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OS BOTÕES INTELIGENTES

EINSTEIN E O CHAPELEIRO LOUCO

Um engenheiro americano chamado George Francis Gillette, sentindo-se ultrajado com as idéias de Einstein e a Teoria da Relatividade, afirmou que esta era “o filhote imbecil de uma cólica mental... física vesga... completamente louca ... o nadir da bobagem... bruxaria sem sentido (ROBSON, 2005, p. 134). Não satisfeito, afirmou que “até 1940 a relatividade seria considerada uma piada... Einstein já estará 52Resposta popular à ciência e à tecnologia: ficção e fator Frankenstein, de Jon Turney. In: Terra

morto, junto a Andersen, Grimm e o Chapeleiro Louco” (Ibidem)”. Outro americano, professor de “Mecânica celeste”, Charles Poor, afirmou, parafraseando um senador da época, que sentia-se “como se estivesse passeado com Alice no país das maravilhas e tomado um chá com o Chapeleiro Louco” (Ibidem).

Hoje, as fábulas de Andersen e dos irmãos Grimm continuam a fazer parte do universo ficcional e o Chapeleiro Louco que, diferentemente dos dois anteriores, é personagem e nunca foi pessoa - e mesmo que sua loucura pudesse ser explicada pelo mundo real, pois seu chapéu de feltro, como outros da mesma época, possivelmente utilizava mercúrio na sua composição, o que era causa de envenenamento e loucura de muitos chapeleiros - , se mantém, até nosso dias, como personagem, ou seja, como “não real”, ou ficcional, ou fruto da imaginação de seu autor. Einstein, ao contrário, era pessoa e não era personagem. Comprovou sua teoria, que passou a fazer parte do mundo das ciências, da verdade comprovada física e cientificamente. Mas, num dado momento, para os homens da ciência compará-lo a uma personagem foi uma maneira de dizer que aquilo que estudava não tinha sentido e, como tal, só poderia fazer parte do universo ficcional ( deixando de lado uma análise mais profunda sobre, digamos mesmo, o preconceito que remete a esse tipo de opinião feita por qualquer louco com ou sem chapéu).

O que é interessante perceber, no entanto, é que Lewis Carroll, o pseudônimo de Charles Lutwidge Dodgson, era um matemático, apaixonado pela lógica, e escreveu Alice no país das maravilhas, clássico aparentemente infantil, no século XIX, criando mundos aparentemente fantásticos e absurdos, mas onde a lógica matemática se torna evidente estruturando cenas e mostrando que existe enorme complexidade atrás de uma obra supostamente, como já afirmamos, infantil. Antes de Einstein, o “Chapeleiro Louco” já discutia com Alice a relatividade do tempo, quando afirmava que "É muito provável que você nunca tenha falado com o Tempo!" E Alice: "Talvez não"...mas eu sei que tenho que marcar o tempo quando aprendo música." "Ah! Isso explica”, concluiu o Chapeleiro. “Ele não vai ficar marcando compasso para você. Agora, se você ficar numa boa com ele, poderá fazer o que quiser com o relógio” (CARROLL, 1998, p. ). Claro que no universo ficcional, e como o Chapeleiro era louco, há a possibilidade de antecipar o tempo, retardá-lo, pará-lo, como ele o faz e por isso está sempre “tomando o chá das seis”. Mas, o que

Einstein quis defender é que o espaço e o tempo, ao contrário do que se acreditava, não são valores absolutos e, sim, relativos. Nada no mundo seria simultâneo e poderíamos pensar inclusive que cada relógio marcaria uma hora. O relógio do Chapeleiro Louco marca apenas os meses do ano, o que deixa Alice intrigada.

Alice estivera olhando por cima dos ombros com curiosidade. "Que relógio engraçado!", ela observou. "Ele diz o dia do mês e não diz a hora!"

"Porque deveria?", resmungou o Chapeleiro."Por acaso o seu relógio diz o ano que é?"

"É claro que não", Alice replicou rapidamente, "mas é porque o ano permanece por muito tempo o mesmo."

"Este é exatamente o caso do meu", disse o Chapeleiro. (CARROLL, 1998, p. )

O que o Chapeleiro Louco quer dizer é que o “ponto médio” entre a demora de um ano para passar e a rapidez das horas são os dias do mês. Tal passagem está relacionada com outro enigma de Lewis Carrol53, no qual o autor prova que um relógio parado registra o tempo mais fielmente do que outro que atrasa um minuto por dia, pois, o primeiro marcaria corretamente as horas duas vezes por dia, enquanto o segundo levaria 720 h para se acertar. Isso nos faz perceber a possibilidade de que, em um relógio parado, o tempo passaria mais rapidamente do que em um relógio em movimento. Sendo assim, Einstein tem razão mas,curiosamente, a literatura teve “razão” antes dele.

Para quem desconhecesse, de imediato, a Teoria da Relatividade conteria idéias que remeteriam a um universo de ficção-científica, pois tudo nos pareceria meio “sobrenatural”. Um espaço no qual, ao sairmos correndo, seríamos capazes de alcançar o futuro. Contudo, Einstein comprovou sua teoria e, por mais “relativa” que seja, esta passou a fazer parte do universo das verdades. Nessa perspectiva, a história se inverte. Einstein deixa de assemelhar-se ao Chapeleiro Louco a partir do instante

53Os Relógios Loucos de Carroll. Qual dos relógios registra o tempo mais fielmente? Um que se

atrasa um minuto por dia ou um que não funciona? Solução: O relógio que se atrasa um minuto por dia dá a hora exata de dois em dois anos, pois como se atrasa um minuto por dia só voltará a estar certo depois de se atrasar doze horas, o que só acontece ao fim de 720 dias. O relógio que está parado está certo duas vezes em cada vinte e quatro horas. Por isso o relógio que melhor registra o tempo é o que está parado.

em que comprova, fisicamente, verdades e passa a ser “maluco” aquele que não foi capaz de crer nestas possíveis, hoje concretas, verdades. Mas, o Chapeleiro Louco, junto com as outras personagens de Alice no país das maravilhas, continua sendo “louco”, mesmo que seja percebido, atualmente, que o que falava não era tão louco assim. Essa é a verdadeira magia da literatura – a possibilidade de antecipar as verdades mas jamais querer comprová-las e, mesmo que isso aconteça, jamais alterar o que nasceu como imaginário, como ficcional. Einstein, para nosso conhecimento, nada tinha de “louco” e o “Chapeleiro Louco”, para salvação de nosso imaginário, permanecerá sempre no universo daquilo que não faz sentido concreto.

A pergunta que se faz é “por que tamanha reação à ficção?” Só é possível responder objetivamente a coisas que acreditamos ser reais ou não nos é possível acreditar que a ficção também seja real? Novamente, a discussão entre o que é real e o que não o é retorna. E retorna mais uma vez sem resposta pois esta não é mais possível (ou nunca o foi) na perspectiva constante de que o que é real, neste momento, pode deixar de sê-lo, e o que é ficcional, neste mesmo momento, pode vir a ser realidade. Bronowski, nos diz que

a teoria da gravidade de Isaac Newton permitiu fazer maravilhosas e surpreendentes previsões dois séculos depois que foi concebida; contudo, cinqüenta anos mais tarde, a teoria da relatividade de Einstein demonstrou que, em qualquer sentido óbvio, a teoria newtoniana nunca foi “verdadeira”. E dentro de cinqüenta anos uma nova teoria pode provar que a teoria de Einstein nunca foi “verdadeira”. Mas essas afirmativas tornam evidente que é uma tolice usar a palavra “verdadeiro” em sentido tão estreito, a propósito de qualquer teoria. (...) Tudo o que é criado, tanto na ciência como na arte, é uma extensão da nossa experiência para novos campos. (1998, p.58)

A física faz o chapeleiro louco enquanto não se prova real, mas quando se prova, o transforma em possível. É preciso considerar que o que chamamos de ficcional inclui diversos gêneros além da literatura (cinema, jogos de realidade virtual, televisão, etc) e o que nomeamos de “real” representa apenas uma categoria, e nos tornamos maniqueístas pois ou “é” ou “não é”, ou “existe” ou “não existe”. A Teoria da Relatividade “é”, ela “existe”, porém o “Chapeleiro Louco” “não é”, “não existe”. Contudo, na verdade ele “é” e “existe” enquanto personagem e só se

assemelha ao “louco” num sentido pejorativo por não responder às questões da forma que “é” e “existe”.

“Quando nos envolvemos com a ficção, não suspendemos uma faculdade crítica, mas sim exercemos uma faculdade criativa”54. Michel Faraday, químico e

físico inglês (1791-1867) e considerado o fundador da ciência eletromagnética, no final de uma de suas conferências afirma que nada se compatibiliza mais com a mente humana do que o estudo das ciências físicas e nada é mais capaz do que ela de dar ao homem o discernimento da ação das leis cujo conhecimento confere interesse aos fenômenos mais banais da natureza, e leva o observador estudioso a encontrar “línguas nas árvores, livros nos riachos, sermões nas pedras e o bem por toda parte.”(FARADAY, 2003, p.222)55.