a não ser com os números, o que é facilmente resolvido por eles, aumentando a realização do programa das cartas de crédito através de outros grupos, principalmente com os encortiçados pelo Programa de Atuação em Cortiços - PAC/BID.

Diante destes impasses, relativos ao caso aqui estudado e não à política aplicada em geral, vemos que talvez uma maior pressão política da Secretaria junto ao processo e um estudo mais aprofundado em relação a imóveis disponíveis no centro, agilizaria a realização de novos negócios. Contudo, como observamos através do discurso do Dr. Hoffman, na visão do atual governo do Estado, ―é uma injustiça‖ entregar apartamentos no centro quando podem construir mais unidades, pelo mesmo preço, na periferia e atender um maior número de famílias. Provavelmente nesta conta do Estado não estão contabilizados o custo do transporte, a ausência da infra-estrutura e os investimentos na área de transporte, educação, saúde, recreação, etc, que deverão ser realizados para tornar aquela área adequadamente urbanizada.