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OS BOTÕES INTELIGENTES

O VISÍVEL E O INVISÍVEL – O CORRER DOS SÉCULOS

Desde que o ser humano desenha e pinta, representa na superfície elementos da realidade. Não nos interessa, aqui, a discussão sobre a verossimilhança remetida

que seja aos conceitos teóricos de Aristóteles, mas a possibilidade de realização daquilo que um dia foi afirmado como irrealidade, a possibilidade de que arte e ciência não existam como universos excludentes, ao contrário, como já dito, a ciência buscou nas artes uma fonte de “inspiração”, e a arte, buscou na ciência, formas de construção e elaboração.

A matemática e a física são ciências fundamentais para a compreensão do mundo plástico que, mesmo não remetendo diretamente à realidade visível, se torna concreto na sua própria

construção, embora permaneça como imagem da ficção. A representação plástica do espaço se estabeleceu por um princípio matemático demonstrado por Albrecht Dürer que, no século XVI, utilizando um vidro quadriculado, colocado entre o artista e o modelo, reproduzia os objetos, não de forma livre, mas artificiosamente construídos, de acordo com os princípios matemáticos. Antes, um século, como não lembrar do fascinante e surpreendente Leonardo da Vinci, que vai além da matemática até a biologia e a fisiologia, e é capaz de combinar uma precisão científica com um grande poder imaginativo recorrendo a conceitos de geometria projetiva, centro de projeção, linhas paralelas, linhas convergentes, ponto de fuga, para criar quadros com características tridimensionais. Na modernidade, como exemplo, a obra 35de Escher, que não possuía conhecimentos formais em matemática, mas em cujos quadros, importantes conceitos matemáticos são trabalhados com maestria, pois o artista investiga as leis da perspectiva, aceitas desde a Renascença, para representar o espaço, e demonstra novas leis que ele ilustra nas suas gravuras. Ou, mais perto de nós, o artista plástico brasileiro Antonio Peticov (1946), que reproduziu, dentre outras obras, a formação de um caramujo que segue a razão e proporção áurea da matemática.

35Antonio Peticov reproduziu a formação de um caramujo, o Nautilus marinho. A constituição da

espiral do caramujo segue à risca a seqüência do “retângulo de ouro”, cuja razão entre seus lados deve ser ou tender a 1,618. Os gregos da antiguidade já consideravam mais agradáveis e belos os retângulos que estivessem numa proporção que ficou conhecida como Áurea. Disponível em: http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/abril2006/ju320pag12.html. Acesso em: 06 abr. 2007.

A discussão se estabelece quando pensamos no visível da ciência que pode ser invisível, ou o invisível da arte que pode tornar-se visível36. Magritte afirmava que "Tudo o que vemos esconde outra coisa, e nós queremos sempre ver o que está escondido pelo que vemos. "Minha pintura são imagens visíveis que não ocultam nada; elas evocam mistério e de fato quando alguém vê uma delas, se pergunta sobre uma simples questão: “O que ela significa?” Ela não significa nada porque o mistério pode significar qualquer coisa, ele é desconhecido" 37 O mistério só o é e permanece sendo-o no limite do desconhecimento. Embora pareça redundante pensar que o mistério é o desconhecível. o que se pode, 38com certeza, constatar é que o mistério quando se torna conhecido deixa de ser, automaticamente, mistério. A ciência quer desvendar todos os “mistérios” mas não nos parece possível que consiga fazê-lo. pois a arte sempre os recria.

Muito já se falou que existem relações entre ciência e arte embora ligadas a domínios diferentes, mas precisamos pensar na literatura. caso contrário. perderemos o cerne primeiro de nossa discussão, embora seja importante perceber que. como mais “visível”, as artes plásticas se impõem mais diretamente sobre o “invisível”. Assim, o gênero narrativo entremeado de fatos científicos e personagens ligados à ciência, neste sentido, permitem uma pequena tentativa de explorar as interfaces entre ciência e arte, ciência e imaginação. O literário, que cria mundos total e completamente ficcionais, associados a esse mistério do que é “invisível”. é utilizado, aqui, não em outra acepção que não esteja relacionada à idéia do desconhecido. Um desconhecido que deixa de sê-lo, em dado momento, a partir das descobertas feitas pelas ciência. A ciência é a melhor interpretação do mundo

36Referência à obra de Meleau-Ponty, O visível e o invisível, que afirma que para podermos falar no

falso, não comprovado, é preciso termos a experiência do verdadeiro, e se indaga em como podemos ver o que não vemos afirmando que a “ciência supõe a fé perceptiva mas não a esclarece”.

37“My painting is visible images which conceal nothing; they evoke mystery and, indeed, when one

sees one of my pictures, one asks oneself this simple question 'What does that mean'? It does not mean anything, because mystery means nothing either, it is unknowable."O mistério é desconhecível. Disponível em: http://lyc-sevres.ac-versailles.fr/forum_espace.php. Acesso em 22 dez 2006.

38 Coisas visíveis podem ser invisíveis. Vemos que alguém cavalga em um bosque e quando não

vemos sabemos que está lá. Disponível em: http://lyc-sevres.ac-versailles.fr/forum_espace.php. Acesso em 05 abr 2007.

natural, em determinado momento, mas não necessariamente a explicação definitiva ou única.

A proximidade entre arte e ciência se diferencia ao longo da história. Entre literatura e ciência também. Mas, embora considerado como gênero menor, foi na literatura de ficção científica que anteciparam-se alguns feitos da ciência que, por sua vez, inspiraram várias outras produções literárias. The world set free (1914), de H. G. Wells, é um conto sobre uma arma atômica e foi considerado como uma “fantasia científica”, ou seja, apresentava coisas que não poderiam, pela lógica da ciência na época, acontecer. Alguns anos depois, após ser provado que uma arma de fissão nuclear era possível, foi lançado o projeto Manhattan, no período da Segunda Guerra, para a construção da bomba atômica. Como conseqüência, com o desenvolvimento da bomba, foi produzida muita ficção científica retratando o apocalipse. Mas a ficção não pára por aí. Philip K. Dick, escritor de ficção científica, em O homem do castelo alto, é capaz de revelar uma visão alternativa da história deste mesmo período. Publicado em 1962, apresenta a Segunda Guerra Mundial vencida pelos nazistas e o mundo dominado por Alemanha e Japão e levanta a questão não respondida sobre o que é a realidade.

No final do século XIX, revela-se uma ciência que começa a deixar de centrar-se apenas no real físico. Henri Poincaré, primeiro matemático a considerar a possibilidade do caos, já indicava alguns problemas que provavelmente seriam enfrentados pela física no século XX, e se indagava se a ciência estaria ou não pronta para uma mudança de orientação. Einstein acabou por romper a tradição, já no século XX, demonstrando que conceitos newtonianos como o tempo, o espaço, a massa e energia, tornar-se-iam relativos. Houve transformações na pintura - as mudanças do visível com Monet, Cézanne, Picasso, Braque, Duchamp, Maliévitch, Mondrian e Kandisnky - e a revelação do invisível. As novidades das geometrias não euclidianas transformaram conceitos em certezas.

A percepção de que arte, ciência e tecnologia não possuíam fronteiras tão categoricamente traçadas, como no século anterior, generalizou-se, no final do século XX, em diversos campos do conhecimento. Não se faculta mais à arte o domínio da subjetividade, à ciência o domínio, perverso ou não, do conhecimento. É importante perceber que a tecnologia, positiva ou negativamente, vai acarretando modificações

na própria sociedade, criando um novo espaço humano. Surge assim o trabalho criador, que não sabemos mais se de cientistas, artistas, ou engenheiros, ou se de todos ao mesmo tempo, que nos possibilita pensar uma vez mais que tais práticas não estão mais tão distantes assim. Paul Caro afirma que um especialista moderno em química é um pouco também um escultor, sobretudo quando deve construir as intrincadas arquiteturas das moléculas orgânicas ou das estruturas cristalinas, assim como também há algo de ficcionista no pesquisador de física nuclear, que deve, num sentido, “adivinhar” a vida das partículas e reconstruir a história íntima do comportamento dos átomos. Muitos trabalhos recentes apresentam referências difíceis de ser percebidas como originárias da imaginação artística, da investigação científica ou da invenção tecno-industrial. Com o cubismo, ainda no século XX, a geometria passou a ser a linguagem da nova arte. Picasso, no seu Les demoiselles

d’Avignon, já revela a presença da geometrização, pois volta-se para a ciência como

modelo e passa a ser guiado pela matemática. A ruptura que o cubismo provocou foi uma conexão entre arte e matemática, ciência e tecnologia. Em Picasso e Einstein emergiram muito das idéias que movimentaram tudo o que chamamos de moderno, e não é nenhuma surpresa encontrar similaridades entre ambos, entre o artista e o cientista.

Albert Einstein e Pablo Picasso, modelos de gênios, inspiração de gerações de artistas e cientistas, são ícones do século XX. A ciência moderna é Einstein e a arte moderna, Picasso. Como isso aconteceu é uma das maiores sagas da história do pensamento ocidental... Eles vislumbraram, no interior da natureza artística e da criatividade científica, como a pesquisa pôde ser realizada na fronteira comum da arte e da ciência.39 (MILLER, 2002, p.1)

No século XXI, há novos parâmetros para o entendimento da arte e da ciência. A ciência do caos e a arte multimídia associadas aos computadores consolidam cada vez mais essa junção, que tende a se sobrepor ao isolamento do 39“Albert Einstein and Pablo Picasso, exemplars of genius, inspiration for generations of artists and

scientists, are icons of the twentieth century. Modern science is Einstein and modern art, Picasso. How this came about is one of great sagas in the history of Western thought… They also offer glimpses into the nature of artistic and scientific creativity and of how research was carried out at the common frontier of art and science"

artista que, como afirma Roland de Azeredo Campos, “negligencia o conhecimento científico, ao do cientista que incompreende seus contemporâneos no mundo da arte” (CAMPOS, 2003, p.28). Para o “novo” século é preciso perpassar pela música, pintura, escultura, literatura, pela física e pela matemática, pela visão social e biológica do homem e da máquina, do homem-máquina. Pelas novas tecnologias

Não há como desconhecer a energia térmica, eletricidade. A termodinâmica Boltzmam, Faraday e Maxwell. A mecânica newtoniana e a afirmação que, ainda no final do século XIX, as ciências exatas deixaram de centrar-se no real “em si”. A velocidade da luz e a implacável radiação eletromagnética que “reorientou as conexões espaço-temporais”. A relação com a pintura. Monet, Seurat, Cézanne, Picasso, Braque, Duchamp. A escultura de Boccioni. A esteira do Cubismo e Futurismo, Maliévitch, Mondrian e Kandinsky. A música de Debussy. A literatura dos poetas Rimbaud, Mallarmé e Apollinaire com seus Caligramas. Os contos de Jorge Luis Borges. Os geômetras e o jogo de xadrez.O jogador de xadrez de Maezel, de Edgar Allan Poe e Finnegans Wake, de Joyce. “A atividade enxadrística muito conveniente para análises cibernéticas” (CAMPOS, 2003, p.36).

Não é possível deixar de lado o legado das ciências biológicas. A teoria da evolução de Darwin e as leis da hereditariedade de Mendel. A biofísica e a bioquímica. “A constatação da base físico-química dos organismos vivos em nível molecular” (CAMPOS, 2003, p.51). Os cromossomos, células, DNA, genes. A equação da física - a fórmula de Einstein (E=mc²) - e os signos icônicos da semiótica de Peirce. A relatividade einsteiniana e a concepção de que o espaço-tempo é “mental e vital, artístico e científico” (CAMPOS, 2003, p.41). As dimensões de espaço e tempo vistas por equações físicas e matemáticas que escapam ao raciocínio não tão numérico e pragmático dos leigos-leitores-não-ciências-exatas.

Os jogos lingüísticos e o “efeito borboleta” de Edward N. Lorenz. A teoria do caos e os fenômenos irreversíveis que “é o caso de turbilhões em fluidos, a emissão radioativa e os ritmos biológicos” (CAMPOS, 2003, p.95). O conceito de temporalidade mudou o homem e a máquina. E da parceria do homem com o computador “surgiram produtos artísticos tidos como impossíveis”(CAMPOS, 2003, p.115). O computador, a geometria fractal que mostrou como “se derivam objetos estéticos a partir de fórmulas matemáticas”(CAMPOS, 2003, p.123). A ciência do

caos e as construções randômicas-tecnológicas de poesias. A internet e o ciberespaço, a imagem virtual e tridimensional. A revolução hipertextual e os trabalhos multimídias.